Ativismo e meio ambiente: a juventude na COP26

Que temas têm mobilizado jovens que lutam pelo meio ambiente no mundo? Em entrevista, Samela Sateré-Mawé e Alicia Lobato destacam a incidência da juventude na COP

Imagem de destaque da matéria "Ativismo e meio ambiente: a juventude na COP 26", do portal Gênero e Educação. Na imagem está Samela Sateré-Mawé, Alicia Lobato e Txai Suruí (fotos: Reprodução/Divulgação)

Queremos a decolonização do sistema, por isso teve muita participação da sociedade civil, da juventude, da população preta e periférica, dos povos indígenas porque nós queremos discutir ações eficazes para a preservação do meio ambiente, para o bem do planeta, porque nós somos os mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas”. 

Esta é Samela Sateré-Mawé. O povo Sataré-Mawé é da Terra Indígena Andirá-Marau, no Baixo Rio Amazonas. Ela tem 25 anos, estuda Biologia na Universidade do Estado do Amazonas, escreve para o blog Jovens Cidadãos da Amazônia e integra a Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas (MAKIRA E’TA) e a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB). Ela atua e mora na Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism), localizada na periferia da cidade de Manaus (AM). Ela é uma das jovens mulheres indígenas que foram à Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, a COP26.  

Em entrevista à Gênero e Educação, Samela Sateré-Mawé destacou que a juventude tem sido fundamental na luta pela justiça climática e ambiental, pois as e os jovens, segundo ela, teriam um grande poder de mobilização, pois desejam realizar coisas, transformar suas vidas, seus futuros e o futuro das próximas gerações. Samela acrescenta que, devido à sua origem indígena, seu envolvimento com o meio ambiente seria ancestral. 

Quando nós nascemos indígenas, nós não temos um período em que decidimos lutar pela causa ambiental. A gente já nasce na luta. Comigo não foi diferente, eu nasci na Amism, onde sempre teve a luta pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas, muito presente desde a minha infância. A causa indígena e a causa ambiental sempre estão juntas porque nós os indígenas somos os principais defensores do meio ambiente, somos os principais guardiões do território, desde a invasão”, diz Samela.

A ‘invasão’ a que Samela se refere foi a chegada dos europeus por aqui, explorando nossos territórios, fauna e flora e escravizando os povos originários para alimentar sua riqueza. Passados mais 500 anos da colonização do continente latino-americano, as lideranças européias atuais, assim como outras lideranças mundiais, têm expressado alguma preocupação com as questões ambientais nos últimos anos. Ainda que esta preocupação seja mais motivada pelos impactos econômicos da destruição da natureza do que propriamente uma conscientização sobre o antropoceno¹, é importante reconhecer que encontros como a COP têm sido importantes uma vez que provocam debates e resoluções para a sobrevivência da humanidade. 

Neste ano, segundo a jornalista Alicia Lobato, um dos principais temas debatidos no encontro foi o Brasil: “Em linhas gerais, teve muita pauta sobre o Brasil, o desmatamento da Amazônia, o tratamento dado aos indígenas, o Marco Temporal, a omissão do atual governo em relação às questões ambientas. Além disso, a juventude – de diversos países – demonstrou interesse particular na justiça climática”.

Alicia Lobato, tem 23 anos, é paraense e ingressou no ativismo pelo clima em 2018. Ela decidiu fazer jornalismo, pois acreditava que como ativista não era ouvida e entendia que o trabalho com comunicação possibilitaria disseminar informações sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas para mais pessoas. Seu trabalho tem sido tão importante que foi convidada para ir à Glasgow, representando a Amazônia Real, um dos principais canais de notícias sobre a região. 

A jornalista afirma que a juventude teve uma grande incidência política na COP: “Pode não parece pra gente aqui, mas fiquei impressionada, especialmente nos dias de protestos. São adolescentes e jovens com interesse real, formação, discurso, que se articulavam e tentavam dialogar com os políticos. Lembro muito das falas dos jovens da Coalização Negra por Direitos, por exemplo. Vi os jovens brasileiros subindo nos plenários, palanques dos atos, mostrando que o Brasil está ativo no debate. Mas eu ainda sinto falta de um debate sobre a população e as questões do norte do Brasil”, diz Alicia.

