Tramitando no Congresso Nacional, texto do novo PNE ainda não assegura agendas de gênero e sexualidade

Apesar de centenas de emendas pela inclusão, últimas versões não explicitam essas agendas nem nomeiam discriminações a serem combatidas

O novo Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em tramitação no Congresso (PL 2.614/2024), é o projeto de lei (PL) que mais recebeu emendas na história. Foram 3070 propostas de alteração no texto enviado pelo Governo, expressão das disputas em torno do projeto. No último dia 14 de outubro, o deputado Moses Rodrigues (MDB-CE), relator da matéria, apresentou a nova versão do texto após a incorporação ou rejeição das emendas recebidas. Ponto em comum entre ambas as versões é a ausência das agendas de gênero e sexualidade, apesar de terem sido validadas pela sociedade na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2024 e das centenas de emendas que tocavam no assunto.

“Gênero” no PNE: histórico 

O PNE atualmente em vigor (lei 13.005/2014) também não contempla essas agendas de modo explícito, resultado de intensa pressão de setores ultraconservadores que marcou a tramitação do Plano. O texto que chegou à Câmara em 2014 expressava que o PNE tinha como diretriz “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Ao final, prevaleceu um texto que retirava essas ênfases, expressando apenas a necessidade da “erradicação de todas as formas de discriminação”. Um “conteúdo genérico, suficientemente inclusivo”, como avaliaram, em artigo, os pesquisadores Salomão Ximenes, Fernanda Vick e Márcio Alan Menezes Moreira. 

“A supressão deste tema no último PNE é um importante capítulo na disputa em torno das políticas educacionais e, por tabela, do projeto de cidadania brasileira. As cruzadas antigênero encontraram no espaço escolar um terreno fértil para sua disseminação, ancorada muitas vezes na lógica de uma suposta proteção da infância e da família aliada à propagação de pânicos morais”, diz Dayanna Louise, Secretária de Educação da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). A ausência se traduziu em uma década de disputas em diferentes âmbitos: nas escolas, onde aumentou a censura e a cultura do medo; no Legislativo, durante a elaboração dos planos estaduais e municipais, além das centenas de projetos de lei sobre gênero e educação; no Judiciário, que desde 2020 vem reconhecendo em diversas ocasiões não apenas a legitimidade mas também o dever constitucional de abordar discussões sobre gênero e sexualidade na escola. Uma das mais importantes foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que interpretou que a “erradicação de todas as formas de discriminação” presente no PNE também abrange as discriminações de gênero e de orientação sexual, reconhecendo a obrigação do Estado em garantir que as pessoas não sejam vítimas dessas violações nas escolas.

Gênero no novo Plano: lutas e resistências

As agendas de gênero e sexualidade (articuladas à raça) e o combate a todas as formas de discriminação foram amplamente referendadas pela sociedade civil, que vem lutando para que estas constem no documento mais importante da política educacional brasileira. Na última CONAE, o texto final – que, segundo o regimento, deve ser a base para o governo apresentar sua proposta -, contemplou de forma abrangente o aumento do investimento em educação pública, a revogação do Novo Ensino Médio e a necessidade das discussões sobre gênero, raça e combate a todas as formas de discriminação. Fora isso, foram aprovadas quatro moções da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, incluindo uma por uma política de promoção da igualdade de gênero, raça e diversidade sexual na educação

No entanto, o Executivo não espelhou essa ampla defesa das agendas de gênero e sexualidade na proposta que enviou ao Congresso. Nela, os termos “gênero”, “orientação sexual” ou a população LGBTQIA+ sequer são mencionados. Teoricamente, essas populações e agendas estariam contempladas nas menções a diversidades, igualdade, equidade e combate a discriminações, à luz do que aconteceu em 2013. O presidente Lula classificou o Plano, nesta versão, como “factível e sério”. 

O texto base do governo, já à época criticado por seu caráter mais generalista também em outras metas, recebeu 3070 emendas. Quase 10% delas tratavam explicitamente de gênero e sexualidade, seja no sentido de inclusão, expansão e garantia de direitos, seja no sentido de exclusão e cerceamento. “Foram mais emendas de inclusão do que de exclusão, o que não significa maior presença do campo progressista em relação ao conservador. Isso quer dizer, na verdade, que o documento enviado pelo Executivo não foi tão progressista assim e tinha muito espaço para melhora. Já as emendas de exclusão tentam tirar os poucos ganhos do projeto, em sua maioria suprimindo gênero ou práticas pedagógicas em direitos humanos”, resume Natália Assunção, mestranda em Ciência Política na UNB e criadora do Observatório de Gênero e Diversidade Sexual no PNE, que monitora o processo. 

A maioria das emendas, tanto de inclusão ou de exclusão, foi rejeitada integralmente, com algumas propostas sendo parcialmente acatadas na nova redação. “Entendo que é o resultado de um esforço do Executivo de não trazer controvérsia para o Plano, o que já tinha sido refletido também nas audiências públicas realizadas pela Comissão Especial do PNE, todas focadas nas estratégias, sem debruçar-se sobre gênero”, complementa Natália.

Na sessão de apresentação do documento, dia 14 de outubro, o deputado Moses Rodrigues mencionou explicitamente que o objetivo foi “preservar o debate acerca do PNE (…) de disputas ideológicas que desviassem o foco da garantia do direito à educação de qualidade”. O prazo de envio de emendas para a versão de Moses já se encerrou, e agora o texto será analisado e aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados para, em seguida, ser votado na Câmara e no Senado – processo que pode se estender até 2026.

“Assim como na tramitação do Plano atual, os grupos que atuam contra gênero, raça e a população LGBTQIA+ estão organizados. Agora, ampliaram sua bancada e se fortaleceram na Câmara, estando também muito atuantes no cotidiano escolar – por exemplo, agindo para cima de familiares que cobram o ensino da cultura africana e afro-brasileira na escola, e chamando certos temas de ‘doutrinação ideológica’. Ou seja, estamos num momento extremamente crítico. Mas também temos aliados e aliadas comprometidas a fazer valer uma educação de qualidade”, pondera Suelaine Carneiro, coordenadora de educação e pesquisa do Geledés – Instituto da Mulher Negra. 

As disputas no projeto do Executivo 

O primeiro texto, do Executivo, recebeu 227 emendas que o tornavam mais inclusivo em relação a gênero e sexualidade, e outras 36 que o tornavam mais restritivo. Vinte e um parlamentares de seis partidos diferentes apresentaram emendas inclusivas, que se distribuíram em todas as etapas da educação, além de emendas transversais, não específicas a uma etapa ou modalidade. Essas emendas majoritariamente espelhavam o conteúdo proposto pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação junto a 23 entidades. 

Além da inclusão da abordagem de gênero e sexualidade e da nomeação das discriminações e violências a serem combatidas e superadas, as emendas inclusivas também propunham: políticas de educação sexual; fomento da participação feminina em carreiras STEM (ciência, tecnologia, engenheria e matemática); mecanismos para garantir a efetivação das leis 10.639/2003 e 11.645/2011; políticas de prevenção ao abuso sexual; e uma política nacional de desmilitarização de escolas públicas, com recorte ao enfrentamento de racismos, machismos, LGBTQIAPN+fobia. Das 227 emendas, 6 foram acatadas integralmente; 109 parcialmente e 139 delas foram rejeitadas. 

Já as 36 emendas que pretendiam tornar o PNE excludente e contraditório à legislação existente – que já assegura a abordagem de gênero, raça, sexualidade e direitos humanos na Educação – foram propostas por 10 parlamentares distintos. Nikolas Ferreira (PL-MG), presidente da Comissão de Educação da Câmara, e Júlia Zanatta (PL-SC) foram responsáveis por mais da metade delas, tendo enviado 10 e 9 emendas, respectivamente. Assim como no caso das emendas de inclusão, essas também se distribuíam por todas as etapas e em diversos objetivos, metas e estratégias do novo PNE. O deputado Dr. Luiz Ovando propôs “protocolos de prevenção à ‘doutrinação ideológica’”; Julia Zanatta apresentou uma emenda sobre o “direito dos pais de escolher a formação moral e religiosa dos filhos“, e Chris Tonietto sobre uma suposta “neutralidade ideológica”, vedando conteúdos “que contrariem convicções morais, religiosas ou filosóficas das famílias”. Das 36 emendas excludentes, nenhuma foi acatada integralmente, outras 28 foram rejeitadas e 8 foram acatadas parcialmente. 

“Chama a atenção a articulação do grupo antigênero, que consegue pautar suas agendas de uma maneira que é preciso um olhar afiado para entender que, por trás das palavras e de seu enquadramento de gênero, estão retrocessos para a democracia como um todo”, destaca Nicole Gonzaga, co-criadora do Observatório de Gênero e Diversidade Sexual no PNE. O Observatório tem monitorado e categorizado todas as emendas recebidas nas diferentes versões do PNE, disponibilizando o balanço para consulta pública. Natália Assunção, também do Observatório, faz coro a essa análise, alertando para a estratégia do campo conservador de não nomear discriminações, como na tramitação passada. “Por mais que o STF tenha afirmado que mesmo uma redação genérica implica que as escolas devem combater todas as formas de preconceito, inclusive baseadas em gênero, identidade de gênero e diversidade sexual, parece ser uma estratégia que a direita percebeu que funciona”, diz.

A percepção de que não explicitar violências, discriminações e grupos específicos no PNE é uma vitória do campo conservador – a despeito do que diga o arcabouço jurídico – é compartilhada por Fernanda Moura, professora e integrante do Observatório Nacional de Violência contra Educadores e do Professores Contra o Escola Sem Partido. “Se não conseguimos nomear, estamos perdendo, por mais que existam brechas”, afirma, baseando-se na experiência de uma década atrás. “A mobilização pela exclusão do gênero foi bem sucedida. Mas a mobilização posterior, que era pela proibição do gênero – e não apenas a exclusão – não foi. Ou seja, a vitória do campo conservador foi parcial se analisarmos apenas o texto, mas isso não bastou, porque ao longo dos anos a exclusão foi tratada, no dia a dia, como se fosse uma proibição. A retirada do gênero foi usada como justificativa quando se perseguiam professores por tratar dessas questões”. Por isso, a educadora reforça a importância de brigar por essas explicitações em todas as etapas da tramitação. 

O Geledés Instituto da Mulher Negra avaliou que o texto do Executivo demonstrou uma preocupação significativa com a pauta étnico-racial, tratando-a tanto de forma estrutural quanto como um marcador de vulnerabilidade. Em contrapartida, a completa omissão da sexualidade e identidade de gênero sugere uma intenção de despolitizar o texto e evitar o confronto ideológico com setores conservadores na fase de tramitação legislativa, mantendo apenas a linguagem mais genérica amparada constitucionalmente. “Isso compromete a capacidade do PNE de enfrentar de forma robusta e explícita as desigualdades e opressões históricas na educação brasileira”, diz a análise da organização, que, ao comparar as versões da Conae, do Executivo e do relator, destaca a tensão e “disputa explícita sobre a centralidade e a forma como as questões de raça, gênero, sexualidade e diversidade devem ser tratadas na política educacional brasileira”. 

