Para maioria da população brasileira, educação deve ser mais confiada a professoras(es) do que a militares

Pesquisa revela que sete em dez pessoas afirmam confiar mais em professoras(es) do que em militares para trabalhar em escolas. Os dados ainda evidenciam o descompasso entre o que é visto como prioridade pelo governo federal e as reais demandas da população brasileira quanto à educação.

Gênero e Educação - Para maioria da população brasileira, educação deve ser mais confiada a professoras(es) do que a militares

Enquanto o governo federal triplica o valor destinado à implementação de escolas cívico-militares, que correspondem a menos de 0,1% das escolas públicas do país, a maioria da população brasileira (72%) afirma que confia mais em professoras(es) do que militares para atuar nas escolas. Isso é o que revelam os dados da pesquisa Educação, Valores e Direitos, coordenada pelas organizações da sociedade civil Ação Educativa e Cenpec, com  realização do Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e Instituto Datafolha, e recursos do Fundo Malala. Para esse estudo, 2.090 pessoas de todas as regiões do país foram ouvidas sobre questões consideradas polêmicas da agenda política educacional. 

Os resultados da pesquisa endossam a fragilidade da tese defendida pelo governo de que investir em um modelo disciplinar de educação ajudaria a melhorar a qualidade de ensino. Para a população, a ausência de investimentos nas escolas públicas, os baixos salários e a desvalorização docente seriam os principais gargalos da educação – enquanto fatores como a falta de disciplina das(os) estudantes (10%) e qualidade das professoras(es) (6%), por exemplo, figuram entre os menos citados.

De fato, o forte apelo da “ordem e disciplina” sobre as escolas militarizadas é notado pelo público entrevistado. Apesar de poucos conhecerem o modelo, as pessoas associam essas escolas à “manutenção da ordem” e a bons equipamentos para atividades escolares (veja os gráficos ao fim do texto). 

“Essa associação vem da confusão que se faz entre os colégios militares e as escolas públicas militarizadas. Tratam-se de modelos diferentes, sendo o primeiro voltado à formação de quadros militares, que recebem investimentos por aluna(o) quase quatro vezes maiores do que o previsto para estudantes de escolas públicas regulares. E a segunda diz respeito à inclusão de militares aposentados para atuar na gestão e/ou nas salas de aula”, explica Denise Carreira, coordenadora institucional da ONG Ação Educativa e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala. A especialista complementa: “Essa compreensão equivocada leva a população a achar que as condições diferenciadas das escolas militares seriam garantidas para escolas públicas militarizadas, o que não ocorre de fato”. 

Pauta remanescente da agenda educacional do país na década de 1990, a militarização das escolas ganhou nova projeção ao ser assumida como uma das medidas prioritárias da pasta de educação do atual governo federal. Nesse modelo, considera-se que a melhoria da qualidade do ensino estaria, sobremaneira, baseada na imposição da disciplina e da obediência. “Essas escolas utilizam mecanismos de medo, censura e imposição da ordem. Questões como identidade de gênero, raça, orientação sexual, e tudo o que mais foge de padrões é reprimido, constituindo um ambiente escolar opressor”, elucida Denise.

Para Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, a reprodução da “lógica do quartel”, preconizada por esse modelo, não acompanha os avanços já comprovados por estudos nos campos da educação e da pedagogia, além de caminhar na direção contrária às políticas educacionais de países referências em educação. 

“A escola regular trabalha com a ideia de construção de pactos, de uma educação dialógica e é conduzida por profissionais com formações adequadas. A militarização das escolas é conceitualmente complicada e, na prática, ainda mais inviável. A proposta nada contribui para o enfrentamento das desigualdades educacionais, tampouco para o cumprimento das metas previstas no Plano Nacional de Educação, que precisam ser atingidas até 2024. Ademais, desvaloriza o trabalho docente e fere os princípios da gestão democrática”, analisa o especialista.

A pesquisa Educação, Valores e Direitos ouviu pessoas de 16 anos ou mais em 130 municípios entre 8 e 14 de março de 2022. A margem de erro máxima é de 2 pontos percentuais dentro do nível de confiança de 95%. Dados inéditos sobre outros eixos de análise da pesquisa devem ser divulgados nas próximas semanas.

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