O termo justiça climática, que segundo as entrevistadas Alicia e Samela foi muito debatido entre os jovens presentes no encontro, sugere que se deve ir além das mudanças na condução, criação e adoção de políticas ambientais, mas que os países devem considerar os fatores que provocam e reforçam as desigualdades socioeconômicas que afetam mais drasticamente as populações pobres, periféricas, negras, indígenas e de mulheres. Trata-se, segundo Alicia, de ouvir estas populações que devem ter poder decisão em espaços como a COP.

Todo mundo está sentindo os efeitos das mudanças climáticas, mas tem grupos que sentem mais que os outros. Então, ter jovens, mulheres, indígenas e negros lá na COP é muito importante. Vi poucos debates oficiais entre a questão climática e de gênero. Sinceramente, acho que só quem consegue fazer essa conexão são as mulheres que estão sentindo. Eu sempre uso como exemplo o caso das cheias na Amazônia. O nível dos rios está aumentando cada vez mais, batendo recorde atrás de recorde, e quem está nas casas passando necessidades pra cuidar de seus filhos são as mulheres. Elas que não podem sair de casa porque ficam com medo de seus filhos caírem nas águas. Só quem tá vivendo isso ali, é quem deveria falar num evento desse, sabe? É essa pessoa que consegue expor porque que o gênero está ligado com as questões climáticas e ambientais”, conclui a Alicia Lobato.

Em complemento à perspectiva da jornalista, Samela Sateré-Mawé afirma o seguinte “nós não queremos mais só homens brancos e pessoas que estão no poder, que tem um cargo político tomando decisões por nós. Nós queremos também estar nos espaços de tomadas de decisão. Fomos pra COP26 com a temática da demarcação das terras indígenas, porque nós sabemos que os 13% de terras indígenas no Brasil também são as áreas mais preservadas, que mais têm a preservação da fauna, da flora e da biodiversidade, então queremos a demarcação do nosso território pra poder lutar pelo meio ambiente”.

Para Samela, as principais reivindicações dos grupos indígenas e dos jovens tanto na COP26 quanto aqui no Brasil estão relacionadas ao direito às suas terras. “Nossas principais reivindicações são o direito à terra. Por muito tempo não houve demarcação de terras indígenas, entra presidente, sai presidente, e não há o processo de demarcação. A gente vê vários projetos de lei dentro do Congresso Nacional que visam levar em consideração o Marco Temporal, que é um marco genocida, e que diz que as terras dos povos indígenas são nossas só a partir da Constituição de 88. Mas nós somos povos originários, nós estávamos aqui desde sempre, antes de Estado, de Leis, de Constituição e de fronteiras”, reclama.

Por falar em Congresso, vale lembrar que enquanto essas jovens ativistas lutam por justiça climática, a bancada ruralista, juntamente com o Palácio do Planalto e os mineradores se empenham para aprovar projetos que mudam as normas ambientais no país. Além disso, ministros autorizam atividades de mineração em áreas protegidas no Amazonas, o desmatamento da Amazônia Legal aumenta em 22%, batendo o recorde dos últimos 15 anos, garimpeiros tomam livremente o rio Madeira, entre outras notícias estarrecedoras que nos fazem concordar com o pensamento de Samela e de tantos outros ativistas presentes na COP26: “O principal entrave do Brasil para a preservação do meio ambiente é o próprio governo. A gente vê a desestruturação de órgãos que deveriam cuidar dos povos indígenas e do meio ambiente como o IBAMA, o ICMBio. Diariamente, a gente vê afrouxamento das leis de crimes ambientais. A gente vê regulamentação de mineração em terras indígenas, facilitação de processos de grilagem. Então, há uma política genocida e ecocida dentro do Brasil”.

¹  Período geológico caracterizado pelo impacto do homem na Terra.


Nós do Gênero e Educação, dedicamos esta matéria a todas e todos os jovens ativistas que lutam por justiça climática aqui no Brasil e no mundo. Gostaríamos de registrar publicamente nosso apoio e solidariedade àqueles que têm sido agredidos virtualmente e recebido ameaças como, por exemplo, a indígena Txai Suruí que fez uma fala belíssima na abertura da COP 26.

Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais

Elas partilham a alegria de rever amigos e professores, mas têm medo da covid-19. O Gênero e Educação entrevistou três jovens que estudam em escolas públicas na capital paulista para saber como tem sido o retorno às aulas.