“É fundamental lembrar que suprimir o gênero não é apenas uma finalidade em si mesma. Ao contrário, é um conceito que virou um espantalho que justifica tudo, basta lembrar que o PNE não tirou só o gênero do texto, mas também as outras formas de desigualdade, como a de raça e a de classe”, diz Fernanda Moura. “Por isso não dá mais para apenas ‘combater desigualdades’, precisamos nomeá-las. Enquanto não estiverem claras e nomeadas, o outro lado continuará dizendo que é proibido, que estamos doutrinando, a despeito das decisões legais. Nomear também traz segurança jurídica aos educadores e educadoras”, complementa a educadora Fernanda Moura.  

Parecer do Relator Legislativo (PRL) e Emendas: apagamento e resistência

A versão do relator, apresentada em outubro, difere do texto do Executivo ao incluir  um objetivo, 12 metas e 101 estratégias no texto do PNE, mas segue sem adereçar diretamente a importância das escolas educarem para a igualdade de gênero na intersecção com raça, pelo respeito a todas as identidades de gênero e orientações sexuais, pelo enfrentamento ao machismo, racismo, LGBTfobia, capacitismo e por um currículo em educação sexual. A maior parte das emendas sobre essas agendas foi rejeitada ou acatada apenas parcialmente. Alguns avanços foram a inclusão das interseccionalidades nas diretrizes​​, e do cumprimento das Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que tratam da obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena. 

Em nota, a Ação Educativa manifestou profunda preocupação e repúdio pela ausência e reforçou que essas interdições representam um novo ataque a estudantes e profissionais da educação que têm o direito constitucional de abordar agendas relacionadas aos direitos humanos. “A omissão dessas agendas representa um grave ataque ao direito humano à educação e reforça a invisibilização das desigualdades estruturais que atravessam a vida de meninas, mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência, comprometendo o direito à aprendizagem, à proteção e à dignidade de milhões de estudantes”, diz o posicionamento. 

O substitutivo recebeu 1380 emendas. Destas, 86 referem-se explicitamente a gênero e sexualidade, sendo 48 no sentido de inclusão das agendas e 38 de exclusão. Em ambos os casos, as e os parlamentares proponentes retomaram pontos da etapa anterior – por exemplo, propondo uma política de desmilitarização das escolas públicas ou, ao contrário, suprimindo marcadores de discriminações. Há ainda uma emenda que quer incluir, entre as diretrizes, a promoção “das diferentes visões de mundo” visando evitar “deriva para agendas identitárias prescritivas”. Entre as mais de 100 emendas que propõe ao substitutivo, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) quer resguardar “o direito dos pais de decidir sobre aspectos relevantes da educação dos filhos”. 

“Apesar da deputada Tábata Amaral [presidente da Comissão Especial sobre o PNE]  ter comentado que o substitutivo não deixa ninguém para trás, foi mantida a completa ausência da palavra gênero e da população LGBTQIAPN+, além de temas relacionados que estão sendo enquadrados no mesmo guarda-chuva como proibidos, como a educação sexual“, destaca Natalia Assunção, do Observatório de Gênero e Diversidade Sexual no PNE

Após a categorização e disponibilização das emendas, Natalia avalia que o campo conservador partiu para outras agendas. “Dá a impressão de que reconheceram que essa batalha [pela exclusão do gênero] estava ganha. Agora se destaca o negacionismo climático. Isto é, emendas que tentam remover totalmente as menções a mudanças climáticas e adaptação a elas. Além disso, há a tentativa de retirada de trechos que direcionam políticas específicas a grupos sociais historicamente excluídos ou marginalizados, com a ideia de que as políticas devem ser universais. O exemplo mais direto é o ataque a emendas que falam sobre fomentar acesso, permanência e conclusão de mulheres em áreas STEM”, resume. 

Para Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, a retirada das menções a gênero e sexualidade não foi uma surpresa e nem necessariamente uma derrota. “A estratégia de retomar explicitamente esses temas, sempre em articulação com raça, em vários momentos do texto é uma afirmação política”, diz. “Nós conseguimos avançar no reconhecimento da interseccionalidade, e há a menção à violência e ao assédio, embora apenas de forma genérica, sem a explicitação de suas causas. Gênero também não entrou como objeto de proibição, como proposto por grupos ultraconservadores”, completa. 

Lutas prosseguem por um PNE que valorize a diversidade

No início de novembro, mais uma versão do texto foi apresentada. Novamente, sem a incorporação das agendas de gênero e sexualidade. Por isso, a luta por um PNE inclusivo e que enfrente as múltiplas desigualdades sociais e educacionais continua. “Precisamos seguir pautando a mesma estratégia múltipla no Senado, associando-a à determinação do STF sobre a ADI 5668/2024″, reforça Denise. Uma das ferramentas de luta é a “Proposta de Política Nacional de Educação para a Igualdade de gênero, diversidade sexual e educação integral em sexualidade, em perspectiva interseccional”, entregue em outubro ao Ministério da Educação (MEC). O documento é fruto de um trabalho amplo de escuta do MEC de organizações de sociedade civil, entidades acadêmicas, movimentos sociais e instituições do sistema de justiça e de pesquisa, que pretendia justamente dar uma resposta a uma determinação do STF. “Ele propõe uma política sistêmica, multidimensional e de Estado que supere a interdição e silenciamento ou mesmo a abordagem residual das agendas de igualdade de gênero, diversidade sexual e educação integral em sexualidade nas políticas educacionais. Na próxima etapa da tramitação do PNE, no Senado, devemos ecoar este documento como referência fundamental para nossa incidência”, reforça Denise. 

Também parte do grupo que ajudou a produzir esse referencial, Dayanna Louise, Secretária de Educação da Antra, lembra que quanto mais os movimentos reacionários tentam criminalizar essas discussões, mais se ampliam os espaços e horizontes dispostos a experimentar saídas. “A frágil democracia brasileira exige luta diária e coletiva pela preservação e ampliação de direitos, contrariando a quem nos quer silenciar, criminalizar e exterminar. Para além de uma “pauta de costumes”, garantir a inserção de temas como gênero no currículo escolar a partir de uma perspectiva emancipatória é reivindicar uma educação pública ancorada na democracia e na justiça social”, afirma. Suelaine Carneiro, de Geledés, reforça: “Nós enquanto sociedade civil e ativistas pelo Direito à educação de qualidade, antirracista e antissexista, vamos continuar acreditando na possibilidade de termos um PNE que de fato valorize e promova a diversidade étnico-racial, a igualdade de gênero e principalmente uma educação voltada para a emancipação e fortalecimento da cidadania”.

Organizações da sociedade civil e instituições acadêmicas entregam proposta de política nacional para enfrentar violências e desigualdades de gênero e sexualidade na educação

Documento propõe diretrizes sistêmicas para promover direitos educativos de meninas, mulheres e população LGBTQIA+ e fortalecer relações igualitárias nas escolas

Como as políticas educacionais podem contribuir para o enfrentar violências, discriminações e desigualdades de gênero e orientação sexual? Representantes de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e entidades acadêmicas, incluindo Ação Educativa, Faculdade de Educação da USP, Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura (Abeth), Conselho Federal de Psicologia, entre outros, apresentou nesta quinta-feira (16), em Brasília, uma proposta de política nacional sistêmica ao Ministério da Educação (MEC). O documento também foi entregue ao Ministério das Mulheres e à Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

“A censura e o silêncio sobre as questões de gênero e sexualidade deixam crianças, adolescentes e jovens expostos à violência e fomentam a perseguição a profissionais da educação. Por isso, apresentamos essa demanda de uma política que enfrente essas questões de forma estruturada e permanente”, afirma Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa.

Plano propõe ações para fortalecer políticas educacionais

Visando o estabelecimento de uma agenda de curto, médio e longo prazo nas políticas educacionais, a proposta reúne 12 eixos de ação, que abrangem a formação e proteção de profissionais da educação, a produção de materiais didáticos, protocolos de enfrentamento às violências e campanhas de comunicação e educativas voltadas à igualdade de gênero, diversidade sexual e educação integral em sexualidade.

Elaborado por Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP, o documento é fruto de um amplo processo de escuta realizado pelo Grupo de Trabalho Técnico de Enfrentamento ao Bullying, ao Preconceito e à Discriminação, instituído pela Secadi/MEC. Também incorpora deliberações das Conferências Nacionais de Educação, balanços de produções acadêmicas e relatórios de grupos que analisaram os recentes ataques às escolas.

“Pesquisas nacionais de opinião pública como ‘Educação, Valores e Direitos’ revelam que a população brasileira é majoritariamente favorável à educação integral em sexualidade e à abordagem da igualdade de gênero e diversidade sexual nas escolas, compreendendo que isso é decisivo para a proteção de crianças, adolescentes e jovens contra abusos sexuais e para a superação da violência contra meninas, mulheres e população LGBTQIA+. Neste documento, propomos uma política sistêmica que supere a abordagem residual que o problema tem recebido nas políticas governamentais em decorrência da atuação de grupos ultraconservadores que manipulam e promovem a desinformação e o pânico moral”, afirma a professora Denise Carreira.

Segundo as organizações envolvidas, o objetivo é fortalecer políticas públicas educacionais comprometidas com os direitos humanos e com uma educação livre de violências e desigualdades.

Proposta de Política Nacional de Educação para a Igualdade de Gênero, Diversidade Sexual e Educação Integral em Sexualidade, em perspectiva interseccional: rumo a uma política sistêmica e de Estado (2025)

Elaboração do documento: Denise Carreira (Faculdade de Educação da USP)
Grupo de Apoio à Relatoria (leituras críticas): Alexandre Bortolini (Abeth); Barbara Lopes (Ação Educativa); Benilda Brito (Nzinga/Rede de Ativistas do Fundo Malala); Clóvis Arantes (ABGLT); Dayanna Louise (Antra); Erivan Hilário dos Santos (especialista); Patrícia Baroni (Anped); e Raquel Guzzo (Conselho Federal de Psicologia).

Acesse o documento aqui.

Sobre a Ação Educativa

Fundada em 1994, a Ação Educativa é uma associação civil sem fins lucrativos que atua nos campos da educação, da cultura, da juventude, da tecnologia e do meio ambiente na perspectiva dos direitos humanos.

Para tanto, realiza atividades de formação e apoio a grupos de educadoras/es, jovens e agentes culturais. Integra campanhas e outras ações coletivas que visam à garantia desses direitos. Desenvolve pesquisas e metodologias participativas com foco na construção de políticas públicas sintonizadas com as necessidades e interesses da população.

É sua missão a defesa de direitos educativos, culturais e das juventudes, tendo em vista a promoção da democracia, da justiça social e da sustentabilidade socioambiental no Brasil. Conheça mais em: https://acaoeducativa.org.br/.

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Os impactos do ajuste fiscal na Educação

Congresso aprovou proposta do governo federal autorizando que recursos possam ser retirados do Fundeb

Os impactos do ajuste fiscal na Educação

Às vésperas do recesso parlamentar de 2024, o Governo Federal conseguiu aprovar a PEC do Ajuste Fiscal (54/2024), que estabelece limites de gastos para o governo nos próximos anos. O texto aprovado afeta significativamente a Educação – e poderia afetar ainda mais, não fossem os protestos durante a tramitação da PEC. A principal alteração tem a ver com a destinação dos recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb), que agora poderá destinar parte de seus recursos exclusivamente para a Educação Integral. 