Imagem da matéria Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais. Imagem de estudantes subindo a escada de uma escola. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Cerca de 90% da população de estudantes, em 186 países, foram afetados com a pandemia da covid-19. No Brasil, o fechamento parcial ou total das escolas provocou insegurança alimentar e impactos no aprendizado, na socialização, no acesso a conteúdos devido à exclusão digital, e provocou evasão e abandono escolar, fenômenos que podem comprometer a educação de toda uma geração, com reflexos negativos na vida social e laboral. Sabe-se também que a pandemia intensificou os problemas e as desigualdades escolares preexistentes no país, que historicamente prejudicam mais meninos e meninas negras.

Desde o início da crise sanitária, em 2020, especialistas criticam a ausência de ações consistentes e coordenadas para mitigar tais problemas, especialmente em âmbito federal. Nos estados e municípios, gestores têm adotado políticas variadas que instituíram o ensino remoto, o ensino híbrido e depois presencial, condicionando tais decisões às orientações das autoridades regionais de saúde, mas, em muitas regiões, sem o devido diálogo com especialistas da área da educação e, principalmente, com as comunidades escolares.

Inicialmente, o retorno no estado de São Paulo, por exemplo, não era compulsório e era escalonado de acordo com as taxas de contaminação e mortes provocadas pela covid-19. No segundo semestre de 2021, com o avanço da vacinação² e a queda das taxas no estado, a retomada passou a ser obrigatória e as redes municipais e estadual de ensino voltaram às aulas presenciais, ainda que a maioria dos estabelecimentos não tenha realizado mudanças estruturais recomendadas pelas autoridades sanitárias e reivindicadas pelos profissionais da educação, tais como a adequação das escolas com novas instalações para higienização, maior ventilação e reformas que tornassem os espaços mais abertos e arejados.

Em meio a tantas incertezas e problemas de distintas ordens, estão os e as estudantes que são pouco ouvidos, mas têm muito a dizer, especialmente os do ensino médio que experimentam o peso da conclusão da formação básica que, em tese, lhes serviria como possibilidade de transição para a universidade e/ou para o mundo do trabalho.

O Gênero e Educação entrevistou três jovens moças que estudam em escolas públicas do ensino médio na capital paulista, para saber o que elas têm vivido com a pandemia e como tem sido o retorno às aulas presenciais. Concedemos nomes fictícios a nossas entrevistadas, que conversaram conosco por meio de plataformas digitais e pelo Whatsapp.

O isolamento social, o afastamento das escolas e da convivência com amigos e professores geraram nelas ansiedade, dificuldade de adaptação ao ensino remoto e de concentração, como relata Erica, de 17 anos, que atualmente cursa 3º ano em uma escola estadual, localizada no bairro do Tatuapé, zona leste da capital paulista:

“Quando as aulas foram interrompidas, eu estava no 2º e fiquei muito desesperada porque gosto muito da escola. No começo achei que fosse rapidinho e cada semana que ia passando, ia ficando mais desesperada. Eu até tinha internet, mas meu computador tinha problemas e às vezes eu ficava sem fazer as atividades. O meu emocional ficou extremamente abalado, eu me senti bastante mal, comecei a desenvolver crises de ansiedade e estresse, fiquei doida da cabeça”, diz. 

Carla, de 17 anos, no 2º ano de uma escola estadual, no bairro Santo Amaro, zona sul de São Paulo, reforça o relato anterior e pontua ainda que, em sua avaliação, o ensino remoto não permitiria a mesma rotina nem a mesma relação de troca entre professores e alunos.

“De cara eu não conseguia manter uma rotina, nem fazer os exercícios nem estudar. A relação entre professor e aluno não é a mesma de forma remota, na minha antiga escola a gente não chegou a ter vídeochamadas, eram só as atividades do centro de mídia¹. Às vezes a gente perguntava pro professor, ele não respondia e eu ficava chateada, mas hoje eu entendo que também deve ter sido difícil pra eles. No remoto, fica muito mais o professor falando. As aulas remotas tinham que ser mais interativas, ter mais conversa, com mais interação entre professor e aluno”.