O que é o Fundeb

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública brasileira, e é uma contribuição obrigatória de municípios, estados e União. Sua versão atual foi aprovada e constitucionalizada em 2020, após cinco anos de tramitação e debate. 

O Fundo custeia principalmente o pagamento das profissionais do setor e a infraestrutura das escolas e demais recursos que assegurem a qualidade da educação. A grande alteração aprovada em 2020 foi o aumento gradual da complementação da União. Isto é, do repasse de recursos do Governo Federal para os estados e municípios, que possuem menor capacidade de arrecadação de impostos. A estimativa é que em 2025 essa complementação seja de cerca de 56 bilhões de reais. 

Com mais recursos (ou “maior complementação”) da União, aumentou-se o montante a ser investido na educação básica, bem como seu potencial de corrigir desigualdades. Isso porque o ente com mais recursos (a União) passa a contribuir mais do que os que têm menos (estados e municípios), com base em diferentes mecanismos para essa complementação, inclusive um que considera as desigualdades educacionais, o VAAR. 

O que mudou? 

No fim de 2024, o governo federal apresentou ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para contenção de gastos obrigatórios, conhecida como a PEC do Ajuste Fiscal. Essa PEC faz parte das medidas de austeridade fiscal da gestão, que incluem o Arcabouço Fiscal. Aprovada em 2024, as alterações já estão em vigor. 

A Educação foi incluída nesse pacote com a flexibilização no uso de recursos do Fundeb: em 2025, até 10% da complementação da União poderá ser usada para o fomento à manutenção de matrículas em tempo integral. Isso significa que o governo federal vai poder usar recursos do Fundeb, que é uma despesa obrigatória em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), para investir em educação integral – ao invés de prever recursos específicos para um programa próprio da modalidade. A proposta original apresentada pelo governo propunha o dobro: que até 20% dos recursos da complementação pudessem ser destinados para a Educação Integral, uma economia que o governo estimou em quase 5 bilhões de reais

A vice-presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nalu Farenzena, explica que o valor que a União vai acrescentar ao Fundeb não muda, mas sim as regras de como ele pode ser utilizado. “O valor da complementação não diminui, mas é como se fosse criado mais um mecanismo, uma modalidade de complementação, além das que já temos (VAAF, VAAT e VAAR). É uma autorização para usar o dinheiro de outra maneira, e nesse sentido altera as regras do Fundeb”, explica. 

A versão aprovada também amenizou a flexibilização ao determinar que o limite de 10% vale internamente para cada mecanismo de complementação. Ou seja: não é possível tirar de um único mecanismo (dos 3 existentes) todo o valor que se deseja remanejar para a educação integral. Seria uma forma de assegurar que nenhum dos três critérios possa ser particularmente desidratado. 

A proposta do Executivo foi alvo de severas críticas de várias vozes e entidades da Educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Fineduca, que divulgaram notas contrárias à proposta do Executivo. 

A Campanha chamou o texto aprovado de “vitória parcial” por conseguir reduzir a flexibilização de 20 para 10% da complementação da União – e por conseguir conter uma outra emenda surgida durante a tramitação: a permissão de estados e municípios usarem recursos do Fundeb para alimentação escolar, o que não está previsto nas regras do fundo. “A importante vitória impediu um precedente terrível de colocar o Pnae para disputar recursos da Educação”, diz a nota da entidade, que afirma que a mudança aprovada já é suficiente para enfraquecer a capacidade do Fundeb de reduzir desigualdades. 

O que essa mudança significa? 

Com as alterações sofridas na tramitação, a nova regra não vai economizar tanto como o Executivo pretendia inicialmente, mas ainda terá impactos no financiamento da educação básica. Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, explica que, na prática, um recurso da casa de 6 bilhões de reais será retirado da Educação. “A decisão foi manter o programa de escola em tempo integral, mas deixando de alocar recursos específicos e sim usando o do Fundeb, o que é criar uma quarta modalidade de complementação cujos critérios não foram acordados nos 5 anos em que a proposta do Fundeb foi debatida no Congresso”. 

A preocupação em relação à nova regra é potencializada porque o novo Fundeb ainda está em fase de implementação. Segundo o que foi aprovado em 2020, o aumento da complementação de recursos da União cresceria gradualmente até 2026, quando chegaria a 23%. Ou seja: as regras já foram alteradas antes mesmo do Fundo estar plenamente implementado. “Nós batalhamos muito pelo aumento da contribuição do governo federal para estados e municípios, por mais recursos e não por menos. E aí essa medida anularia praticamente todo o percentual conquistado na aprovação do Fundeb”, critica Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), que enfatiza a gravidade da proposta original de flexibilizar até 20% da complementação. Ela destaca que mesmo com o aumento gradual de recursos, o Fundeb vem operando num limite em relação ao montante necessário para a educação de qualidade, o que seria “apostar na precarização”. 

O Professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Salomão Ximenes, na época da apresentação da proposta ao Congresso, enfatizou que “por mais meritório que possa ser o dito programa [de Educação Integral], não elimina o fato de que estarão desviando 20% [depois 10%] do Fundeb em plena etapa de consolidação, (…) sem avaliação de resultados e de impacto, sem dialogar com Estados e Municípios que sairão prejudicados e impondo um improvável retrocesso no financiamento da educação pública em relação ao conquistado durante o governo Bolsonaro”, disse. 

Como a fala de Salomão indica – e movimentos sociais e entidades da Educação concordam -, o problema não é assegurar recursos para a educação integral e sim a manobra para que isso seja feito via Fundeb e não com programas próprios para este fim. A nota técnica da Fineduca lembra que o Fundeb já tem mecanismos que valorizam a educação integral, como os fatores de ponderação, que ainda poderiam ser aprimorados se fosse esse o objetivo. A assessora política do INESC, Cleo Manhas, reforça ainda que mesmo o ganho para educação integral é extremamente limitado se o resto da educação básica continua subfinanciada. “Não adianta dar uma poupança para estudantes [com o programa Pé de Meia] e não melhorar a escola que estão obrigados a estudar e que continua sem condições, com docentes em contratos temporários. Não adianta dizer que vai cumprir a educação em tempo integral dessa maneira tão precarizada. Educação em tempo integral exige escolas com muito mais infraestrutura, não é apenas colocar uma placa, é preciso ter uma escola atraente, com várias atividades, e não é isso que vemos”. 

Cleo critica ainda a falta de estudos sobre os impactos de uma alteração desse porte: “Como estados e municípios vão fazer uma política de educação em tempo integral se não foi feito nenhum estudo de impacto? A proposição não veio acompanhada dos cálculos, da descrição dos objetivos e indicadores afetados, por exemplo, bem como de medidas de compensação para esse corte”. Por isso, entidades como a Fineduca têm afirmado que as novas regras do Fundeb alteram o papel do fundo de combater as desigualdades educacionais. Em nota, a Associação afirma que “o MEC contribui com o corte de gastos demandado pelo mercado financeiro, a pretexto da estabilidade fiscal do país, mas às custas da redução do potencial equalizador do Fundeb”. 

Na mesma linha, a CNTE destacou que o texto aprovado pode comprometer a manutenção e investimentos das políticas em andamento, especialmente o pagamento da folha de pessoal da educação na esfera municipal – cerca de 70% do montante do Fundeb é destinado à valorização de profissionais da Educação. Já a Undime ressaltou que a alteração pode reduzir a autonomia dos entes federados, uma vez que parte da complementação poderá ficar “carimbada” para um uso específico, e que essa imposição desconsidera as especificidades dos municípios. 

Por fim, há ainda dois pontos que preocupam sobre os impactos do ajuste fiscal na Educação: que a nova regra possa de alguma maneira descaracterizar o Fundeb; e a falta de tempo e diálogo com a sociedade em sua proposição. Para Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, a nova redação do Fundeb pode descaracterizar os critérios de redistribuição do Fundeb, pactuados ao longo de anos de debate público. “A questão que se coloca aqui é o precedente que foi aberto, da exigência de que os recursos do Fundeb devam ser direcionados para isto ou aquilo. Durante o processo de tramitação de 2015 a 2020, uma das emendas aprovadas dizia que uma parte dos recursos deve ser aplicada na educação infantil – o que foi, portanto, uma prioridade amplamente discutida. Fora a grande prioridade do Fundeb, que é aplicar 70% dos recursos em remuneração de profissionais. Então colocar agora mais uma prioridade e sem discussão é uma interferência, inclusive sobre a autonomia dos entes federativos, e um precedente”, alerta Nalu. “A sociedade brasileira não teve a oportunidade de discutir essa prioridade nem em que termos ela se daria”. 

Nalu reconhece vários movimentos positivos no financiamento educacional desde o início da atual gestão de Lula, mas pondera suas limitações frente a um cenário mais generalizado de austeridade fiscal com fortes impactos em áreas sociais. “O Brasil não está aproveitando a oportunidade de levar adiante a discussão da implementação do Custo Aluno-Qualidade de educação básica. Isto é, de passarmos a realizar o planejamento da área da educação pensando nos recursos que são necessários para assegurar educação de qualidade, o que levaria inclusive ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Como realizar todas as metas se não aumentamos o nível do recurso?”, questiona. 

A assessora política do INESC, Cleo Manhas, também é enfática sobre os efeitos das políticas de austeridade na educação e no enfrentamento de desigualdades: “Saúde e educação têm grandes orçamentos, mas dado o tamanho do público-alvo é fácil de ver que é um orçamento muito incipiente. E dessa forma podemos chegar em um ponto inviável para políticas sociais, especialmente porque temos ainda um passivo a ser resolvido que vem desde a pandemia. O arcabouço fiscal está caminhando para uma política recessiva tanto quanto o Teto de Gastos, e com o agravante de que um governo de centro-esquerda é muito mais cobrado do que governos de direita”, pondera. “ O Ministério da Fazenda devia ser um Ministério “meio” e não um Ministério “fim”, mas a economia virou um fim. Estamos reféns desse discurso econômico”. 

Na América Latina, ofensivas antigênero também miram as escolas: educação sexual é um dos principais alvos

Educação é área central nas ofensivas contra gênero, sexualidade e democracia

Na América Latina, ofensivas antigênero também miram as escolas: educação sexual é um dos principais alvos

A tramitação do atual Plano Nacional de Educação (PNE), em 2013, inaugurou uma nova fase nas ofensivas antigênero no Brasil. As forças ultraconservadoras conseguiram com que todas as menções ao gênero fossem suprimidas do texto que norteia as políticas educacionais do país, o que fez aumentar a censura e perseguição nas escolas, só revertidas com muita mobilização. Mas ofensivas como essa não se deram apenas no Brasil. Ao contrário, fazem parte de um contexto mais amplo de ataques que continuam em curso na América Latina. 