Carla

Para Erica, certas particularidades do ensino remoto como a conectividade, a dependência dos dispositivos e a dificuldade neste diálogo com os professores causam fadiga e ansiedade.

“Em 2021, foi complicado, eu quase não fiz nenhuma atividade, inclusive eu me arrependo por isso porque agora eu tô tendo que correr atrás de todo o prejuízo, mas sabe? Eu estava exausta, cansadíssima, não tava aguentando mais nada, todas as atividades que mandavam eu falava que ‘não consigo fazer’, ‘não vou fazer’. Tinha professores que não explicavam as atividades e eu nem corria atrás pra entender porque minha cabeça não dava, tinha muita coisa”.

Erica

O depoimento de Natália, de 15 anos, que atualmente cursa o 1º ano do ensino médio em uma escola estadual, no Jardim Nazareth, zona leste paulistana, reforça as dificuldades de adaptação e suas consequências para os e as estudantes no que diz respeito ao seu aproveitamento neste período:

“No ano da pandemia, no ensino fundamental, praticamente a gente não teve aula, não tive acesso às aulas. Então eu senti falta dos estudos e no começo de 2021 [quando entrou no ensino médio] eu tava bem atrasada e fui treinando pras minhas notas não caírem”.

Natália

As estudantes entendem que o retorno às aulas presenciais gera uma profusão de sentimentos positivos e negativos. Por um lado, elas demonstram alegria pela possibilidade de rever amigos e professores. Por outro, ainda sentem muita preocupação com a pandemia e com as dificuldades em retomar o “ritmo” dos estudos.

“Eu fiquei feliz porque eu ia encontrar meus amigos, ia conseguir conversar, ver os professores, é outra história… Só que… sei lá… é preocupante porque a gente sabe que o governo não tá ligando muito pras pessoas pobres, que o governo não tá nem aí pra gente. É preocupante porque os casos não pararam de acontecer, a pandemia ainda não acabou”.

Erica

“Foi uma mistura. A ansiedade de voltar por conta da pandemia, mas também por ser uma escola nova. Eu tava muito nervosa em socializar, se iria conseguir conversar de boa, se ia ficar travada, se ia conseguir prestar atenção na aula. Notei que eu não consegui ficar prestando atenção 100% do tempo. Na hora do intervalo era o momento que eu ficava mais desconfortável porque já eram mais pessoas. Tem muita gente que tá desconfortável por voltar. Não sei a realidade que a pessoa vive, o transporte que ela pega, se é cheio ou não, com quem ela vive, então obrigar as pessoas a irem pro presencial é não pensar nas diversidades que cada um passa dentro de casa”.

Carla

“Acho que eles deveriam pensar mais um pouco no psicológico dos alunos porque a gente ficou um ano e meio sem ter aulas presenciais, sem ter pessoas do lado, sem ter contato e voltar pro presencial todo dia, ter muito trabalho pra apresentar é difícil. Teve a semana de humanas que eu tive crise de ansiedade porque não tava conseguindo lidar com a quantidade de trabalho”.

Natália

A preocupação das jovens com a pandemia da covid-19 é absolutamente pertinente, uma vez que as autoridades de saúde em todo o mundo sinalizam para o surgimento de novas mutações do novo coronavírus e a possibilidade de um novo pico de contaminação no primeiro trimestre de 2022. 

No Brasil, apesar do avanço na vacinação, existe uma enorme desigualdade no acesso à saúde e à educação em todo o território nacional e sabe-se que os estabelecimentos de ensino carecem de estrutura adequada e de itens básicos para garantirem a plena segurança a estudantes, professores e trabalhadores. 

Uma pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), por exemplo, apontou que 40,4% dos municípios não tinham protocolo de segurança sanitária para o retorno às aulas. Segundo a Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) cerca de 80% dos professores, alunos e pais tinham medo do contágio no retorno ao presencial. 

Por outro lado, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil está entre os países que mais tempo ficaram sem aulas presenciais durante a pandemia. Portanto, nosso desafio é como recuperar as perdas sofridas por estudantes, seus familiares e professores, sem lhes expor aos riscos da covid.

Notas

¹  Centro de Mídias da Educação de São Paulo, iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

²  Quando esta matéria foi concluída 62,15% da população estava completamente imunizada, o que representava pouco mais de 132,5 milhões de pessoas.