Essas investidas assumem diferentes formas e estão conectadas com ataques à democracia e à educação de forma mais ampla. Em países como Nicarágua e Venezuela, que vivem um cenário generalizado de enfraquecimento democrático, os desmontes na educação vão além do gênero. A Argentina também caminha rapidamente para essa direção, com ataques ferozes em políticas já consolidadas. Esse país, assim como o Chile, é um bom exemplo de como as políticas antigênero estão também relacionadas a um pensamento neoliberal, que tem como horizonte a redução do Estado na educação. 

“Os países onde percebemos maiores problemas de liberdade acadêmica são aqueles onde há maior erosão democrática. Essa correlação é possível, o que não quer dizer que o problema não exista nos demais países”, resume Camila Croso, diretora da Coalizão pela Liberdade Acadêmica nas Américas (CAFA, na sigla em inglês). A CAFA documentou 409 ataques a estudantes, docentes ou instituições de ensino em 66 países entre 2022 e 2023. Na América Latina, os destaques negativos são Nicarágua e Venezuela, cujos regimes vêm reduzindo os espaços cívicos, chegando a fechar universidades. “São países onde de fato há um sequestro, uma perda total da autonomia em todas as suas dimensões – financeira, administrativa e pedagógica”, explica Camila.

Em relação a gênero, a diretora da CAFA pontua que os ataques vêm tanto via censura temática (interdição ou sanções por falar do assunto) como via assédio, inclusive sexual, e têm profundos impactos para as denunciantes. “Se as mulheres se posicionam, se mobilizam para defender as vítimas ou se são elas mesmas vítimas, são revitimizadas. E passam a sofrer uma perseguição tão grande que impacta a liberdade acadêmica, pois passam a ser marginalizadas naquele ambiente”, descreve a diretora, enfatizando que esses casos independem do estado geral da democracia. “Isso é o patriarcado instalado em qualquer sistema, sistemas democráticos ou não democráticos”. 

A Argentina tem dado exemplos de ataques e desmontes no campo educacional que também afetam questões de gênero. No último mês, o presidente Javier Milei conseguiu vetar o reajuste no orçamento das universidades públicas, mesmo com protestos massivos nas ruas. Além disso, políticas consolidadas, como a lei de educação sexual integral de 2006, estão sob ataque. “O momento da Argentina lembra muito a era Bolsonaro no Brasil: desfinanciamento radical, desmonte absoluto da educação, da ciência, da pesquisa. Agora não há mais Ministério da Educação e sim Ministério do Capital Humano, o que já diz tudo. É um desmonte do sistema educacional”, alerta Camila Croso.

Essa também é a opinião de Graciela Morgade, doutora em Educação e especialista em educação sexual. Mas as medidas do presidente contra o gênero são igualmente graves. “Na Argentina, as ofensivas antigênero também abarcam o campo da educação, mas não de uma maneira tão visível – como foi, por exemplo, o fim do Ministério das Mulheres. É menos visível porque o tema central [da educação] no debate público é o financiamento, mas o programa de Educação Sexual Integral (ESI) também está sendo atacado”, diz Graciela.

Na Argentina, a lei de educação sexual integral (ESI) é de 2006, sendo desde então obrigatório que o sistema educacional oferte esses conhecimentos a educandas e educandos. Segundo Graciela, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), a ESI, embora seja uma política consolidada, sempre teve problemas de implementação. Mas agora sofre uma ameaça de outra natureza. Os novos responsáveis pela área no governo são pessoas ligadas a setores religiosos ultraconservadores, que agora agem para descaracterizar essa lei de referência regional. Em outubro, por exemplo, o Ministério do Capital Humano contratou uma ONG chilena que promove a abstinência sexual como método contraceptivo para dar uma oficina a docentes, gestores e profissionais da educação que implementam a ESI em Buenos Aires. A oficina foi dada na sede da Secretaria (ex Ministério) de Educação. 

“Também está se adotando um discurso muito perigoso de que a educação sexual deve deixar de ser integral para focar somente na prevenção de gravidez e das ISTs e, por outro lado, um discurso relacionado a emoções, no sentido de controlar, esconder e reprimir ‘emoções negativas’”, complementa a professora da UBA. Mas movimentos de defesa da lei e da educação sexual integral seguem ativos e vigilantes para frear os retrocessos, como o Movimiento Federal X Más ESI, um coletivo que enxerga a ESI como um “projeto de justiça e de igualdade para a melhora da qualidade de vida de todas as pessoas”. “Estamos conectados em todo o país e temos o firme propósito de resistir e promover a formação em ESI nas universidades, sindicatos, etc. Vamos multiplicar a resistência”, diz Graciela. 

Educação: alvo prioritário, mas parte de contexto antigênero mais amplo

É consenso entre pesquisadoras e pesquisadores do tema que os ataques às pautas de gênero, sexualidade e diversidade sexual na América Latina podem não se limitar à educação, mas têm nela uma prioridade. Alguns dos maiores e mais influentes movimentos da região nos últimos anos tinham esse foco, como o Escola Sem Partido, no Brasil, e o Con Mis Hijos No Te Metas (Não mexa com meus filhos), que começou no Peru mas atua em vários países. E esses movimentos obtiveram várias vitórias. Por exemplo, em 2017 o Ministério da Educação do Paraguai aprovou uma resolução proibindo materiais que debatessem gênero na escola, acionando a ameaça da “ideologia de gênero”. Um ano depois, inaugurou-se uma campanha com o mesmo objetivo na Argentina, logo após o Congresso do país discutir mudanças na lei do aborto.

Para saber mais sobre políticas antigênero na América Latina, conheça o projeto Gênero e política na América Latina.

Para saber mais sobre os casos de Peru e Paraguai, acesse o estudo “Efeito das ações e estratégias antigênero no Paraguai e no Peru” (em espanhol).

Esses ataques vão além de seus contextos nacionais, já que as principais vozes por trás de ofensivas contra o gênero e a diversidade sexual estão em constante diálogo e articulação. Isso quando não se tratam dos mesmos atores – caso, por exemplo, de setores religiosos ultraconservadores católicos e/ou evangélicos, relevantes em vários países. As pesquisadoras Juliana Martínez, Gabriela Ardila Biela e Valentina Gómez recentemente publicaram uma investigação mostrando como os grupos “restritivos de gênero” baseados na fé estão utilizando a infância e o discurso da proteção infantil para gerar pânico moral e mobilizá-lo contra os direitos humanos, especialmente os relacionados à justiça de gênero. Elas alertam também que, ao mobilizarem principalmente o setor educacional e utilizando uma linguagem de direitos humanos, essas ofensivas se expandem para públicos não religiosos. A educação sexual integral (ESI), por exemplo, é apresentada como uma “ameaça para a integridade e bem estar das famílias, da infância e da adolescência”. 

No Peru, o movimento Con Mis Hijos no Te Metas surgiu depois da aprovação de um currículo de ESI com perspectiva de gênero e de direitos humanos. Ao longo dos anos, embora tenha perdido várias batalhas legais para impedir a implementação desse currículo, o movimento conseguiu preparar terreno para que o gênero fosse visto como ameaça. “[Esses grupos] ganharam um amplo terreno cultural que alcançou objetivos importantes: promoveu a ideia de uma ameaça do currículo à autoridade dos pais, posicionou o debate como uma questão entre pessoas preocupadas com as crianças e com um Estado excessivo, o que ajudou a ampliar a base de apoio para pessoas que não são necessariamente religiosas. (…) O triunfo mais importante foi a instalação no imaginário público da palavra ‘gênero’ como um termo perigoso que, em vez de buscar a equidade, traz consigo riscos para as crianças e para a sociedade em geral”, diz o artigo. Na visão das pesquisadoras, esse ganho no imaginário público foi fundamental para que o Peru não tenha, hoje, aprovado leis como as do casamento igualitário ou de adoção por casais homossexuais. 

Ataques à educação sexual

São vários os países na América Latina onde há ou houve ataques às políticas de educação sexual. Além dos já mencionados Peru e Argentina, o Ministério da Educação do Paraguai publicou, em 2017, a Resolução 29.664, que proíbe materiais que difundam a “ideologia de gênero” nas escolas e compromete-se a revisar os materiais existentes. 

Em 2024, uma nova resolução nesse país sobre o tema está chocando o mundo por sua abordagem a gênero, sexualidade e direitos humanos. Em setembro de 2024, o Ministério da Educação lançou um currículo de educação sexual a ser implementado nas escolas. Intitulado “12 Ciências da Educação em Sexualidade e Afetividade”, o documento, entre outras coisas: defende a abstinência sexual, não faz nenhuma menção à comunidade LGBTQIA+ e à identidade de gênero, defende ideias como as de que a masturbação leva à frustração e isolamento e que camisinhas não são confiáveis, além de perpetuar estereótipos de gênero, dizendo que o cérebro de meninas e meninos é diferente. Isso em um país que registra, há anos, algumas das maiores taxas de gravidez na adolescência da América do Sul. 

Mas, como alerta a advogada e feminista Mirta Moragas, este novo currículo é só a ponta do iceberg de um longo processo de ataques ao gênero no Paraguai. Em 2017, a paradigmática Resolução 29.664 foi aprovada num contexto pré-eleitoral. “É interessante que ela proíbe materiais, mas sem dizer quais são e sem revisá-los. Na época, fiz uma solicitação de acesso a informações públicas para ter essas respostas e a conclusão é que não modificaram de fato nenhum material”, comenta Mirta, enfatizando o caráter ideológico e eleitoreiro desse documento, que ainda segue em vigor no Paraguai apesar de inúmeras recomendações de órgãos internacionais pela sua revogação. “Tudo isso faz parte da manipulação das questões de gênero pela facção majoritária do grupo que está no poder há décadas no Paraguai”, acrescenta. 

A resolução de 2017 “apenas” proibia a temática na escola, sem propor nada novo. Como o Paraguai não tinha e continuou a não ter um currículo ou política de educação sexual, isso gerou um certo limbo legal que permitia que organizações comprometidas com os direitos humanos e com a igualdade de gênero atuassem nas escolas. É nesse contexto que se insere o material aprovado em 2024, também na forma de resolução do Ministério da Educação, para tapar essa lacuna. “O que eles estão fazendo é promover uma alternativa à educação sexual abrangente. A partir dessa resolução conseguem proibir qualquer intervenção de organizações da sociedade civil que trabalhem com foco nos direitos. É uma ferramenta que vai se aperfeiçoando na repressão”, avalia Mirta Moragas, advogada especializada em gênero e direitos humanos. 

Mirta enfatiza que a resolução não é de fato implementada, mas isso não significa que não tenha tido efeitos concretos. “O principal problema dessa resolução é que ela criou um efeito paralisante nos professores. Não importa que nenhum material foi modificado, o que o corpo docente entendeu é que não pode falar de gênero”, diz. “O que me preocupa, além do efeito de censura e perseguição gerado, é que na prática os jovens seguem sem nenhuma informação”. E, segundo a advogada, não há perspectiva de mudança a curto prazo. 

“Igualmente preocupante é que há uma cooptação total de todo o Estado por parte de uma facção do partido do governo, que é uma facção muito antigênero. E essas agendas estão sendo manipuladas para os interesses dos grupos políticos de plantão, ficando muito difícil ter uma conversa séria”, lamenta. 

Famílias, liberdade: ataques ao gênero por uma perspectiva neoliberal

Em outro país da região, no Chile, também há entraves para a implementação de uma política de educação sexual integral baseada em evidências e com perspectiva de direitos humanos. Lá, os medos acionados para vetar essa política em nível nacional estão relacionados a valores neoliberais entranhados na Constituição de 1980: a “liberdade” individual e das famílias decidirem sobre a educação de seus filhos. 

Como descreve a pesquisadora Maria Teresa Rojas em uma investigação recente sobre a emergência dos atores antigênero no debate público da educação chilena, a Carta Magna do país dá o respaldo legal ao conceito neoliberal de “liberdade”. “Em virtude da proteção Constitucional que sustenta a liberdade de ensino, os grupos antigênero empreendem ações de intervenção no sistema escolar, criam redes de associações e defendem a objeção de consciência como parte do direito das famílias a se oporem às políticas educativas”, diz. Teresa, que é doutora em Educação e acadêmica da Universidade Alberto Hurtado, chama a atenção que a Constituição chilena – elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet – protege o direito da família a decidir [sobre a educação], e não o direito da criança a uma boa educação.

No país andino, as escolas estão organizadas dentro de um princípio amplo de liberdade de educação. O sistema educacional compreende tanto escolas públicas como privadas, inclusive religiosas – setor que tem sido protagonista nas recentes investidas conservadoras na educação chilena. A privatização do ensino também é crucial para entender as ofensivas, pois muitas das escolas subvencionadas ou que recebem vouchers do Estado – e que acabaram se consolidando como atores relevantes no debate – são as que se opõem às agendas de gênero e educação sexual. 

A educação, no Chile, tornou-se um campo de batalha ideológica em relação às questões de gênero e sexualidade já nos anos 1990, mas, como no Brasil, essas batalhas se acirraram na última década. Desde 2021, o Chile chegou a votar duas propostas de textos para uma nova Constituição – sendo que a primeira estabelecia que a educação incorporasse permanentemente a perspectiva de gênero e que a população tivesse acesso à educação sexual -, mas ambas foram rejeitadas pela população em plebiscito.

Teresa avalia que no Chile o que se vê é uma mistura entre neoliberalismo econômico e conservadorismo moral de origem religiosa, muito bem sucedida em penetrar no imaginário a ponto de ser entendida como um traço cultural do país, ainda que a sociedade chilena esteja menos religiosa nos últimos anos. “Esse grupo religioso, organizado em rede e politicamente, tornou-se visível para a sociedade chilena em 2017, antes disso parecia algo anedótico e marginal”, avalia. Teresa se refere a um período em que circulou no país um ônibus laranja de uma organização ultraconservadora espanhola, que usava a hashtag #ConMisHijosNoTeMetas – movimento que hoje tem grande influência na política do país. À época, o Chile discutia a reforma em sua lei do aborto e uma nova lei sobre identidade de gênero. Desde então, esses atores ganharam mais espaço na política do país. Tanto é que, para Teresa, o Chile vive o ressurgimento de um discurso conservador sobre a educação, liderado por atores conservadores de extrema-direita e grupos evangélicos que criticam o avanço do debate sobre gênero, sexualidade e diversidade nas escolas.

Essas investidas contra o gênero e a educação sexual se operacionalizam basicamente pela defesa radical do direito das famílias decidirem o tipo de educação sexual que seus filhos vão receber, pela oposição entre Estado e família e por deixar em segundo plano discussões como a de violência de gênero. E são enquadradas em uma linguagem de direitos (“direito a decidir”, “liberdade”, etc), o que aumenta seu alcance. “Por exemplo, não é que não exista homofobia, mas não acho que a sociedade chilena seja contra os homossexuais na escola. O que é muito bem sucedido é mobilizar o discurso para que seja sobre como o Estado não tem direito de fazer com seus filhos algo que você não pode controlar”, avalia Teresa Rojas. “Isso tem muita adesão no Chile”.

Resistências múltiplas: estudantes, feministas, juventudes 

Nenhuma dessas ofensivas, no entanto, se dá sem resistências. No Chile, Argentina,  Paraguai ou qualquer outro país da região, os grupos que atuam por uma educação que aprofunda desigualdades também acumulam muitas derrotas. Não fossem grupos feministas, de estudantes, coletivos juvenis ou de profissionais da educação, o cenário seria muito pior. “A mobilização dos estudantes é de tirar o chapéu, inclusive na defesa das professoras perseguidas”, ressalta a diretora da CAFA, Camila Croso. 

Além disso, observatórios e grupos como a Articulação Contra o Conservadorismo na Educação, no Brasil, que conseguiu várias vitórias via Judiciário, seguem vigilantes. Assim como os movimentos feministas, que vão às ruas, denunciam violações e promovem políticas inclusivas em seus contextos. “No Chile, há vários coletivos de professoras feministas que se organizaram em redes e que têm um certo ativismo pedagógico, liderando a conversa sobre educação sexual abrangente. Também há diretoras e professoras feministas muito preocupadas com essas questões nas escolas buscando recursos, convidando para palestras, denunciando”, elenca Teresa Rojas. Além desses movimentos de base, ela destaca lideranças políticas locais progressistas como atores-chave na resistência. “É muito importante quando o município é progressista e há uma administração aberta, que se interessa por essas questões e constrói uma agenda crítica que denuncia os movimentos antigênero”, acrescenta. A pesquisadora também reforça o papel dos estudantes no contexto chileno, enfatizando que pautas de gênero e sexualidade são demandadas pelos próprios jovens. 

Essa é uma conclusão similar às que chegaram as pesquisadoras Juliana Martínez, Gabriela Ardila Biela e Valentina Gómez ao analisar pesquisas no contexto colombiano – e que conversam com dados obtidos no Brasil. Também os pais, mães e responsáveis pelos jovens em idade escolar têm atitudes positivas em relação à educação sexual – desde que não estejam imersos em um contexto de pânicos morais. Ou seja, sem “estímulos” negativos e desinformação. “Esses dados apontam para a importância de continuar mobilizando recursos e estratégias de comunicação não reativas e a longo prazo”, concluem. 

O caso paraguaio também mostra a importância da conjuntura e das alianças estratégicas. Como explicou a advogada feminista Mirta Moragas, o novo currículo em educação sexual aprovado no país é tão absurdo e evidentemente prejudicial que vem aglutinando diferentes setores para questioná-lo e ao governo. Inclusive porque os mesmos grupos que o aprovaram caminham para aprovar medidas que restringem o espaço cívico – por exemplo, criminalizando organizações da sociedade civil. “A vergonha internacional foi e está sendo muito importante. E agora há organizações de direitos humanos, feministas, mas também organizações ambientalistas, de direitos indígenas. Porque o Paraguai está discutindo uma lei anti-ONGs cuja argumentação é sustentada por um discurso antigênero. Agora outros campos começam a perceber que o discurso antigênero não é somente contra as feministas ou o movimento LGBT. Isso é positivo porque tem ajudado a unir um pouco mais a sociedade civil e a construir solidariedade entre os movimentos”, finaliza.


Nana Soares é jornalista pela ECA-USP e mestre em Gênero e Desenvolvimento pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento (IDS – University of Sussex), na Inglaterra

Ação Educativa na CONAE 2024: confira aqui o que rolou!

Durante a Conferência Nacional de Educação 2024, a Ação Educativa disseminou a campanha “#FiqueDeOlho: para combater a violência, Gênero nos Planos Já!” e materiais sobre a promoção de direitos humanos nas escolas

Ação Educativa na CONAE 2024: confira aqui o que rolou!

Uma educação de qualidade é aquela que consegue incluir, acolher e proteger todas as pessoas. Foi com essa bandeira que a Ação Educativa participou da Conferência Nacional de Educação 2024 (Conae), que ocorreu em Brasília, durante os dias 28 a 30 de janeiro. A Conae teve o objetivo de elaborar o novo Plano Nacional de Educação, principal instrumento da política educacional brasileira, que terá vigência de 2024 a 2034.

Visando garantir igualdade de gênero no novo PNE, a Ação Educativa levou à Conferência a campanha “#FiqueDeOlho: para combater a violência, Gênero nos Planos Já”, que reúne uma série de materiais que buscam ampliar o debate acerca do enfrentamento das desigualdades de gênero e raça, da proteção de estudantes e educadoras/es contra violências e abusos e da valorização da diversidade. A Campanha tem por objetivo garantir igualdade de gênero no novo PNE e para isso reúne uma série de materiais que reafirmam o dever dos governos em implementar políticas públicas e que desmistificam a desinformação sobre a abordagem de gênero, promovidas por movimentos ultraconservadores. A campanha foi idealizada pela Iniciativa De Olho nos Planos e pelo projeto Gênero e Educação.

“Leis que visavam proibir a abordagem de gênero foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020. Na época, o Supremo concluiu que é dever dos governos garantir a educação para a igualdade de gênero nas escolas, mas o efeito de perseguição e autocensura continua sendo sentido. Censurar o debate é acirrar ainda mais a violência, o preconceito, a segregação, o racismo, o sexismo e a LGBTQIAP+fobia.

Acesse a cartilha da campanha

O que rolou na CONAE 2024?

Concluída na última quarta-feira (30), a CONAE aprovou seu texto final, que será a referência para o projeto de lei do Plano Nacional de Educação de 2024 a 2034. O documento propõe a revogação do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o fim do modelo de escolas cívico-militares e a adoção de metas para a igualdade de gênero e raça no PNE.

Em estande compartilhado com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o CEERT, a Ação Educativa disseminou materiais, dialogou com estudantes, professores e entidades da sociedade civil, convidando o público também para responder uma enquete sobre o fenômeno da censura e perseguição contra docentes e estudantes que desenvolvem projetos para combater o racismo, o sexismo e a LGBT+fobia nas escolas. 

Segundo Claudia Bandeira, assessora da área de educação da Ação Educativa e da iniciativa De Olho nos Planos, combater o racismo, sexismo e a LGBTfobia está integralmente ligado ao fortalecimento da democracia no país e nas escolas. “A qualidade na educação está diretamente relacionada com a participação de populações historicamente excluídas dos processos de construção das políticas públicas educacionais garantindo que o direito a uma escola pública de qualidade e o acesso às universidades públicas sejam para toda a população brasileira, sem exclusão e discriminação” afirma.

Ver mais: Os desafios para efetivar gestão democrática em conferências de educação no Brasil– via De Olho nos Planos

Durante a CONAE, a Ação Educativa, além de contribuir para garantir no Documento Referência da Conferência agendas como igualdade de gênero e raça, revogação do NEM, a autoavaliação participativa da escola articulada ao SINAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e a garantia da EJA em prisões; aprovou junto com a Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação 4 moções: 1) a importância de combater a educação domiciliar; 2) a desmilitarização da educação; 3) por uma política de promoção da igualdade de gênero, raça e diversidade sexual na educação e; 4) a garantia da participação da sociedade civil e movimentos sociais como segmento na próxima CONAE desde a etapa municipal. 

Em paralelo a CONAE, a equipe de comunicação da campanha “#FiqueDeOlho: Gênero nos Planos Já” registrou e entrevistou pessoas durante a 1ª Marsha Trans Brasil, que acontecia em frente ao planalto do Congresso Nacional no dia 29 de janeiro, data que comemora o Dia Nacional da Visibilidade Trans.

O evento da Marsha celebrou o marco dos 20 anos da visibilidade Trans no país e veio para reafirmar a luta histórica da população trans e travesti por garantia de direitos e de políticas públicas que acolham e protejam toda a comunidade.

Materiais de referência buscam ampliar o debate

Na página da campanha, estão disponíveis cartilhas e publicações, como  o guia “Por que discutir gênero nas escolas” e duas edições da coleção Indicadores de Qualidade na Educação, voltadas para discutir o ensino médio e as relações raciais na escola. 

O Guia sobre gênero é resultado do processo formativo de jovens realizado pela Ação Educativa e é voltado para o ensino médio. Ao trabalhar a partir de experiências e situações sexistas e racistas no cotidiano escolar, o guia aponta caminhos para combater violências e ampliar o acolhimento e a autoestima de estudantes. O material reafirma o dever da escola no combate às desigualdades e o seu papel em fortalecer o desenvolvimento crítico de estudantes.

Realizada com apoio da Unicef, a coleção Indicadores de Qualidade na Educação é composta por materiais que apresentam uma metodologia de autoavaliação participativa a partir de um conjunto de indicadores educacionais qualitativos. Cada edição possui uma metodologia voltada para o contexto de cada etapa de ensino, demonstrando como o envolvimento de toda uma comunidade escolar pode contribuir em processos que visam a melhoria da qualidade da educação.Na página da campanha, que já conta com mais de 1,7 mil acessos, é possível acessar outros materiais, que abordam uma perspectiva de defesa da democracia, dos direitos humanos e do fortalecimento da escola como espaço de acolhimento e cidadania. Para saber mais, acesse a página


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Articulação contra o Ultraconservadorismo se manifesta em apoio aos professores de Goiás e contra a censura

Carta aberta, assinada pelas entidades da Articulação e outras, denuncia que o estado tem sido vitrine da violência e da perseguição contra docentes. Utilizando a imagem de professores, deputados têm utilizado as redes sociais como um espaço lucrar politicamente

Fotos: Midia NINJA

A Articulação Contra o Ultraconservadorismo na Educação, por meio de uma carta aberta, manifestou preocupação com ofenômeno da perseguição contra docentes no estado de Goiás. A carta, que recebeu assinaturas de outras entidades de direitos humanos para além da Articulação, se solidariza com a categoria e ressalta que o contexto vem ampliando o adoecimento mental, a autocensura nas escolas e o abandono da profissão.

Segundo a carta, o estado passa por “uma manipulação da atenção capturada nas redes sociais para a perseguição de professores/as […]” e que a situação, dentro dessas mídias, tem refletido potencialmente na promoção da violência no país e nas vidas de docentes. “Além da violência a que professoras e professores vêm sendo submetidos, esse contexto tem um efeito nocivo generalizado para a educação. O medo leva à autocensura, quando os profissionais evitam abordar certos temas e conteúdos, prejudicando o aprendizado de crianças, adolescentes, jovens e adultos”, enfatiza Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa

A censura e a perseguição são inconstitucionais

A ofensiva de ataques a docentes desrespeita decisões do Supremo Tribunal Federal de 2020, com relação às iniciativas e projetos de leis inspirados nas ideias do ‘escola sem partido’. Em uma série de julgamentos, a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade de projetos de leis que buscavam proibir a abordagem de direitos humanos nas escolas e permitir a censura e perseguição docente. “Ficou garantido que educadoras e educadores têm liberdade de expressão no exercício do seu ofício, porque esta liberdade é condição para que o direito à educação se faça presente. As liberdades de aprender e de ensinar são condições uma da outra”, relata a Articulação no documento. 

Em maio, uma professora foi demitida após o deputado Gustavo Gayer a acusar, em suas redes sociais, de doutrinadora devido a uma camiseta da docente com a frase ‘Seja marginal, seja herói’, do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) – artista que é citado, também, em questões de vestibulares. Para Renata Aquino, professora de história, pesquisadora da censura na educação e integrante do coletivo Professores Contra o Escola Sem Partido, o fenômeno vem sendo naturalizando no dia-a-dia: “Os casos de perseguição explícitos cometidos por políticos demonstram como foi se tornando normal atacar os profissionais da educação e a escola. Como se tornou algo normal, poucas vezes vira alvo de notícia. E como nem vira notícia, vai virando ainda mais parte do cotidiano”.

Carta aberta em defesa dos educadores e educadoras de Goiás

A carta recebeu 17 assinaturas de entidades e segue disponível na íntegra no site Gênero e Educação, da Ação Educativa (www.generoeeducacao.org.br). Para acessá-la, clique aqui.

Como o ultraconservadorismo afeta a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira?

Mesmo 20 anos depois de sua promulgação, Lei 10.639/03 tem problemas de implementação, que se intensificaram pelo avanço de políticas ultraconservadoras como a militarização e racismo religioso

Quando a lei 10.639/03 entrou em vigor, logo no início de 2003, fruto de décadas de atuação dos movimentos negros, a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira tornou-se obrigatória no currículo escolar. Na época da promulgação, a expectativa era que a nova lei começasse a desmontar um currículo historicamente racista, guiado por um viés branco e eurocêntrico. Vinte anos depois, quando toda uma geração já poderia ter sido impactada pela lei, ela permanece tendo alcance e sucesso limitado. Entre outros motivos, pelo avanço do ultraconservadorismo no Brasil, cuja ideologia – traduzida em leis e políticas – vai na direção contrária do que prevê a 10.639/03. 

A lei 

A 10.639/03 foi promulgada no dia 9 de janeiro de 2003 e alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regulamenta a organização e o funcionamento da educação no Brasil. A lei incluiu o artigo 26-A, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura africana e afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Para Ednéia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva da Ação Educativa, a mudança na LDB trazida pela lei 10.639/03 foi “sobretudo um movimento de afirmarmos, enquanto nação, a existência do racismo – e de reconhecer que ele é um problema do presente e não só do passado, e que portanto precisamos enfrentá-lo para que as desigualdades que dele decorrem não se perpetuem ainda mais”. 

O objetivo geral da 10.639/03 é resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. Não através da criação de uma disciplina específica, mas sim demandando que o conteúdo esteja presente em todas as disciplinas do currículo escolar. Cinco anos depois, em 2008, a lei 11.645 também incluiu no currículo escolar o ensino da história e cultura dos povos indígenas.

O caminho até a promulgação da Lei 10.639/03 foi longo, sendo precedida por vários outros marcos importantes. O vídeo abaixo, iniciativa do Projeto Seta – Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista, ilustra este processo em menos de 2 minutos:

20 anos de desafios

Mesmo vinte anos depois de sua promulgação, apenas 29% das secretarias municipais de ensino intencionalmente desenvolvem ações para aplicar a 10.639, segundo a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana. O levantamento mostra ainda que as ações e iniciativas estão concentradas em datas comemorativas, e não de forma perene ao longo do ano letivo. Ou nem isso, já que 18% dos municípios declararam não realizar nenhum tipo de ação para assegurar a aplicação da lei.

“Isso é muito sério porque a 10.639 é LDB, então isso significa que há uma porcentagem muito pequena de municípios cumprindo a legislação educacional”

Ednéia Gonçalves


Os desafios para a implementação são muitos, e incluem a formação de educadoras e educadores, desconhecimento de como aplicar a lei, a [falta de] destinação orçamentária, de apoio de gestores ou de comprometimento político – desafios que são comuns a outras políticas públicas no Brasil. Mas além dos desafios padrão, há ainda desinteresse ou mesmo resistência na aplicação desta lei em específico já que ela evidencia as estruturas racistas e desiguais da sociedade e da formação escolar. Um dos dados mais interessantes da pesquisa realizada pelo Geledés e pelo Instituto Alana é que não apenas a implementação da lei é baixa, mas os temas mais difíceis ficam de fora. Enquanto a diversidade cultural foi o tema citado por 60% dos gestores como o mais importante de ser trabalhado nas escolas, temas relacionados a construções de privilégios históricos e letramento sobre questões raciais foram citados por somente 3%. “Ou seja, ainda se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios”, conclui a pesquisa. 

Em meio a tantos desafios de implementação, o cenário político do país mudou consideravelmente, e intensificaram-se processos como os ataques à laicidade, a militarização das escolas, e a censura, perseguição ou mesmo criminalização de debates sobre gênero, raça e sexualidade no ambiente escolar. Todos estes são avanços ultraconservadores na Educação e impactam diretamente a lei 10.639/03. 

O ultraconservadorismo e seus impactos na educação

Como o nome indica, conservadorismo [e ultraconservadorismo] são visões de mundo que pretendem manter certas estruturas [ou retroceder a estruturas passadas. Na educação brasileira, o projeto ultraconservador reúne diversas agendas – como educação domiciliar, Escola sem Partido, criminalização de debates sobre gênero e sexualidade, militarização das escolas e combate à “ideologia de gênero”. Todas essas pautas ganharam força no Brasil na última década, ameaçando a laicidade da educação, a democratização e participação social, a construção de visões críticas e questionadoras e a liberdade de aprender e ensinar. Estes movimentos não são novos, e um marco importante da história recente foi a construção do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2013, quando o termo “gênero” esteve sob ataque e acabou suprimido do texto final.

É verdade que as dificuldades de implementação da lei 10.639/03 vêm de antes das recentes políticas ultraconservadoras. Isto é, que não é apenas no ultraconservadorismo que há resistências ou desafios para fazer valer essa legislação. No entanto, se não é apenas no ultraconservadorismo que a lei tem dificuldade para avançar, impor obstáculos a ela é parte fundamental deste projeto, que também é um projeto racial. “[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nas últimas décadas”, define Flavia Rios, diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Flavia explica que, enquanto as lutas dos movimentos negros partem do pressuposto que há desigualdades e racismo no Brasil e de que é preciso enfrentá-las para conquistar a igualdade efetiva, o discurso ultraconservador “acredita em um mito de democracia racial, defendendo a ideia de um povo único e homogêneo. Nega a escravidão, o preconceito racial, as desigualdades; deslegitima movimentos sociais e, por consequência, suas conquistas”. Ou seja, implementar a lei 10.639/03 é ir no sentido contrário do que prega esta ideologia. 

“[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nos últimas décadas”

Flávia Rios


Ednéia Gonçalves, educadora e socióloga, destaca que, ao negar as opressões, o campo ultraconservador “nega a existência de uma narrativa da resistência” – e por isso a efetivação da lei 10.639/03 é tão fundamental. “Defendemos a necessidade de reparação, o que passa pelo reconhecimento dos nossos saberes, conhecimentos e de nossas narrativas contra as opressões. Esse movimento age contra o movimento de repensar a história do país”, diz.

É também esta a avaliação de Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB), que defende que a 10.639/03 em si é uma lei contra o conservadorismo – entendido como uma política de conservar uma cultura patriarcal, racista e classista.

“O desafio no Brasil, e isso não só em relação a esta lei, é fazer o marco legal se transformar em realidade, porque assim que ele é estabelecido os ultraconservadores desenvolvem ações e ocupam espaços para impedir os avanços necessários – seja em ações diretas de perseguição ou em ofensivas como as curriculares”

Catarina de Almeida Santos


Um exemplo de ofensiva curricular foram as intervenções nos livros didáticos que chegam aos cerca de 50 milhões de estudantes da rede básica brasileira. Em 2021, o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi alterado, com supressão dos temas de gênero, raça e sexualidade e da nomeação das violências baseadas nessas características. Pelo edital, a violação de direitos humanos também deixou de ser um critério eliminatório. Foi só em maio de 2023 que essa decisão foi revertida por meio de uma ação da sociedade civil. Mas ainda há outros fenômenos em curso que dificultam o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas, como os ataques à laicidade e a crescente militarização da educação. 

Ataques à laicidade e racismo religioso

A Constituição de 1988 determina que vivemos em um Estado laico – isto é, sem religião oficial e com a obrigação de acolher e proteger todas as crenças, inclusive a não religião. Mas este sempre foi um desafio. Por exemplo, apenas cinco anos depois da promulgação da lei 10.639/03, em 2008, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano que previa, entre outros pontos, o ensino religioso confessional “católico e de outras religiões” em escolas públicas. A assinatura deste acordo, que foi muito combatida pela sociedade civil e por movimentos comprometidos com a educação pública e laica, foi apenas uma das iniciativas dos anos seguintes que atentaram contra a laicidade da educação. 

No Brasil, o enfraquecimento da laicidade no ensino está diretamente relacionado à intolerância e discriminações contra as religiões de matrizes africanas, o que acarreta racismo religioso. E sendo a valorização da cultura africana e afro-brasileira (o que inclui a religião) um dos pontos da lei 10.639/03, aumenta a resistência em aplicá-la nas salas de aula. “Falar da África, um continente diverso, é também falar de religião – mas não só. E a lei obriga a considerar que existe uma cosmovisão que é parte desse continente”, resume Ednéia Gonçalves. “Mas a realidade é que nos deparamos com a negação da liberdade religiosa e da laicidade, e com a tentativa de imposição de só uma visão de mundo, que é cristã e que é preponderante no Brasil”, acrescenta a educadora e socióloga. A socióloga e professora da UFF Flavia Rios destaca a estratégia explícita do campo ultraconservador de penetrar no mundo educacional, enfatizando que, no Brasil, o discurso homogeneizador e ultranacionalista é focado apenas nas religiões cristãs, “o que afeta a [lei] 10.639 na medida que é uma legislação que versa sobre diversidade cultural, étnica e religiosa”. 

Edneia Gonçalves também destaca o avanço destes projetos de poder nas escolas, identificadas como espaço privilegiado também pelo campo ultraconservador. “Eles viram no ambiente escolar a possibilidade de reafirmar uma hierarquia com relação ao sagrado, o que é extremamente violento, uma das piores e mais violentas manifestações do racismo”, diz.

Um caso recente ocorrido na cidade de São Paulo evidencia a escalada dessa violência: um estudante negro foi cercado e espancado por outros sete estudantes, que proferiram ofensas racistas e homofóbicas a ele. A provocação iniciou-se justamente após a mãe do estudante ser citada em sala de aula como referência na defesa dos direitos das religiões de matriz africana. Os ataques verbais ao aluno e sua mãe duraram alguns dias e culminaram em violência física. 

Apesar de casos como esse, é possível trabalhar o assunto nas escolas. A pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, realizada em 2022 pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e coordenada pela Ação Educativa e pelo CENPEC, mostrou que, na verdade, a população brasileira apoia a discussão sobre gênero, raça e sexualidade na escola, bem como tem opiniões progressistas em relação à militarização das escolas e à educação religiosa. Não apenas a abordagem das questões raciais nas escolas tem grande apoio entre a população (mais de 90%), como a grande maioria defende que a escola deve ser um ambiente de tolerância religiosa, inclusive para adeptos de religiões de matriz africana (candomblé, umbanda etc.) e para aqueles que não professam religiões. 

Militarização 

A pesquisa também aponta que, para grande parte dos entrevistados, professores são mais confiáveis do que militares no ambiente escolar. Uma constatação importante em um Brasil com a educação cada vez mais militarizada – agenda que acelerou após a criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), de 2019 e que segue em vigor.  

Para Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e referência na temática de militarização no Brasil, a relação é direta: militarização e implementação da lei 10.639/03 são incompatíveis. Isso porque todo o esforço por trás da lei 10.639/03 é fazer com que a escola seja de todos e todas, que todas as narrativas, histórias e saberes tenham voz, ao passo que as escolas militarizadas operam por uma lógica de padronização. “O sujeito da lei 10.639/03 não cabe nessa escola: o cabelo não cabe, a cor não cabe, a condição social não cabe, nada cabe”, resume Catarina, que defende que a padronização – de cabelos, aparência, de ideias – têm como efeito a negação dos sujeitos que ali estão. 

Alguns exemplos dessa negação das identidades mostram mesmo que os alvos são os grupos já historicamente silenciados ou invisibilizados, como a população negra, as mulheres e pessoas LGBTQIA+. Em março de 2022, uma estudante baiana negra foi impedida de entrar em sua escola [militarizada] por conta do cabelo crespo, recebendo a ordem de alisá-lo. No mesmo mês, em Santa Catarina, alunas receberam advertência por levar uma bandeira LGBT para a escola. Ou seja, enquanto a lei 10.639/03 exige a valorização da contribuição e da cultura afro-brasileira e africana, as escolas militarizadas trabalham com um padrão baseado em ideais brancos e heteronormativos. 

Fortalecer a resistência

A realidade mostra os muitos desafios para que o ensino da história africana e afro-brasileira se concretize em todas as escolas do país, ainda que mais de duas décadas após a aprovação da lei correspondente. Mas também não faltam exemplos de resistência e de pessoas trabalhando para que isso aconteça. Para Ednéia Gonçalves, socióloga e educadora, valorizar e fortalecer estes casos é o caminho para começar a mudar o cenário de baixa implementação da 10.639/03. “O estrago nos últimos anos só não foi maior porque dentro das escolas estudantes, professoras e professores e profissionais da gestão escolar resistiram. Isso também é parte do aprendizado da luta antirracista”, diz. 

Na mesma linha, a professora da UnB Catarina de Almeida Santos enfatiza que “não há nenhuma outra forma de fazer com que [a lei] se concretize a não ser continuar lutando, debatendo com a comunidade, com a juventude, ocupar o debate nas ações cotidianas”. Leis como a 10.639/03 e a 11.645/08 fortalecidas e consolidadas na sociedade, talvez sejam algumas das melhores ferramentas para evitar que uma nova onda conservadora possa ganhar tanto espaço na educação e no país, ameaçando legislações duramente conquistadas ao longo de décadas. 

Acesse e baixe gratuitamente o material “Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola” para auxiliar na avaliação da implementação da lei 10.639/03 em sua escola.

Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade

Aproximar famílias do cotidiano escolar é um dos caminhos para ampliar a gestão democrática e o trabalho coletivo para a garantia dos direitos de estudantes

Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade

Abordar questões de identidade, gênero e sexualidade é um dever das escolas e um direito dos estudantes, porque seu desenvolvimento integral e a convivência democrática e respeitosa em sociedade dependem disso. No entanto, um dos principais desafios é aproximar as famílias do fazer pedagógico para que elas participem e conheçam do que se trata esse trabalho.

“Não é pedir permissão, mas convidar as famílias a estarem mais presentes, porque elas são fundamentais para o cotidiano escolar e para concretizar uma gestão democrática. Além disso, elas têm um papel complementar ao da escola no desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens. É preciso que elas trabalhem juntas”, afirma Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa.

Nessa jornada, os conflitos vão aparecer e eles, em si mesmos, não são um problema, desde que não escalem para ameaças e agressividade. “O conflito faz parte da nossa convivência e da democracia e pode ser muito pedagógico”, explica Bárbara.

Educação em sexualidade 

Ao aproximar as famílias do trabalho que a escola desenvolve em torno destas questões, é possível desfazer mal entendidos e a desinformação. Assim, elas têm a oportunidade de compreender por que se trata de um direito humano que contribui para o desenvolvimento integral de todos.

“A educação em sexualidade ajuda a combater violências e a prevenir a gravidez não planejada e as ISTs. Mais do que isso, traz informações seguras sobre a puberdade e as adolescências, em meio a determinados contextos culturais e sociais. Também é sobre entender e respeitar os direitos e as identidades dos outros, a nossa diversidade humana”, diz a psicóloga Cristiane Narciso, que coordena os programas de Juventude, Sexualidade e Gênero da Fundação Gol de Letra.

Esse trabalho também é fundamental para promover um ambiente escolar seguro, acolhedor e inclusivo para toda a população LGBTQIAP+, que não a exclua das salas de aula e não viole seu direito à Educação. “A educação antirracista e a equidade social também sempre precisam fazer parte destas pautas de forma interseccional”, destaca Cristiane.

Confira algumas orientações das especialistas para abordar os temas de identidades, gênero e sexualidade, que podem ser adaptadas de acordo com a demanda de cada comunidade escolar e território:

Estreite as relações

Nos últimos anos, abordar identidade, gênero e sexualidade nas escolas se tornou alvo de controvérsias e motivo de perseguição a educadoras e escolas. O Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas apresenta orientações jurídicas e estratégias político-pedagógicas em defesa da liberdade de aprender e de ensinar, baseadas em leis nacionais e internacionais que garantem esse direito às escolas e aos estudantes. 

Superar esse ponto sensível é o primeiro desafio. “O movimento ultraconservador corroeu os vínculos e criou desconfiança entre famílias e educadores. Por isso, precisamos construir laços permanentes e contínuos com as famílias, não só quando aparecem situações potencialmente mais conflitivas”, afirma Bárbara. 

A questão religiosa também pode exercer resistência aos temas, o que demanda acolhimento e escuta dos educadores para que as famílias não se afastem. “É uma paciência pedagógica para tentar aproximar as pessoas sem abrir mão do que diz respeito aos direitos humanos básicos”, sintetiza Bárbara.

Mobilize o território

Além da escola e da família, a educação também é responsabilidade de toda a sociedade. Dessa forma, pode ser interessante mapear centros culturais, unidades de Saúde e outros setores que possam fortalecer o trabalho da escola e ampliar o diálogo com as famílias. “Também vale contar com as famílias que são mais abertas e engajadas e podem ajudar a aproximar outras”, indica Bárbara. 

Planeje um formato atrativo

A forma de apresentar os temas de identidade, gênero e sexualidade para as famílias importa tanto quanto mobilizar metodologias mais ativas com os estudantes. Dessa forma, as especialistas recomendam fugir do formato tradicional de reunião.

“Propor um dia da família, com oficinas e rodas de conversa, em agrupamentos variados, em um ambiente diferente, que favoreça a conversa entre todos, até atividades lúdicas e corporais, aproxima mais e mostra como funcionam as atividades na prática com os estudantes, tirando medos e preconceitos em torno disso”, recomenda Cristiane.

Explique por que também é papel da escola abordar estes temas

Famílias e escolas têm responsabilidades complementares. É papel das escolas garantir o acesso a informações seguras e atuais a tudo que diz respeito ao desenvolvimento dos estudantes e dos temas em pauta na sociedade. 

“A família não pode impor o que o estudante deve ou não ter acesso, porque ele não é propriedade da família e tem direito a acessar todo o conhecimento humano e informações presentes no mundo”, diz Bárbara. 

Nesse sentido, a popularização do acesso à internet cada vez mais cedo já é uma fonte de informações – e desinformações – para as curiosidades das crianças e adolescentes. Escola e família podem, portanto, ser aliadas. “A escola pode ajudar os estudantes a terem uma postura crítica diante de conteúdos que não têm base científica e são violentos”, pontua Bárbara.

A pesquisa Educação, Valores e Direitos, realizada pela Ação Educativa, também mostrou que as famílias se sentem pouco à vontade para abordar esse tema com as crianças e adolescentes. “As famílias reconhecem que têm alguns pontos que não vão conseguir dar conta”, relata Bárbara.

Se for o caso, pode ser interessante apresentar registros em vídeo e foto do que foi trabalhado com os estudantes e até relatos das crianças e adolescentes sobre o que acharam das atividades e o que aprenderam. Se as atividades ainda não tiveram início, é o caso de compartilhar o planejamento da escola e abri-lo para intervenções das famílias, como pede a gestão democrática.

Cuide da linguagem

O debate precisa ser acessível, porque o tema é cheio de termos que não fazem parte do cotidiano de muitas famílias. “Muitas famílias não se sentem à vontade para conversar e se posicionar por falta de conhecimentos sobre o tema e por eles próprios terem um afastamento com a escola e os conhecimentos pela vivência difícil que muitos deles tiveram quando crianças”, lembra Bárbara.

Dessa forma, fugir de discursos técnicos e explicar em linguagem simples o que significa cada um dos termos que surgirem na conversa é o melhor caminho. “É lembrar que estamos falando de pessoas, de vidas”, diz a coordenadora do projeto Gênero e Educação.

A pesquisa Educação, Valores e Direitos também mostrou que trazer notícias sobre o tema, falar sobre a importância de prevenir a gravidez na adolescência e ISTs, bem como histórias de escolas que conseguiram identificar situações de abuso, costuma mobilizar as famílias de forma favorável para começar o trabalho e, depois, evoluir para os demais temas.

“Quando perguntamos se as famílias concordam que a escola deve promover o respeito, a concordância é muito alta, e pode ser um caminho para começar essa aproximação”, aponta Bárbara.

Veja em Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade – Centro de Referências em Educação Integral

Semana de Ação Mundial 2023 abre inscrições para a maior atividade pela educação do planeta

Nova edição da SAM terá como temas a renovação do PNE (Plano Nacional de Educação) e a descolonização do financiamento da educação

A 20ª Semana de Ação Mundial, maior ação coletiva em prol da educação do planeta, vai acontecer entre os dias 19 e 26 de junho e está com as inscrições abertas até 15 de maio!

De 2003 a 2022, a Semana já mobilizou mais de 90 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo cerca de 2 milhões de pessoas apenas no Brasil.

Como acontece a cada edição, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como realizadora da SAM, fará o envio gratuito de materiais e certificados para as/os participantes.

INSCREVA SUA ATIVIDADE JÁ: A DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAIS IMPRESSOS É LIMITADA ÀS 1.000 PRIMEIRAS INSCRIÇÕES!

As inscrições para realizar uma atividade da SAM 2023 e para receber os materiais impressos gratuitamente pelos correios podem ser feitas neste link. Haverá certificado de participação mediante envio de relatório das atividades realizadas. Veja mais informações abaixo.

Novo PNE e descolonização do financiamento da educação!

Com o tema Descolonização do financiamento da educação e o último ano do Plano Nacional de Educação (2014-2024), a SAM 2023 vai promover a participação democrática e a mobilização popular em torno da renovação do PNE, mostrando a importância da atualização da Lei do PNE sem retrocessos, com ousadia para a garantia de uma educação pública de qualidade a todas as pessoas. 

Descolonizar o financiamento significa que os Estados devem financiar a educação, e devem fazê-lo usando o máximo de recursos disponíveis, sejam eles recursos internos contínuos (PIB, impostos, empréstimos) como externos (cooperação internacional), bem como aquelas que possivelmente poderiam ser mobilizados (através de uma reforma tributária progressiva e outras reformas). Saiba mais na página “O que defendemos?”.

Com uma série de materiais disponíveis no site, como o Manual da SAM 2023 (a ser disponível em breve), a SAM propõe temas a serem trabalhados em atividades autogestionadas realizadas por professores, famílias e responsáveis, e estudantes, toda a comunidade educacional, gestores, conselheiros, tomadores de decisão e todas as pessoas preocupadas com a garantia do direito à educação. 

Plano Nacional de Educação

Os dias de evento também incluem a data de aniversário do Plano Nacional de Educação (PNE), dia 25 de junho de 2014, quando foi sancionado (Lei 13.005/2014). Assim, a SAM brasileira continua dedicada ao monitoramento da implementação do PNE, que é o nosso principal caminho para que toda a população brasileira possa ter acesso a uma educação pública de qualidade, da creche à universidade.

Este é o último ano do PNE. É também neste ano que o governo federal terá de enviar ao Congresso Nacional um novo Projeto de Lei com o PNE para o próximo decênio — o atual finda sua vigência em junho de 2024. 

Junto com os materiais disponibilizados no site da SAM, haverá a divulgação de uma série de cartelas do Balanço do PNE, que atualiza diversos dados educacionais e aponta patamares de cumprimento e, infeliz e especialmente, de descumprimento de cada uma das 20 metas do PNE. É também um valioso material para as atividades realizadas. Estamos na reta final do período para o cumprimento das metas (2014-2024) e ainda nenhuma delas foi integralmente cumprida.

Inscreva-se na SAM 2023

Para participar, acesse o portal da SAM 2023 e baixe os materiais digitais de divulgação virtual para já começar a mobilização para suas atividades. Basta acessar a aba “Materiais”. Em breve, disponibilizaremos também o Manual da SAM 2023 e mais subsídios.

Assim que realizar as atividades, o participante deve postar as fotos, vídeos e relatos! Assim como divulgar nas redes sociais usando as hashtags #SAM2023, #DescolonizaFinanciamento, #PNEpraValer e #SemRetrocessoComOusadia.

Certificado

Para receber um certificado de participação, a/o participante deve preencher o formulário no site semanadeacaomundial.org, indicando as atividades que pretende realizar com os materiais de apoio.

Logo após a Semana de Ação Mundial, a/o participante deve escrever um breve relatório das atividades realizadas, informando também o número de pessoas mobilizadas – anexando fotos e vídeos, autorizando ou negando sua divulgação. Para mais informações, escreva para sam@campanhaeducacao.org.br.


Realização
Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Comitê Técnico da SAM 2023
Claudia Bandeira – Ação Educativa
Ana Paula Brandão – ActionAid
Liz Ramos – Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Nesly Lizarazo – CLADE – Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação
Guelda Andrade – CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
Liliane Garcez – Coletivxs
Luana Rodrigues  – Escola de Gente – Comunicação em Inclusão
Nelson Cardoso Amaral / Rubens Barbosa de Camargo – Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
Thais Martins – Mais Diferenças
Ingrid Ribeiro – REPU – Rede Escola Pública e Universidade
Gilvânia Nascimento – UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação
Jhonny Echalar – Comitê GO da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Jhonatan Almada – Comitê MA da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Maria Lima – Comitê MS da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Felipe Baunilha – Comitê PB da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Sandra Teresinha  – Comitê PR da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Rita Samuel – Comitê RN da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Walterlina Brasil – Comitê RO da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Angelita Lucas – Comitê RS da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Darli de Amorim Zunino – Comitê SC da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Raquel Maria Rodrigues – Comitê SP da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Apoio
Campanha Global pela Educação
CLADE – Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação
Trindade Tecnologia

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Ação Educativa
ActionAid
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Rede Escola Pública e Universidade (Repu)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)


ASSESSORIA DE IMPRENSA
Renan Simão – assessor de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
comunicacao@campanhaeducacao.org.br
(11) 95857-0824 

200 entidades pedem desmilitarização da educação e da vida a Lula

Em carta, entidades pressionam o governo pelo fim do Programa Nacional das Escolas Cívico- Militares e alertam que a militarização viola garantias constitucionais e os direitos de crianças, adolescentes, jovens e dos profissionais da educação.

200 entidades pedem desmilitarização da educação e da vida a Lula

Duzentas entidades pedem a revogação do decreto que institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). Em carta, as entidades apresentam as razões pelas quais o governo federal deve abolir imediatamente o PECIM e indica uma série de propostas para dar fim ao processo de militarização não só do ensino, mas também da vida da população brasileira.

“A desmilitarização da educação e das escolas é condição para garantia do direito à educação e a formação para combater e desnaturalizar todas as formas de violência, sobretudo as violências raciais e de gênero, que tem encarcerado a juventude preta e periférica e ceifado as vidas  de tantas mulheres”, afirma Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE-UnB) e integrante da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME).

Militarização da escola e violação de direitos

A reivindicação da sociedade civil não é de agora. Desde que foi assinado em 2019, o decreto é alvo de alerta das entidades ao governo federal, pois fere princípios e direitos estabelecidos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto da Juventude e em outras normativas.

As entidades informam ainda que os programas de militarização não estão amparados pelo Plano Nacional de Educação e que escolas militarizadas violam liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos professores. Alvos de diversas denúncias de assédio moral e sexual e de abusos, tais escolas não são mais seguras e ampliam violações de direitos e violências.

A carta pode ser lida na íntegra aqui: bit.ly/cartadesmilitarizacao

Por isso, as entidades apresentam uma série de propostas que o governo federal deve adotar, tais como, o fim dos programas de militarização de escolas públicas, a suspensão dos processos de militarização escolar em curso e a desmilitarização das escolas militarizadas; bem como a criação de políticas públicas nas áreas da convivência e gestão democráticas na escola, a retomada dos planos e programas para a educação em direitos humanos e medidas de justiça de transição para superação do legado autoritário do Brasil.

“A militarização também vai na contramão da valorização das(os) profissionais da educação escolar, ao incluir nas equipes de gestão militares em desvio de função, sem qualificação para o trabalho pedagógico e em desacordo com a definição legal sobre as profissões da educação escolar”, afirma Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo  na Educação e da Rede Escola Pública e Universidade (REPU)

O documento está sendo encaminhado ao Ministério da Educação. “É fundamental que o governo federal, cuja eleição representou uma vitória da democracia, tenha ações firmes para a desmilitarização da educação. Tínhamos expectativa que o fim do PECIM ocorresse na primeira semana de governo Lula. Não entendemos essa demora. É urgente revogar o Programa e cultivar a cultura democrática em nossas escolas e na sociedade como um todo”, enfatiza Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil.