Supressão do termo “gênero” no atual PNE fomentou censura e perseguição nas escolas

Compreendidas como centrais para promover a democracia, as agendas de gênero, raça e sexualidade devem constar no novo PNE como forma de combater a violência

Dez anos atrás, na fase final da tramitação do atual Plano Nacional de Educação (PNE), uma alteração causou espanto e indignação: todas as menções a “gênero” foram suprimidas do texto. A exclusão do termo, capitaneada por setores conservadores, alterou um texto que vinha sendo construído há anos, com intensa participação social e através de diversas conferências de educação. Esse movimento impactou as discussões escolares nos anos seguintes sobre gênero, raça e outras formas de discriminação. Foram anos até o Judiciário reassegurar a legitimidade de tais debates no ambiente escolar, período em que docentes sofreram perseguições e viram suas condições de trabalho declinarem. 

Às vésperas da tramitação do novo Plano Nacional de Educação, a sociedade civil agora age para garantir um PNE sem retrocessos, com ousadia e que reafirme o direito de profissionais da educação e estudantes discutirem  gênero, raça e sexualidade na escola. 

Supressão do “gênero”: expressão de um movimento em curso 

O texto que chegou à Câmara em 2014 expressava, em seu art. 2º, inciso III, que o PNE tinha como diretriz “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. A disputa legislativa sobre a explicitação dessas agendas, especialmente de gênero e diversidade sexual, foi longa e intensa, e no fim prevaleceu uma versão do texto que retirava essas ênfases. Entre os principais opositores do “gênero” (e de uma suposta “ideologia de gênero”) estavam grupos católicos, evangélicos e formações seculares como o Movimento Escola sem Partido. 

“Estávamos conscientes do contexto extremamente adverso, marcado pelo crescimento da força política de setores fundamentalistas religiosos como parte do fenômeno de renovação de extrema-direita. Vínhamos enfrentando o avanço desse movimento na educação desde 2009, mas a maioria de nós não esperava a derrota naquela última etapa da tramitação, que revelou uma grande capacidade de articulação desses setores”, relembra Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP, fundadora da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e uma das lideranças do campo educacional que defendia a inclusão das agendas de gênero, raça e diversidade sexual.  “Vínhamos do processo das Conferências Nacionais de Educação que trouxeram proposições muito assertivas na perspectiva de fortalecimento de uma política educacional comprometida com essas agendas. Num primeiro momento, a derrota foi um baque. Depois compreendemos que a abrangência dessa derrota não era tão grande assim como a extrema-direita queria fazer entender”, avalia. 

A lei que entrou em vigor expressa apenas a necessidade da “erradicação de todas as formas de discriminação”. Um “conteúdo genérico, suficientemente inclusivo”, nas palavras dos pesquisadores Salomão Ximenes, Fernanda Vick e Márcio Alan Menezes Moreira em capítulo do livro GÊNERO E EDUCAÇÃO: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. Salomão, no entanto, enfatiza que isso não significa que a mudança foi banal. Comparando as versões que circularam na Câmara e no Senado, ele ressalta que, além da retirada da menção a discriminações específicas, houve também alteração no inciso 5o. O texto aprovado diz ser uma diretriz do PNE a “formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade”. Segundo o professor de Direito e Políticas Educacionais da UFABC, essa redação contém “uma afirmação de que a sociedade se fundamenta em uma única moral pública, o que é uma visão típica do conservadorismo,. A visão democrática presente na Constituição Federal na verdade afirma que a sociedade é baseada em uma pluralidade de concepções que devem conviver e que são igualmente aceitáveis desde que não violem direitos humanos”, completa.

Por outro lado, como lembra Salomão, a supressão do “gênero” e da diversidade sexual no PNE não eliminou o dever do Estado de atuar ativamente contra essas discriminações e desigualdades, já previstas em outras normativas. E nem proibiu a abordagem desses temas, como foi propagado pelos setores conservadores. “A supressão a essas menções no PNE é parte de uma estratégia mais ampla de ataque ao caráter público da educação, às conquistas recentes dos movimentos feministas, negros, LGBT+. Ela só pode ser lida como reação ao processo de democratização da educação, como o ponto mais visível da estratégia que era desenvolvida naquele momento mas que ganhou muito mais destaque nos anos seguintes”, defende. 

Na mesma linha, Sonia Corrêa e Marco Aurélio Máximo Prado enfatizam, no livro Gênero e Educação, que a educação foi o primeiro alvo robusto das “cruzadas antigênero” que permeariam vários outros setores da sociedade brasileira – e que ocorreram simultaneamente em outros países. No Brasil foram mais de cem projetos de lei proibindo “gênero e/ou ideologia na educação” desde a disputa no PNE.

Saiba mais sobre as ofensivas antigênero na educação no livro GÊNERO E EDUCAÇÃO: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação”. O download é gratuito. 

Impactos da exclusão do “gênero” no PNE: variação regional e debates ameaçados

O fato do Plano Nacional de Educação não mencionar várias discriminações de forma explícita deu brecha para que planos estaduais e municipais de educação aprovados nos anos seguintes também não o fizessem. Apesar disso,  a maior parte das unidades federativas ainda assegurou (em níveis diferentes) o combate a essas discriminações e a abordagem desses temas. Segundo levantamento de Claudia Vianna e Alexandre Bortolini, docentes da USP, mais da metade dos 25 planos estaduais aprovados no país inseriu questões relativas à agenda das mulheres sob uma perspectiva de gênero e quase um terço expressam clareza de que a garantia de acesso e permanência com qualidade passa pelo enfrentamento das desigualdades de gênero. No entanto, vários planos refletem o avanço de pautas conservadoras com a exclusão do gênero, corte ou limitação da agenda LGBT+ e inserção de itens que submetem a abordagem destes temas à concordância das famílias. O exemplo mais extremo é o plano do Ceará, que “impede, sob quaisquer pretextos, a utilização de ideologia de gênero na educação estadual”. 

Planos Estaduais de Educação e “gênero”

Veto explícito
: CearáOmissão (“gênero” e qualquer termo relacionado): Goiás, Pernambuco, São Paulo Incorporação parcial (com referências aos direitos humanos, à garantia de alguns direitos das mulheres e à cultura da paz, mas de forma restrita, por vezes reiterando perspectivas binárias, por vezes evocando a precedência da família sobre a escola. Sem qualquer menção a demandas LGBT+): Amapá, Acre, Alagoas, Espírito Santo, Distrito Federal, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, TocantinsExplicitação de questões de gênero e sexualidade (tanto no que diz respeito à superação de desigualdades e promoção dos direitos das mulheres, quanto no reconhecimento, proteção e promoção de direitos das pessoas LGBT+): Amazonas, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Roraima. 
Fonte: artigo “Discurso antigênero e agendas feministas e LGBT nos planos estaduais de educação: tensões e disputas”, disponível em:  https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/187136/172900

Na falta de diretriz nacional e em um contexto de crescente conservadorismo e guerra ao “gênero”, muitos municípios também tentaram, em seus planos locais de educação, reproduzir o veto. Essas decisões – muitas acompanhadas de perto pela Iniciativa De Olho nos Planos, como as dos municípios de Cascavel/PR, Ipatinga/MG, Foz do Iguaçu/PR, Nova Gama/GO, Farroupilha/RS, Ipê/RS, Teresina/PI, Recife/PE, Palmas/TO, Santa Bárbara d’Oeste/SP, Viçosa/MG, Varginha/MG, Paranaguá/PR e Mossoró/RN – começaram a ser derrotadas em 2020, quando diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçaram que a proibição da abordagem de “gênero” é inconstitucional e que na verdade é um dever do Estado trabalhar para combater todas as discriminações e para reforçar a cultura de paz e a igualdade. Essas decisões só chegaram ao STF após uma grande articulação de entidades da sociedade civil comprometidas com uma educação que combata as discriminações. 

Mas a exclusão do “gênero” no PNE teve efeitos no cotidiano escolar também por ter sido instrumentalizada pelos setores conservadores. Como elenca Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP, a derrota foi utilizada “na estratégia de desinformação em massa da população, de estímulo à perseguição sistemática de professoras, estudantes e ativistas e foi base de proposições de projetos de leis antigênero municipais; além dos ataques à agenda de gênero e raça nos planos municipais e estaduais de educação”. 

Cássia Souza, pedagoga que atua nos municípios de Recife e Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, sentiu isso na pele. Coordenadora de programas do Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e parte da rede de ativistas do Fundo Malala, ela não esquece que a derrota legislativa fomentou uma cultura de censura e perseguição: “Na época, eu realizava um projeto sobre direitos sexuais e reprodutivos das meninas, e a retirada deu margem para o fundamentalismo nos proibir de falar de gênero na escola. Sofremos muita repressão, saímos até no jornal local, com uma vereadora dizendo que estimulávamos as adolescentes a fazer sexo”, relembra. Foram necessárias formações com a comunidade escolar para continuar com o projeto, e relembrar a necessidade de discutir abuso e exploração sexual foi chave para prosseguir com o trabalho. “Não podíamos usar a palavra “gênero” para não perder aquele espaço, mas ainda conseguíamos trabalhar na sala de aula, éramos como ‘agentes secretas do gênero”, brinca. 

Em ambos os municípios, as discussões sobre gênero não estavam contempladas nos Planos Municipais de Educação, e em Cabo de Santo Agostinho uma portaria chegou a ser publicada prevendo sanções administrativas a docentes que trabalhassem o tema “gênero” nas escolas. Ou seja, houve uma criminalização da agenda. “Nós dávamos aula com medo de dar aula”, resume Cássia. Por isso, reforça ela, a inclusão dos temas nos Planos teria dado mais segurança para o trabalho do dia a dia, apesar de não significar uma mudança imediata de cultura. “Não tenho essa ilusão, mas garantir gênero na lei faz com que a gente não seja criminalizado por trabalhá-lo na escola, além de definir as formas de trabalhar com o tema”. 

É hora de fazer diferente 

Para que essa situação não se repita, é preciso garantir que o próximo PNE – e os planos estaduais e municipais – contemplem as agendas de gênero, raça e diversidade sexual. Nesse contexto, a Ação Educativa lançou a campanha #FiqueDeOlho: para combater a violência, gênero nos Planos já!. Com materiais físicos e digitais, a campanha reforça que garantir igualdade de gênero nos Planos é se comprometer com a melhoria da qualidade na educação, já que educação de qualidade é a que consegue incluir e acolher todas as pessoas. 

E garantir igualdade de gênero é mais do que apenas adicionar uma palavra a um texto: é também uma forma de criar espaços de acolhimento e solidariedade nas escolas; de prevenir e combater o assédio, abuso sexual e violência doméstica; de discutir as desigualdades entre homens e mulheres; promover o direito das pessoas viverem livremente sua sexualidade, entre outros. 

“A campanha parte do entendimento de que as agendas de gênero e raça promovem o pertencimento nas escolas, a proteção, a gestão democrática”, resume Marcelle Matias, educomunicadora e assistente da área de educação da Ação Educativa. Um dos focos da campanha é pautar a igualdade de gênero nas Conferências de Educação – que são parte da construção do novo PNE -, e outro foco é a mobilização juvenil que reuniu jovens em uma Conferência Livre na Ação Educativa como parte da CONAEE. “Jovens estudantes têm puxado essa agenda. Então a campanha também reforça o papel da juventude enquanto uma juventude ativista, que tem discutido gênero na escola de diferentes formas e que tem pouco a pouco ressignificado seu papel no espaço escolar”, reforça Marcelle. 

Assegurar essas agendas nos planos de educação, no entanto, vai ser um desafio, já que o ultraconservadorismo segue forte no Congresso e fora dele. “Precisamos envolver toda a sociedade para fazer pressão no Senado e na Câmara, como fizemos na votação do Fundeb”, opina Cássia Souza, pedagoga e cientista social. “Em 2013, eles conseguiram convencer a população e fazer a pressão social para vetar o gênero, agora temos que ser nós”, defende ela. 

Salomão Ximenes e Denise Carreira concordam que, passados anos de investidas ultraconservadoras e liberais na educação e na sociedade, o contexto atual é mais desafiador. Para Denise Carreira, professora da faculdade de Educação da USP, a composição do atual Congresso exige muita cautela para que o novo PNE não seja minimizado em suas metas e estratégias e ocupado por demandas de setores ultraconservadores e privatistas. “Temos que ficar vigilantes e articulados, participando ativamente do processo da Conferência Extraordinária Nacional de Educação, convocada pelo Fórum Nacional de Educação”. Ela, que frisa que mesmo nos contextos adversos surgiram muitas iniciativas positivas, reforça a urgência das agendas de gênero, raça e diversidade sexual pararem de ser vistas como “identitárias”. “É urgente que sejam compreendidas como eixos estruturais das desigualdades, sempre em articulação com renda, e centrais para a sustentação da democracia”, diz. 

Na mesma linha, Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Educacionais da UFABC, também alerta para o perigo do apagamento das agendas antidiscriminatórias. Em sua análise, uma forma de proteger docentes contra tentativas de censura, especialmente após anos de incursões antidemocráticas, é inserir essas agendas nos currículos. “Conseguir reconstruir essa agenda hoje significa respaldar o trabalho com direitos humanos nas escolas”, diz. “É importante lembrar que pela legislação nacional e internacional a educação tem um objetivo, que é promover a democracia e o respeito entre as pessoas, combater o racismo e as discriminações. Precisamos de mais respaldo institucional para poder trazer temáticas que são obrigação das escolas”, completa.

Número de escolas militarizadas cresce 21 vezes em 10 anos

Entidades denunciam violações de direitos humanos na educação em comitê da ONU

A Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, coletivo Professor@s Contra o Escola sem Partido e Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, com o apoio da Clínica de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do ABC (CPPDH/UFABC) enviaram um relatório Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC) da Organização das Nações Unidas (ONU), destacando a preocupação com o cenário de censura, intimidação e violências na educação básica e solicitando que sejam feitas recomendações ao Estado brasileiro para enfrentamento dessa situação nas escolas. As denúncias foram reiteradas em reunião informal realizada, de forma híbrida, nesta quarta-feira (27/9), com membros do Comitê DESC e organizações da sociedade civil brasileira.

Em um período de dez anos, o Brasil passou por um crescimento de 21 vezes no número de escolas de educação básica militarizadas. As violações de direitos humanos nesse modelo de escola, assim como a perseguição sistemática a educadores, foram denunciadas por entidades educacionais ao Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC) da Organização das Nações Unidas (ONU), que revisará o cumprimento por parte do Brasil do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

+ Ver mais: Para maioria da população brasileira, educação deve ser mais confiada a professoras(es) do que a militares

O dado, inédito e alarmante, foi calculado pela Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME. Segundo as estimativas, o país tinha 39 escolas militarizadas em 2013. Em 2018, eram 122 as unidades que tiveram sua administração transferida, total ou parcialmente, para policiais militares, bombeiros militares e forças armadas, número que atingiu pelo menos 816 escolas em 2023. As pesquisadoras apontam que o crescimento se intensificou durante o governo Bolsonaro, que criou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), que implantou 216 escolas militarizadas em todos os 26 estados, no Distrito Federal e em 188 municípios brasileiros. Esses dados indicam que o PECIM teve um papel de disseminação da militarização, que foi além da adesão direta ao programa.

“Por princípio legal, por incompatibilidade educativa e pedagógica, nenhuma escola deveria ser militarizada. A expansão da militarização das escolas no Brasil, já com mais de 800 escolas, é o caminho da anti-educação”, afirma Catarina de Almeida, Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE-UnB) e integrante da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME).

Em julho, o governo federal revogou o decreto que criava o PECIM. Porém, o presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana, têm ressaltado que a continuidade do processo de militarização é decisão autônoma de cada ente federado. Após a revogação, diversos governos estaduais manifestaram que manterão e expandirão o processo de militarização, com a criação de novos programas nos respectivos territórios. “Na prática, o governo federal se omite do dever de coordenação federativa da educação nacional. Repete-se a postura que prevaleceu até 2018, porém em um contexto em que a militarização está muito mais disseminada”, comenta Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e da Rede Escola Pública e Universidade (REPU).

Escolas militarizadas recebem mais investimentos

No relatório apresentado ao comitê da ONU, as entidades alertam que o investimento público feito nas escolas militarizadas é significativamente maior que o direcionado às escolas públicas comuns, o que tem como efeito ampliar a segregação etnicorracial e de classe no sistema de ensino; e que a adoção de disciplina militar incompatível com o regime de direitos humanos na educação. Por isso, pedem que o Comitê recomende ao Estado brasileiro que adote medidas para desmilitarização das escolas públicas e promoção da gestão democrática e da educação em direitos humanos.

Na manhã desta quarta-feira, dia 27 de setembro, a coalizão de entidades respondeu a questionamentos das/os relatoras/es do Comitê Desc sobre o relatório, em sessão com entidades da sociedade civil. Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa, destacou que o enfrentamento à violência em escolas passa pela gestão democrática, pelos debates sobre gênero e raça e pela valorização dos profissionais da educação.  

Perseguição a docentes nas escolas

Outro ponto levado ao Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU é a perseguição sistemática a educadores, um fenômeno que envolve a difusão de desinformação, discursos de ódio contra professores, negacionismo científico e centenas de projetos de lei para censurar a atividade docente. Segundo as entidades, têm sido comuns os casos de demissões sumárias ou processos administrativos, de intimidação no trabalho e de exposição em redes sociais, levando a ameaças e agressões contra esses profissionais.

Fernanda Moura, do coletivo Professor@s contra o Escola sem Partido, explica que essa situação tem criado um clima de medo e autocensura, que impedem o direito de estudantes de receberem informações sobre diversos temas, como gênero e sexualidade, racismo, meio ambiente, história e ciências. “O Estado precisa reconhecer que professores são defensores de direitos humanos, que têm garantido que crianças, adolescentes e jovens possam participar de debates sobre as enormes desigualdades do país e sobre sua realidade, se constituindo como sujeitos de direitos. Por isso, precisam de políticas de proteção e reparação nos casos de perseguição”,  destaca.

Veja aqui o Relatório “Paralelo sobre a situação de crescente militarização da Educação Básica, perseguição sistemática a educadores e educadoras e censura às temáticas de direitos humanos nas escolas do Brasil”, em inglês e português

Contatos para imprensa

Bárbara Lopes | Ação Educativa – 11 95796-5224

Catarina de Almeida Santos | UnB e RePME – 61 8182-3823

Fernanda Moura | Coletivo Professor@s contra o Escola sem Partido – 21 98823-7525

Salomão Ximenes | UFABC e REPU – 11 98224-6069

Sobre as organizações 

Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação é uma coalizão de sociedade civil com dezenas de organizações, redes e entidades dos campos educacional, feminista, antirracista, LGBTQIA+, de direitos humanos, acadêmico, sindical e de setores religiosos comprometidos com a laicidade do Estado; que tem atuado em defesa da liberdade acadêmica e dos direitos humanos na educação brasileira.

A Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME é uma iniciativa que reúne docentes das diferentes redes e níveis da educação, pesquisadores(as) e ativistas que se dedicam a pesquisar os processos de militarização da educação no Brasil, as relações com a democracia e seus desdobramentos na construção de valores morais e sociais em crianças, adolescentes, jovens e adultos nos diferentes espaços da vida social e, em especial, nas instituições educativas. A RePME tem como objetivo a defesa do direito à educação e seus princípios, instituídos pela Constituição de 1988, nos marcos jurídicos e convenções internacionais, pautando-se pelo respeito à diversidade e as diferenças, assim como na liberdade de organização estudantil, na liberdade de cátedra e organização docente.

A Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação é uma associação civil sem fins lucrativos que há 29 (vinte e nove) anos atua na promoção de direitos educativos, culturais e da juventude com vistas à promoção da democracia, da justiça social e da sustentabilidade socioambiental. No exercício dessa missão, a entidade desenvolve ações ligadas à proteção dos direitos humanos, sobretudo no que tange à promoção dos direitos de jovens e adultos à educação pública e à cultura.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem mais de vinte anos de ações em defesa do direito à educação, especialmente pela constante atuação e influência na formulação de normas e políticas públicas educacionais. É a articulação mais ampla e plural no campo da educação no Brasil, presente em todos os estados e no DF, constituindo-se como uma rede que articula centenas de grupos e entidades distribuídas por todo o país, incluindo comunidades escolares, movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários, além de milhares de cidadãos que acreditam na construção de um país justo e sustentável por meio da oferta de uma educação pública de qualidade. A missão da Campanha é atuar pela efetivação e ampliação das políticas educacionais para que todas as pessoas tenham garantido seu direito a uma educação pública, gratuita, inclusiva, laica, e de qualidade no Brasil.

A Plataforma DHESCA Brasil é uma rede que existe há 20 anos formada  por 49 organizações e articulações da sociedade civil, que tem como objetivos desenvolver ações de promoção e defesa dos direitos humanos e incidir em prol da reparação de violações. O trabalho da Plataforma Dhesca visa fortalecer a atuação da sociedade civil brasileira em prol de justiça socioambiental, da democracia e dos direitos humanos e da superação do racismo, do sexismo e de outras discriminações e desigualdades que impactam estruturalmente a realidade brasileira.

O Professores contra o Escola Sem Partido começou como uma página no Facebook de reunião e divulgação de notícias relativas aos avanços do grupo Escola Sem Partido de forma a alimentar a defesa dos/as educadores/as. Atualmente, é um observatório de professoras/es e pesquisadoras/es da Educação que estudam, para combater, os movimentos e estratégias de censura da educação.A Clínica de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do ABC (CPPDH/UFABC) é uma iniciativa de apoio técnico, jurídico e operacional às organizações, redes e movimentos de direitos humanos que, aliando ações de extensão, pesquisa e ensino envolve estudantes, professores(as) e pesquisadores(as) com os objetivos de fortalecer a atuação da sociedade civil em defesa de políticas públicas coerentes com os direitos humanos inscritos na Constituição e nas normas jurídicas internacionais e inserir o compromisso com os direitos humanos na formação básica de estudantes da UFABC.

Confira o resultado do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2023

Hoje, 23 de outubro, às 19h, realizaremos uma transmissão ao vivo para homenagear as 10 propostas que se destacaram por sua criatividade e compromisso.

É com grande prazer que compartilhamos os resultados da terceira edição do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica, que ocorreu de março a maio deste ano. Recebemos um total de 125 propostas, demonstrando o forte interesse em promover a igualdade de gênero na educação.

O Comitê de Seleção, composto por uma equipe de profissionais e pesquisadores em gênero, raça e sexualidade na educação básica, analisou criteriosamente todas as propostas e selecionou as 10 que se destacaram por sua criatividade e compromisso.

Hoje, 23 de outubro, às 19h, realizaremos uma transmissão ao vivo para homenagear esses projetos. Você pode conferir a lista de selecionados e participar da cerimônia de reconhecimento para conhecer as autorias das 10 propostas mais criativas acessando o link da transmissão ao vivo no YouTube da Ação Educativa (clique aqui).

Lista de resultado: Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2023

AUTORAS E AUTORESTÍTULO DA PROPOSTA
Agda Priscila da Silva, Alinne França Barros, Ana Gleysce Moura Brito, Árison Rodrigo de Brito, César Augusto Soares da Silva, Deysiane Ariele Nunes de Oliveira, Fernanda de Melo Beltrão, Jaime Cauã Lauriano de Lima, José Anderson Bezerra do Nascimento, Laís de Souza Lira, Lara Lemos Raulino de Souza, Letícia Franco Lemos dos Santos, Letícia Maria Oliveira Advíncula, Li Neves da Silva, Luis Philipe Machado, Luma Sabar Gomes Lins Santos de Barros, Maria Cecília de Oliveira Pacheco, Maria Júlia da Silva Pinto, Maria Júlia de Alcântara Martins, Maria Júlia Nunes Dantas, Maria Karolyne da Rocha Ferreira e Saulo José de Sena Silva.Expo fotos de negros comuns: o cotidiano d@s trabalhadores negros em Natal-RN
Aloísio Sousa Castro Junior e Luís Fellipe da Fonseca Lima SoaresRAÍZES AFROANCESTRAIS
Alexandra Eugênia Araújo, Regina Célia do Couto e Katharina Jahmile Rodrigues AraújoReescrevendo contos de fada: Preta de Ébano e Branca de Neve
Ana Maria Rivera FellnerEntre Algumas Outras Tecnologias
Ana Paula Rocha de AzevedoCultura afro-brasileira e indígena na Educação Infantil
Antônio Barros de Aguiar

Vamos ao Cinema? O Cinema Negro como recurso didático e conhecimento histórico
Cláudia NaoumClube das Cartas Secretas
Cláudia Santos PereiraFutsal feminino, gênero e espaço de fala: Desmistificando mitos
Débora Lopes Alves DuarteAs mulheres negras na história do Brasil
Déborah Goulart Silveira, Rafael da Silva Cezar e Monica MeloSete Mulheres
Eliana Cristo de OliveiraVozes da África – uma experiência literária, gastronômica e sensorial
Elisângela Cristina Siqueira de MeloSenhoras, sagradas, co(n)sa(n)gradas!
Elizangila Sousa de JesusWakanda para sempre
Emanuelle Souza Pacheco, Marcela Bianca Guedes Lopes, Júlia Souza e João Vitor FrutuosoNarrativas dos povos originários sobre a Terra e o tempo
Francisca Valeria Silva de Almeida, Ana Célia Pereira Damasceno de Macedo e Francigelda RibeiroVersos empenhados contra a violência a mulher
Gabriel Santinelli Felipe Godoy e Nickolas Spinelli KleinEnsino por narrativas: diversidade sexual e de gênero
Helen Regina Fernandes NascimentoConhecendo minha identidade africana
Juliana Kummer Perinazzo FerreiraVida Maria: Marias e suas vidas.
Larissa ScottaPor uma educação antirracista: discutindo o racismo linguístico
Laina Caroline dos Santos Sousa, Maria Rosane Costa Torres e Luciano Ribeiro Ferreira GarciaUma experiência interdisciplinar para o ensino da cultura africana
Marília Farias XavierOficinas de Autonomia Leitora e Relações Étnico-raciais da Pedagopreta.
Marileide Silva França e Carla Santos PinheiroHistórias do meu lugar: Trajetórias de mulheres que inspiram a nunca parar
Maria Claudia GorgesEntre algumas outras tecnologias
Rodrigo Chandohá da Cruz e Cintia Metzner de Sousa


Trabalhando a Transexualidade e a Não-Binariedade usando a Literatura Infantil.
Rosana de Souza Pereira CarvalhoA Escola de samba visita à escola formal
Samara da Rosa CostaÁfrica em nós: Práticas de alfabetização e letramento racial
Suemys Luize Pansani TavaresDescoloniza aí, EREMI!

Indicados ao Reconhecimento Público:

AUTORES E AUTORASTÍTULO DA PROPOSTA
Aldenora Resende dos Santos Neta, Ana Carolina Abrao Neri, Antonio Higor Gusmao dos Santos, Carolina da Silva Portela, Camila Fernanda Pena Pereira, Emanuele da Silva Freire, Joice Fernanda Pinheiro, Maria Jandira de Andrade, Odla Cristianne Patriota Albuquerque, Saulo Barros da Costa, Patricia Fortes de AlmeidaÚrsula em Quadrinhos: Protagonismos femininos e enfrentamentos no século XIX
Ana Lúcia Nunes de Sousa, Aline Silva Dejosi Nery, Luciana Ferrari Espíndola Cabral, Mariana da Silva LimaMulheres Negras Fazendo Ciência
Ana Caroline Gonçalves, Amanda Sales Santos, Ana Clara Fernandes Nascimento, Ruan Coutinho Rodrigues, Eliana Cristo de OliveiraClube de Leitura Black Girls
Cláudio Emanuel Dos Santos, Cláudio Vinícius Maia de Melo, Henrique da Silva Barbosa
Grafite e as artes desintegradas
Deysiene Cruz SilvaCART(a)GRAFIAS INTERGERACIONAIS: sexismo e racismo nas escolas.
Fernando Augusto do NascimentoJulian é uma sereia: narrativas biográficas interseccionais na escola
Gabriel Santinelli Felipe Godoy, Maíra Mello Rezende Valle
Sistemas Reprodutores: uma perspectiva antirracista e de combate à LGBTQIAfobia
Glauberto da Silva Quirino, Mariana de Oliveira Duarte
Relações de Gênero nas aulas de Educação Física
Hemily Pastanas Marinho, Luiz de Oliveira AulerianoClube de Leitura Ikiratsen Waina Kokama (Clube de Leitura Criança Mulher Kokama)
Hilson Santos OlegarioOs Estudos de Gêneros e de Sexualidades no combate ao racismo e a intolerância

Edital 2023 contará com uma segunda lista de aprovados em dezembro

Algumas propostas estão em processo de avaliação devido à necessidade de informações adicionais para sua aprovação final. As pessoas proponentes serão contatadas pela equipe de Gênero e Educação para obter os pareceres necessários e tornar as propostas mais completas e compreensíveis. Mais atualizações via e-mail.

Quando as propostas ficam disponíveis no banco de planos?

Após passarem por um processo de revisão, todas as propostas aprovadas – da primeira lista e, também, da segunda – ficarão disponíveis no banco de planos do site Gênero e Educação até dezembro de 2023. A equipe do Projeto Gênero e Educação entrará em contato com cada proponente para enviar devolutivas e as avaliações feitas sobre as propostas.

Dúvidas e informações: generoeeducacao@acaoeducativa.org.br

Curso Gênero e Educação 2023: aula aberta será realizada em 23 de outubro e celebrará propostas sobre gênero e raça na educação

Aula magna apresentará propostas criativas do Edital Igualdade de Gênero 2023. Com 100 vagas, curso abre inscrições online a partir do dia 18/10 às 12h

Ilustração de plano de aula do edital Igualdade de Gênero na Educação Básica. No centro da imagem há duas mulheres segurando um cartaz em que está escrito 'luta' No entorno delas, há vários grandes braços levantados de punhos cerrados. Ilustradora: Barbara Quintino.

No dia 23 de outubro, às 19h, o projeto Gênero e Educação e o Centro de Formação da Ação Educativa, irão iniciar a edição de 2023 do Curso Gênero e Educação. A primeira aula, que será aberta ao público, sem necessidade de inscrição, celebrará o resultado do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2023: enfrentando o sexismo, racismo e a LGBTQIAfobia na escola, destacando as 10 propostas avaliadas como mais criativas e engajadoras pelo Comitê de Seleção.

Com a promoção de mais 50 entidades, a terceira edição do Edital recebeu 125 propostas entre março e maio. A iniciativa se juntou ao “Ciclo comemorativo – 20 anos da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pela Lei 10.639”. O Ciclo propõe refletir sobre os avanços e desafios na implementação de políticas públicas comprometidas com o enfrentamento do racismo na educação.

O Edital de 2023 convidou  educadoras e educadores, pesquisadoras e pesquisadores, organizações da sociedade civil, coletivos, movimentos sociais e profissionais de educação de todo país a inscrevem propostas de planos de atividade ou de práticas cotidianas, planos de aula, sequências didáticas ou relatos de experiências sobre a promoção da igualdade de gênero na educação básica e que contribuam para a efetiva implementação da LDB alterada pelas leis n.10.639/2003 e n.11.645/2008. Todas as propostas aprovadas integrarão o banco de planos de aula público do site Gênero e Educação, da Ação Educativa.

Reconhecimento público – Gênero nos 20 anos da Lei 10.639: interseccionalidade em pauta

Dia e horário: 23/10, às 19hTransmissão: YouTube e Linkedin da Ação Educativa

Sobre o Curso Gênero e Educação 2023

Em um contexto de ataques e perseguições, educadoras/es, estudantes e comunidades resistem e realizam no cotidiano processos que refletem sobre as desigualdades sociais, raciais e de gênero. Para fortalecer essas práticas, o curso é baseado na perspectiva da educação popular feminista e antirracista. Os módulos buscam aprofundar conhecimentos sobre gênero e interseccionalidade, sobre as especificidades de diferentes sujeitos e etapas da educação básica, refletir sobre as resistências ao ultraconservadorismo e promover o compartilhamento de estratégias pedagógicas. As inscrições vão ser realizadas pelo endereço www.ead.acaoeducativa.org.br

As aulas do curso acontecerão todas às segundas-feiras, do dia 23 de outubro à 4 de dezembro, das 19h às 22h. A primeira aula do curso será aberta para todas as pessoas que quiserem participar e ficará disponível no YouTube e Linkedin da Ação Educativa. Confira todos os módulos:

23/10*AbertoGênero nos 20 anos da Lei 10.639: interseccionalidade em pauta 
Aula aberta com transmissão ao vivo
Com Bárbara Lopes e Marcelle Matias (projeto Gênero e Educação/Ação Educativa), Edneia Gonçalves (coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa), Robson Ferreira (Historiador e participante do Edital Igualdade de Gênero 2022), Zara Figueiredo (Secadi/MEC)
30/10*InscriçãoInterseccionalidade: da prática à teoria e vice-versa
Apenas para inscritos
Com Jacqueline Moraes Teixeira (UnB)
06/11*InscriçãoOs sujeitos da educação: crianças, jovens e adultos
Apenas para inscritos
Com Analise Silva (UFMG), Mighian Danae (Unilab) e Sandro Santos (UFMG e MIEIB)
13/11*InscriçãoUltraconservadorismo e resistências
Apenas para inscritos
Com Fernanda Moura e Renata Aquino (Professor@s contra o Escola sem Partido)
27/11*InscriçãoReforma do Ensino Médio e Juventude
Apenas para inscritos
Com Leticia Teruel (Professora da Rede Estadual) e Vanessa Cândida (área de Juventude/Ação Educativa)
4/12*InscriçãoEstratégias pedagógicas transformadoras
Apenas para inscritos
Com Denise Carreira (FE-USP), Bárbara Lopes e Marcelle Matias (projeto Gênero e Educação/Ação Educativa)

Resultado da terceira edição do Edital Igualdade de Gênero

O Comitê de Seleção, formado por especialistas nos estudos de gênero, raça e sexualidade na educação básica, selecionou propostas que contribuem para a efetiva implementação da LDB alterada pelas leis n.10.639/2003 e n.11.645/2008 e abordam igualdade de gênero. Foram valorizadas propostas que buscaram articular gênero, raça e diversidade sexual em uma perspectiva interseccional. 

  • Das propostas aprovadas: Todas as propostas aprovadas serão publicadas no banco de planos de atividades e de aula do site Gênero e Educação. As autorias receberão certificados. 
  • Das 10 propostas aprovadas como mais criativas e engajadoras: as propostas selecionadas receberão uma declaração de reconhecimento público em cerimônia virtual (dia 23/10, às 19h) e um vale livros de até R$600 da Livraria Africanidades, que poderá ser utilizado em até 3 meses.

Lista de resultado:
disponível no site a partir do dia 23 de outubro

Sobre a Ação Educativa

Criada em 1994, é uma organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, com uma trajetória dedicada à luta por direitos educativos, culturais e da juventude. Desde a sua fundação, integra um campo político de organizações e movimentos que atuam pela ampliação da democracia com justiça social e sustentabilidade socioambiental, pelo fortalecimento do Estado democrático de direito e pela construção de políticas públicas que superem as profundas desigualdades brasileiras, bem como pela garantia dos direitos humanos para todas as pessoas. Desde 2018, a Ação Educativa é apoiada pelo Fundo Malala. 

28 de setembro: educação sexual tem papel fundamental na garantia de direitos sexuais e reprodutivos

No Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, debate sobre o tema está aquecido. Mas educação sexual ainda caminha a passos lentos em termos de políticas públicas no país

Na América Latina e no Caribe, o dia 28 de setembro é um dia especial na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos. Nesta data, comemora-se o dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, data instituída em 1990 por feministas e que orienta ações em toda a região visando qualificar o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos de forma ampla. 

O estabelecimento do 28/09 como dia de luta veio durante um encontro feminista, o 5.º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho (EFLAC), realizado naquele ano na Argentina. Os registros são de que a escolha foi uma sugestão de brasileiras, em alusão à Lei do Ventre Livre, também aprovada neste dia em 1871. Lei que simboliza a “capacidade inacreditável das elites brasileiras de retardarem as decisões necessárias para a superação das desigualdades, do racismo e da escravidão”, como lembra Sonia Corrêa, ativista feminista e uma das coordenadoras do Observatório de Sexualidade e Política (SPW). Lembrança importante, já que a luta pela justiça reprodutiva é também uma luta de justiça racial. 

“Para as mulheres negras, o dia 28 tem o sentido de marcar a luta e centralizar a injustiça reprodutiva que atravessa séculos. Ainda hoje as mulheres, e especialmente as mulheres negras, não têm garantida a liberdade para escolher como viver, nem têm o suporte para isso, e tampouco para tomar decisões sobre maternidade e sexualidade. Essa é uma discussão sobre liberdade, mas também sobre controle, desigualdade, subordinação e hierarquização”, ressalta Lúcia Xavier, ativista pelos direitos humanos e coordenadora geral da ONG Criola. 

Desde 1990, como destaca a pesquisadora Sonia Corrêa, foram perdas e ganhos no âmbito legal. Países da região primeiro tiveram uma tendência a restringir o direito ao aborto em suas legislações (até meados dos anos 2000), o que foi seguido pela expansão do acesso a esse direito, sendo o México o exemplo mais recente. E o compromisso feminista em pautar direitos sexuais e reprodutivos, em particular o direito ao aborto seguro, teve resultados expressivos. Sonia destaca que, se hoje as forças ultraconservadoras estão mais bem organizadas e financiadas, as mobilizações feministas pelo acesso a esses direitos também estão muito mais fortes. “Essa, em particular, é uma trajetória muito virtuosa. Nos anos 90, não poderíamos imaginar o quanto o tema do aborto teria entrado no debate público e social e como teria se ampliado o número de pessoas e redes atuando no feminismo e além dele. Não dá para fingir que não existem as sombras, mas os ganhos em mobilização são realmente muito significativos”.

Educação é chave 

A efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas passa, também, pela educação. Cerca de 20 mil crianças entre 10 e 14 anos dão à luz todos os anos no Brasil. E não são raros os casos de crianças e adolescentes que entendem que estão sendo vítimas de violência sexual após a abordagem do assunto na escola. Mas mais do que identificar violências e prevenir gestações indesejadas ou infecções sexualmente transmissíveis, a educação sexual também pode trabalhar a autonomia e as identidades das e dos jovens. 

Apesar disso, está longe de ser uma realidade no Brasil. Uma reportagem de 2022 da Gênero e Número mostrou que, além de não haver uma diretriz nacional, apenas 3 estados orientam suas escolas a terem disciplinas de educação sexual – e, em geral, as iniciativas pelo Brasil estão mais focadas em combater violências ou evitar gestações/ISTs. 

As juventudes, no entanto, estão mobilizadas. Segundo Laura Molinari, uma das coordenadoras da campanha Nem Presa Nem Morta (NPNM), referência na luta para transformar o debate e as leis sobre o aborto no Brasil, elas estão engajadas com a campanha desde sua criação. “É uma juventude que consome bastante conteúdo digital e que não está necessariamente organizada em coletivos e movimentos. Também atingimos bastante pessoas nas universidades e no mercado de trabalho, especialmente na saúde”, diz. 

A NPNM tem como princípios que todas as pessoas têm direito de acessar informações para cuidar de si e exercer a cidadania de forma consciente, e que a legalização do aborto deve ser acompanhada do livre debate e incentivo a políticas de educação sexual nas escolas; além de políticas de combate à violência contra meninas, mulheres e pessoas que gestam. Laura Molinari reforça que “a educação não é só uma maneira de falar sobre isso – o que já seria uma necessidade e um desafio -, mas é sobre criar espaços que respeitem as escolhas das juventudes, que respeitem os corpos e a autonomia que precisam ter para tomar as melhores decisões possíveis sobre suas vidas”.

Um projeto realizado em Salvador e Recife trabalha nessa perspectiva. O Ayomide Odara – que significa “Minha alegria chegou” em iorubá – surgiu em 2020 visando fortalecer adolescentes e jovens negras, tendo suas permanências nas escolas como horizonte. Através da educomunicação e inspirado em metodologias feministas, negras e comunitárias, o projeto aborda temas como ancestralidade, o impacto do racismo, patriarcado e outras opressões que afetam o acesso e permanência nas escolas, bem como a efetivação dos direitos humanos de maneira mais ampla.

“Percebemos que é importante falar sobre autoestima, que elas gostam do diálogo entre diferentes gerações de mulheres negras e também a importância de nos aproximarmos das famílias” resume Érika Francisco, assistente social e coordenadora do projeto. Ela também reforça o aprendizado mútuo entre a equipe e as jovens – até agora, mais de 120 já passaram pelo Ayomide Odara. 

A iniciativa, antes online e agora realizada de forma híbrida, separa as turmas por faixa etária – de 8 a 13 anos e de 14 a 19 -, com discussões compatíveis com cada uma delas. As dinâmicas e diálogos disparam reflexões sobre raça, identidade, gênero, movimento de mulheres negras e outros temas. “Ao falar de raça, gênero e sexualidade, é importante entender os cruzamentos entre essas dimensões. Falamos a partir do racismo, que é estrutural e que perpassa a experiência dessas meninas”, diz a coordenadora do Ayomide Odara. 

Especificamente em relação aos direito sexuais e reprodutivos, Erika Francisco diz que o ponto de partida é uma abordagem mais positiva (autonomia, independência, formação de identidade), e que as dúvidas mais “clássicas” sobre sexualidade, contracepção e temas correlatos surgem naturalmente e aí são debatidas. “Expressamos que elas têm a autonomia para decidir se, quando e como se reproduzir. Que têm o direito a decidir, à informação, e a viverem suas vidas e sexualidades livremente, sem discriminação, violência ou culpa. Isso não é ensinar a fazer sexo, até porque a sexualidade da criança não é a mesma do que a do adulto. Elas são muito focadas em aprender e conhecer o próprio corpo”, explica Érika. 

Tema em voga 

 Os direitos sexuais e reprodutivos estão em pauta no momento porque o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir a descriminalização do aborto – até o momento, a ministra Rosa Weber foi favorável à ação que pede pela descriminalização. Laura Molinari, do NPNM, ressalta que tão importante quanto o voto da ministra foi a mobilização que possibilitou que a ação fosse protocolada no STF. “Esse é um momento muito importante para movimentar toda a sociedade, mostrar que aborto não é assunto só de feministas. É do serviço de saúde, é das amigas, primas, tias, mães e filhas que precisam lidar com essa situação, seja porque engravidaram sem se planejar, seja porque estão acolhendo alguém nessa situação. E é uma questão do Estado, de mostrar que assim como uma mulher não engravida sozinha, ela também não tem uma gravidez não planejada à toa”. 

Articulação contra o Ultraconservadorismo se manifesta em apoio aos professores de Goiás e contra a censura

Carta aberta, assinada pelas entidades da Articulação e outras, denuncia que o estado tem sido vitrine da violência e da perseguição contra docentes. Utilizando a imagem de professores, deputados têm utilizado as redes sociais como um espaço lucrar politicamente

Fotos: Midia NINJA

A Articulação Contra o Ultraconservadorismo na Educação, por meio de uma carta aberta, manifestou preocupação com ofenômeno da perseguição contra docentes no estado de Goiás. A carta, que recebeu assinaturas de outras entidades de direitos humanos para além da Articulação, se solidariza com a categoria e ressalta que o contexto vem ampliando o adoecimento mental, a autocensura nas escolas e o abandono da profissão.

Segundo a carta, o estado passa por “uma manipulação da atenção capturada nas redes sociais para a perseguição de professores/as […]” e que a situação, dentro dessas mídias, tem refletido potencialmente na promoção da violência no país e nas vidas de docentes. “Além da violência a que professoras e professores vêm sendo submetidos, esse contexto tem um efeito nocivo generalizado para a educação. O medo leva à autocensura, quando os profissionais evitam abordar certos temas e conteúdos, prejudicando o aprendizado de crianças, adolescentes, jovens e adultos”, enfatiza Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa

A censura e a perseguição são inconstitucionais

A ofensiva de ataques a docentes desrespeita decisões do Supremo Tribunal Federal de 2020, com relação às iniciativas e projetos de leis inspirados nas ideias do ‘escola sem partido’. Em uma série de julgamentos, a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade de projetos de leis que buscavam proibir a abordagem de direitos humanos nas escolas e permitir a censura e perseguição docente. “Ficou garantido que educadoras e educadores têm liberdade de expressão no exercício do seu ofício, porque esta liberdade é condição para que o direito à educação se faça presente. As liberdades de aprender e de ensinar são condições uma da outra”, relata a Articulação no documento. 

Em maio, uma professora foi demitida após o deputado Gustavo Gayer a acusar, em suas redes sociais, de doutrinadora devido a uma camiseta da docente com a frase ‘Seja marginal, seja herói’, do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) – artista que é citado, também, em questões de vestibulares. Para Renata Aquino, professora de história, pesquisadora da censura na educação e integrante do coletivo Professores Contra o Escola Sem Partido, o fenômeno vem sendo naturalizando no dia-a-dia: “Os casos de perseguição explícitos cometidos por políticos demonstram como foi se tornando normal atacar os profissionais da educação e a escola. Como se tornou algo normal, poucas vezes vira alvo de notícia. E como nem vira notícia, vai virando ainda mais parte do cotidiano”.

Carta aberta em defesa dos educadores e educadoras de Goiás

A carta recebeu 17 assinaturas de entidades e segue disponível na íntegra no site Gênero e Educação, da Ação Educativa (www.generoeeducacao.org.br). Para acessá-la, clique aqui.

Educação que protege fala de gênero: o papel da Lei Maria da Penha na formação de crianças e adolescentes

Considerada uma conquista na luta pelos direitos de mulheres, a Lei Maria da Penha possui grande relevância na educação em direitos humanos nas escolas

Imagem de destaque da matéria "Educação que protege fala de gênero: o papel da Lei Maria da Penha na formação de crianças e adolescentes". A imagem é uma colagem, feita com uma foto de Maria da Penha (Jarbas Oliveira/Folha Press 2019). Na colagem, vemos a imagem do Congresso Nacional e da Constituição Brasileira em torno do Sol, afrente vemos a imagem de Maria da Penha sorrindo em uma cadeira de rodas

No último dia 7 de agosto, a Lei Maria da Penha completou 17 anos de vigência no Brasil. Considerada um marco estratégico para os movimentos feministas, essa legislação desempenha um papel crucial em demarcar o caráter específico da violência contra as mulheres, ao explicitar a desigualdades de gênero como fator determinante desse problema.

Em 2022, houve crescimento de todas as formas de violência contra meninas e mulheres, o que mostra a importância de mecanismos de proteção e prevenção como os previstos pela lei.  

A Lei Maria da Penha conta com mais um recurso importante na luta contra a violência de gênero: a Lei n.º 14.164/2021, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n.º 9.394/1996), para incluir conteúdos sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.

O tema gênero assume uma relevância essencial que permeia todas as disciplinas da educação básica, desde a linguagem não sexista e discriminatória, a integração igualitária de meninos e meninas nos esportes coletivos e individuais, até a abordagem inclusiva da presença das mulheres na história social e política do país e do mundo, considerando as diferenças culturais à luz da geografia política e organização social. 

Essa medida é uma resposta necessária em um cenário alarmante de estupros no país, como revelado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023). Em 2022, o Brasil registrou o maior número de estupros da história, com um total de 74.930 mil casos no ano, representando um aumento de 8,2% em relação a 2021.

As estatísticas apontam que mais da metade desses casos (56.820 mil) são classificados como estupros de vulnerável, ou seja, crimes praticados contra menores de 14 anos. As principais vítimas desse cenário são as crianças, com 61,4% delas tendo entre 0 e 13 anos, sendo alarmante a incidência de 10,4% de crianças com menos de 4 anos afetadas por esse crime.

Quanto ao perfil racial das vítimas, o registro é grave, com 56,8% delas sendo negras e 42,3% brancas, além de 0,5% vítimas indígenas e 0,4%  amarelas.

Outro dado que chama a atenção é que 88,7% das vítimas de estupro são do sexo feminino, enquanto 11,3% são do sexo masculino. E, entre as vítimas de 0 a 13 anos, 86,1% são agredidas por pessoas conhecidas, sendo que 64,4% dos agressores são familiares. Entre as vítimas com 14 anos ou mais, 77,2% são atacadas por pessoas conhecidas, e 24,3% desses crimes são de autoria de parceiros ou ex-parceiros íntimos.

Lei Maria da Penha nas escolas

Diante dessa realidade perturbadora, é fundamental que a educação seja uma peça-chave na implementação da Lei Maria da Penha. A legislação determina que os currículos escolares de todos os níveis de ensino destaquem conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia, bem como à violência doméstica e familiar contra a mulher. No entanto, o estudo da ONU Mulheres revelou uma carência de qualificação nas temáticas de gênero e sexualidade na formação dos professores do ensino básico e médio, mostrando que ainda há um longo caminho a percorrer na promoção de uma política efetiva de educação inclusiva e combate à violência baseada no gênero.

Enfrentar essa situação requer esforços coletivos e sistemáticos em todos os setores da sociedade. A violência de gênero é uma violação grave dos direitos humanos e, para que a Lei Maria da Penha alcance todo seu potencial, é essencial que ela seja aplicada de maneira transversal e ampla dentro do Sistema de Justiça, indo além do Direito Penal e considerando as necessidades específicas de proteção das vítimas e seu núcleo familiar.

A educação, além de combater estereótipos de gênero e desconstruir padrões discriminatórios, deve ser um espaço seguro e inclusivo para meninas e meninos. É fundamental que o respeito e a equidade de gênero sejam promovidos desde cedo, incentivando uma cultura de igualdade e prevenindo a violência baseada em gênero. A Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas são ferramentas poderosas nessa batalha pela construção de um Brasil mais justo, igualitário e seguro para todas as pessoas.

Com informações da Agência Patrícia Galvão, Agência Senado, Instituto Maria da Penha e ONU Mulheres

Como o ultraconservadorismo afeta a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira?

Mesmo 20 anos depois de sua promulgação, Lei 10.639/03 tem problemas de implementação, que se intensificaram pelo avanço de políticas ultraconservadoras como a militarização e racismo religioso

Quando a lei 10.639/03 entrou em vigor, logo no início de 2003, fruto de décadas de atuação dos movimentos negros, a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira tornou-se obrigatória no currículo escolar. Na época da promulgação, a expectativa era que a nova lei começasse a desmontar um currículo historicamente racista, guiado por um viés branco e eurocêntrico. Vinte anos depois, quando toda uma geração já poderia ter sido impactada pela lei, ela permanece tendo alcance e sucesso limitado. Entre outros motivos, pelo avanço do ultraconservadorismo no Brasil, cuja ideologia – traduzida em leis e políticas – vai na direção contrária do que prevê a 10.639/03. 

A lei 

A 10.639/03 foi promulgada no dia 9 de janeiro de 2003 e alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regulamenta a organização e o funcionamento da educação no Brasil. A lei incluiu o artigo 26-A, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura africana e afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Para Ednéia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva da Ação Educativa, a mudança na LDB trazida pela lei 10.639/03 foi “sobretudo um movimento de afirmarmos, enquanto nação, a existência do racismo – e de reconhecer que ele é um problema do presente e não só do passado, e que portanto precisamos enfrentá-lo para que as desigualdades que dele decorrem não se perpetuem ainda mais”. 

O objetivo geral da 10.639/03 é resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. Não através da criação de uma disciplina específica, mas sim demandando que o conteúdo esteja presente em todas as disciplinas do currículo escolar. Cinco anos depois, em 2008, a lei 11.645 também incluiu no currículo escolar o ensino da história e cultura dos povos indígenas.

O caminho até a promulgação da Lei 10.639/03 foi longo, sendo precedida por vários outros marcos importantes. O vídeo abaixo, iniciativa do Projeto Seta – Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista, ilustra este processo em menos de 2 minutos:

20 anos de desafios

Mesmo vinte anos depois de sua promulgação, apenas 29% das secretarias municipais de ensino intencionalmente desenvolvem ações para aplicar a 10.639, segundo a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana. O levantamento mostra ainda que as ações e iniciativas estão concentradas em datas comemorativas, e não de forma perene ao longo do ano letivo. Ou nem isso, já que 18% dos municípios declararam não realizar nenhum tipo de ação para assegurar a aplicação da lei.

“Isso é muito sério porque a 10.639 é LDB, então isso significa que há uma porcentagem muito pequena de municípios cumprindo a legislação educacional”

Ednéia Gonçalves


Os desafios para a implementação são muitos, e incluem a formação de educadoras e educadores, desconhecimento de como aplicar a lei, a [falta de] destinação orçamentária, de apoio de gestores ou de comprometimento político – desafios que são comuns a outras políticas públicas no Brasil. Mas além dos desafios padrão, há ainda desinteresse ou mesmo resistência na aplicação desta lei em específico já que ela evidencia as estruturas racistas e desiguais da sociedade e da formação escolar. Um dos dados mais interessantes da pesquisa realizada pelo Geledés e pelo Instituto Alana é que não apenas a implementação da lei é baixa, mas os temas mais difíceis ficam de fora. Enquanto a diversidade cultural foi o tema citado por 60% dos gestores como o mais importante de ser trabalhado nas escolas, temas relacionados a construções de privilégios históricos e letramento sobre questões raciais foram citados por somente 3%. “Ou seja, ainda se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios”, conclui a pesquisa. 

Em meio a tantos desafios de implementação, o cenário político do país mudou consideravelmente, e intensificaram-se processos como os ataques à laicidade, a militarização das escolas, e a censura, perseguição ou mesmo criminalização de debates sobre gênero, raça e sexualidade no ambiente escolar. Todos estes são avanços ultraconservadores na Educação e impactam diretamente a lei 10.639/03. 

O ultraconservadorismo e seus impactos na educação

Como o nome indica, conservadorismo [e ultraconservadorismo] são visões de mundo que pretendem manter certas estruturas [ou retroceder a estruturas passadas. Na educação brasileira, o projeto ultraconservador reúne diversas agendas – como educação domiciliar, Escola sem Partido, criminalização de debates sobre gênero e sexualidade, militarização das escolas e combate à “ideologia de gênero”. Todas essas pautas ganharam força no Brasil na última década, ameaçando a laicidade da educação, a democratização e participação social, a construção de visões críticas e questionadoras e a liberdade de aprender e ensinar. Estes movimentos não são novos, e um marco importante da história recente foi a construção do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2013, quando o termo “gênero” esteve sob ataque e acabou suprimido do texto final.

É verdade que as dificuldades de implementação da lei 10.639/03 vêm de antes das recentes políticas ultraconservadoras. Isto é, que não é apenas no ultraconservadorismo que há resistências ou desafios para fazer valer essa legislação. No entanto, se não é apenas no ultraconservadorismo que a lei tem dificuldade para avançar, impor obstáculos a ela é parte fundamental deste projeto, que também é um projeto racial. “[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nas últimas décadas”, define Flavia Rios, diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Flavia explica que, enquanto as lutas dos movimentos negros partem do pressuposto que há desigualdades e racismo no Brasil e de que é preciso enfrentá-las para conquistar a igualdade efetiva, o discurso ultraconservador “acredita em um mito de democracia racial, defendendo a ideia de um povo único e homogêneo. Nega a escravidão, o preconceito racial, as desigualdades; deslegitima movimentos sociais e, por consequência, suas conquistas”. Ou seja, implementar a lei 10.639/03 é ir no sentido contrário do que prega esta ideologia. 

“[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nos últimas décadas”

Flávia Rios


Ednéia Gonçalves, educadora e socióloga, destaca que, ao negar as opressões, o campo ultraconservador “nega a existência de uma narrativa da resistência” – e por isso a efetivação da lei 10.639/03 é tão fundamental. “Defendemos a necessidade de reparação, o que passa pelo reconhecimento dos nossos saberes, conhecimentos e de nossas narrativas contra as opressões. Esse movimento age contra o movimento de repensar a história do país”, diz.

É também esta a avaliação de Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB), que defende que a 10.639/03 em si é uma lei contra o conservadorismo – entendido como uma política de conservar uma cultura patriarcal, racista e classista.

“O desafio no Brasil, e isso não só em relação a esta lei, é fazer o marco legal se transformar em realidade, porque assim que ele é estabelecido os ultraconservadores desenvolvem ações e ocupam espaços para impedir os avanços necessários – seja em ações diretas de perseguição ou em ofensivas como as curriculares”

Catarina de Almeida Santos


Um exemplo de ofensiva curricular foram as intervenções nos livros didáticos que chegam aos cerca de 50 milhões de estudantes da rede básica brasileira. Em 2021, o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi alterado, com supressão dos temas de gênero, raça e sexualidade e da nomeação das violências baseadas nessas características. Pelo edital, a violação de direitos humanos também deixou de ser um critério eliminatório. Foi só em maio de 2023 que essa decisão foi revertida por meio de uma ação da sociedade civil. Mas ainda há outros fenômenos em curso que dificultam o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas, como os ataques à laicidade e a crescente militarização da educação. 

Ataques à laicidade e racismo religioso

A Constituição de 1988 determina que vivemos em um Estado laico – isto é, sem religião oficial e com a obrigação de acolher e proteger todas as crenças, inclusive a não religião. Mas este sempre foi um desafio. Por exemplo, apenas cinco anos depois da promulgação da lei 10.639/03, em 2008, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano que previa, entre outros pontos, o ensino religioso confessional “católico e de outras religiões” em escolas públicas. A assinatura deste acordo, que foi muito combatida pela sociedade civil e por movimentos comprometidos com a educação pública e laica, foi apenas uma das iniciativas dos anos seguintes que atentaram contra a laicidade da educação. 

No Brasil, o enfraquecimento da laicidade no ensino está diretamente relacionado à intolerância e discriminações contra as religiões de matrizes africanas, o que acarreta racismo religioso. E sendo a valorização da cultura africana e afro-brasileira (o que inclui a religião) um dos pontos da lei 10.639/03, aumenta a resistência em aplicá-la nas salas de aula. “Falar da África, um continente diverso, é também falar de religião – mas não só. E a lei obriga a considerar que existe uma cosmovisão que é parte desse continente”, resume Ednéia Gonçalves. “Mas a realidade é que nos deparamos com a negação da liberdade religiosa e da laicidade, e com a tentativa de imposição de só uma visão de mundo, que é cristã e que é preponderante no Brasil”, acrescenta a educadora e socióloga. A socióloga e professora da UFF Flavia Rios destaca a estratégia explícita do campo ultraconservador de penetrar no mundo educacional, enfatizando que, no Brasil, o discurso homogeneizador e ultranacionalista é focado apenas nas religiões cristãs, “o que afeta a [lei] 10.639 na medida que é uma legislação que versa sobre diversidade cultural, étnica e religiosa”. 

Edneia Gonçalves também destaca o avanço destes projetos de poder nas escolas, identificadas como espaço privilegiado também pelo campo ultraconservador. “Eles viram no ambiente escolar a possibilidade de reafirmar uma hierarquia com relação ao sagrado, o que é extremamente violento, uma das piores e mais violentas manifestações do racismo”, diz.

Um caso recente ocorrido na cidade de São Paulo evidencia a escalada dessa violência: um estudante negro foi cercado e espancado por outros sete estudantes, que proferiram ofensas racistas e homofóbicas a ele. A provocação iniciou-se justamente após a mãe do estudante ser citada em sala de aula como referência na defesa dos direitos das religiões de matriz africana. Os ataques verbais ao aluno e sua mãe duraram alguns dias e culminaram em violência física. 

Apesar de casos como esse, é possível trabalhar o assunto nas escolas. A pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, realizada em 2022 pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e coordenada pela Ação Educativa e pelo CENPEC, mostrou que, na verdade, a população brasileira apoia a discussão sobre gênero, raça e sexualidade na escola, bem como tem opiniões progressistas em relação à militarização das escolas e à educação religiosa. Não apenas a abordagem das questões raciais nas escolas tem grande apoio entre a população (mais de 90%), como a grande maioria defende que a escola deve ser um ambiente de tolerância religiosa, inclusive para adeptos de religiões de matriz africana (candomblé, umbanda etc.) e para aqueles que não professam religiões. 

Militarização 

A pesquisa também aponta que, para grande parte dos entrevistados, professores são mais confiáveis do que militares no ambiente escolar. Uma constatação importante em um Brasil com a educação cada vez mais militarizada – agenda que acelerou após a criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), de 2019 e que segue em vigor.  

Para Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e referência na temática de militarização no Brasil, a relação é direta: militarização e implementação da lei 10.639/03 são incompatíveis. Isso porque todo o esforço por trás da lei 10.639/03 é fazer com que a escola seja de todos e todas, que todas as narrativas, histórias e saberes tenham voz, ao passo que as escolas militarizadas operam por uma lógica de padronização. “O sujeito da lei 10.639/03 não cabe nessa escola: o cabelo não cabe, a cor não cabe, a condição social não cabe, nada cabe”, resume Catarina, que defende que a padronização – de cabelos, aparência, de ideias – têm como efeito a negação dos sujeitos que ali estão. 

Alguns exemplos dessa negação das identidades mostram mesmo que os alvos são os grupos já historicamente silenciados ou invisibilizados, como a população negra, as mulheres e pessoas LGBTQIA+. Em março de 2022, uma estudante baiana negra foi impedida de entrar em sua escola [militarizada] por conta do cabelo crespo, recebendo a ordem de alisá-lo. No mesmo mês, em Santa Catarina, alunas receberam advertência por levar uma bandeira LGBT para a escola. Ou seja, enquanto a lei 10.639/03 exige a valorização da contribuição e da cultura afro-brasileira e africana, as escolas militarizadas trabalham com um padrão baseado em ideais brancos e heteronormativos. 

Fortalecer a resistência

A realidade mostra os muitos desafios para que o ensino da história africana e afro-brasileira se concretize em todas as escolas do país, ainda que mais de duas décadas após a aprovação da lei correspondente. Mas também não faltam exemplos de resistência e de pessoas trabalhando para que isso aconteça. Para Ednéia Gonçalves, socióloga e educadora, valorizar e fortalecer estes casos é o caminho para começar a mudar o cenário de baixa implementação da 10.639/03. “O estrago nos últimos anos só não foi maior porque dentro das escolas estudantes, professoras e professores e profissionais da gestão escolar resistiram. Isso também é parte do aprendizado da luta antirracista”, diz. 

Na mesma linha, a professora da UnB Catarina de Almeida Santos enfatiza que “não há nenhuma outra forma de fazer com que [a lei] se concretize a não ser continuar lutando, debatendo com a comunidade, com a juventude, ocupar o debate nas ações cotidianas”. Leis como a 10.639/03 e a 11.645/08 fortalecidas e consolidadas na sociedade, talvez sejam algumas das melhores ferramentas para evitar que uma nova onda conservadora possa ganhar tanto espaço na educação e no país, ameaçando legislações duramente conquistadas ao longo de décadas. 

Acesse e baixe gratuitamente o material “Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola” para auxiliar na avaliação da implementação da lei 10.639/03 em sua escola.

Novo arcabouço fiscal pode diminuir repasses para Universidades e Institutos Federais de Educação, além da merenda, transporte e livros didáticos

Texto: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira

O Congresso brasileiro está analisando o projeto de lei complementar (PLP) 93/2023, o arcabouço fiscal, que nada mais é do que as novas regras de gastos do dinheiro público. A proposta foi enviada pelo Executivo e, após tramitação e aprovação na Câmara e no Senado, vai para sanção presidencial. Como o arcabouço fiscal dita as regras dos gastos públicos inclusive em áreas sociais, impacta diretamente a educação e seu financiamento e pode afetar estudantes desde a creche ao ensino superior. Por isso, é tão importante monitorar este projeto e pressionar para que seu desenho esteja sintonizado com as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que, às vésperas do final de sua vigência, tem uma taxa de descumprimento de 90% de acordo com o último balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Qual a diferença entre arcabouço fiscal e Teto de Gastos (EC 95)?

O novo arcabouço fiscal é um projeto para substituir a Emenda Constitucional 95 (EC 95, que ficou conhecida como o Teto de Gastos), promulgada em 2016. Ou seja, a EC 95 deixará de valer quando o novo arcabouço for aprovado, o que é uma boa notícia para as áreas sociais, já que o Teto congelou os gastos públicos por 20 anos. Segundo a EC 95, os gastos em áreas como saúde e educação só podem subir de acordo com a inflação, não havendo nenhum aumento real no investimento. O governo Bolsonaro descumpriu muitas vezes o Teto de Gastos, mas nunca para investir nas áreas sociais. O arcabouço fiscal proposto pela nova gestão prevê que as despesas podem, sim, aumentar além da inflação, mas que este aumento deve ser compatível com o aumento do que é arrecadado pelo governo. Ou seja, ainda impõe um limite, mas é mais flexível. 

Uma diferença importante é que o Teto de Gastos em vigor é uma Emenda Constitucional e o novo arcabouço fiscal, se aprovado, será uma lei complementar. Ou seja, a EC 95 está na Constituição, e portanto tem muito peso e preponderância sobre outras leis. Já as leis complementares não estão na Constituição, mas devem obedecê-la. Isso significa que qualquer que seja o desenho do arcabouço fiscal, ele precisa cumprir todas as obrigações constitucionais. Por exemplo, a União deve sempre repassar para a Educação no mínimo 18% do que foi arrecadado em impostos. Com o modelo do Teto de Gastos de 2016 isso podia ser burlado, porque a EC 95 partia de um valor de investimento inicial (do ano que foi promulgada) e autorizava apenas a correção da inflação desse mesmo valor.

O que diz o arcabouço fiscal?

O mecanismo básico da proposta enviada pelo governo Lula é que o crescimento das despesas deve se limitar a 70% do crescimento da arrecadação. Por exemplo, se o governo arrecada R$ 1 trilhão, pode gastar até 70% disso, ou 700 bilhões de reais. Há também um mecanismo para que épocas de maior ou menor arrecadação tenham também limites de gastos diferentes (saiba mais sobre o arcabouço fiscal aqui). 

A proposta original do novo arcabouço fiscal, enviada pelo Executivo, abria exceções para os gastos instituídos na Constituição, como o piso nacional da enfermagem e o Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação pública brasileira e que foi incorporado à Constituição em 2020. A Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos, de 2016) também abria uma exceção para o Fundeb. 

No entanto, o projeto do arcabouço fiscal está sofrendo alterações durante sua tramitação no Congresso Nacional. A exceção para o Fundeb, assim como a garantia dos pisos constitucionais para educação e saúde, ainda são pontos de disputa. 

Como está a tramitação do arcabouço fiscal? Ele será aprovado?  

O PLP 93/2023 do arcabouço fiscal está sob análise no Congresso. Na Câmara, sofreu alterações, como a inclusão do Fundeb dentro de seu escopo. As mudanças foram aprovadas pela casa e o projeto foi então encaminhado ao Senado que retirou as despesas da União com o Fundeb. 

Agora o projeto volta para a Câmara dos Deputados. Quando o Congresso chegar a um acordo sobre o texto, ele vai para a sanção presidencial – etapa em que também pode ser modificado. Por exemplo, ter trechos vetados. 

Como o novo arcabouço fiscal vai guiar os investimentos do novo governo, há pressa para sua aprovação. Ele está tramitando no Legislativo em regime de urgência, o que significa uma tramitação simplificada e mais acelerada. 

IMPACTOS DO ARCABOUÇO FISCAL NA EDUCAÇÃO

A Educação é uma área que tem sofrido muito com cortes orçamentários na última década. Revogar a EC 95 é o que entidades e movimentos comprometidos com a educação pública e de qualidade vêm demandando desde 2016, mas discutir a proposta substituta é igualmente importante, para que o resultado não seja igualmente prejudicial para a Educação. E o desenho do novo arcabouço fiscal segue tendo problemas e armadilhas a longo prazo. 

Quando o Fundeb foi incorporado no texto do relator da Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), em maio, causou muita preocupação, já que o fundo é o principal mecanismo de financiamento da Educação básica brasileira. Mas também entraram no arcabouço os mínimos constitucionais da educação e da saúde. Essas adições foram severamente criticadas por parlamentares, entidades da Educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e comunidades escolares. “O relatório piora ainda mais o programa de Temer e amplia a dificuldade de investimentos no ensino público e a execução do Plano Nacional de Educação (PNE)”, disse a CNTE em comunicado sobre o tema.

Por que a inclusão do Fundeb no arcabouço fiscal impacta a Educação? Quais os impactos? 

O Fundeb é um fundo composto por recursos dos municípios, estados e da União. É uma obrigação constitucional e é de onde vem boa parte dos recursos que financiam a educação básica do país, que hoje atende cerca de 50 milhões de estudantes. Em 2020, quando se discutiu um novo modelo de Fundeb, foi aprovado que o governo federal iria, de maneira gradual, contribuir com cada vez mais recursos, diminuindo assim o peso para estados e municípios, que arrecadam menos. É o que chamamos de “complementação da União”, que deve chegar a 23% em 2026. 

O grande e principal problema do Fundeb ser incluído no arcabouço fiscal é que, por ser um repasse obrigatório e de uma quantia significativa, pode diminuir o que sobra para outras despesas, principalmente aqueles investimentos que não são obrigatórios, como programas de transporte escolar, merenda ou livro didático. Programas que afetam majoritariamente as e os estudantes mais pobres. Foi justamente com o argumento de que o Fundeb é uma contribuição obrigatória que o deputado Claudio Cajado justificou a inclusão do fundo no arcabouço, mas a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados e os especialistas em financiamento ouvidos para esta reportagem alertam que a medida é mesmo uma ameaça ao aumento do investimento em educação. 

Se o novo arcabouço incluir o Fundeb, o governo federal teria no mínimo duas grandes obrigações: permaneceria obrigado a cumprir os mínimos constitucionais para Educação e saúde – ou seja, de investir [na Educação] no mínimo 18% de tudo que é arrecadado – ; e teria de arcar com a complementação de 23% ao Fundeb. “O que as análises têm mostrado é que é muito provável que manter esses compromissos afete outras despesas, tanto da Educação quanto de outras áreas sociais”, resume Nalu Farenzena, da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). E mesmo o Fundeb, apesar de ser protegido constitucionalmente, pode ser afetado, já que a complementação de 23% por parte da União é um valor mínimo, e não fixo ou máximo. Ou seja, se o fundo permanece dentro da nova regra fiscal, é muito improvável que a União repasse para ele mais do que o mínimo obrigatório, já que existem outras despesas em Educação. 

Além dessas duas grandes obrigações, a União também precisa pagar todas as trabalhadoras e trabalhadores da administração pública federal da área da educação, como as/os profissionais que atuam nas universidades e institutos federais. E há as despesas não obrigatórias (também chamadas de discricionárias), que incluem programas de alfabetização, alimentação escolar, livros didáticos, transporte escolar, entre outros. “É onde entra a assistência estudantil, os recursos para a manutenção cotidiana das instituições, e que já foram duramente afetados no governo anterior por conta do Teto de Gastos”, explica Nalu. Estes recursos, segundo ela, ficariam pressionados, limitando a possibilidade de serem expandidos. “Ou seja, [a inclusão do Fundeb] compromete como um todo a agenda redistributiva, o que inclui a educação. Não é o Fundeb que está sob ataque, mas todo o setor público federal”, nas palavras de Nalu Farenzena. 

Salomão Ximenes, Professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), destaca também que as universidades e Institutos Federais, que são responsabilidade da União, podem ser muito impactados pela inclusão do Fundeb no mesmo bolo de recursos. “Os institutos são a principal e a melhor experiência que temos de rede pública gratuita de ensino médio de qualidade e integrado à educação profissional. Nossa grande expectativa, inclusive pelo plano de governo do presidente Lula, é que essa rede fosse ampliada. Isso sim mereceria um nome de reforma do ensino médio”, diz. “Mas a inclusão do Fundeb no arcabouço inviabiliza muito rapidamente qualquer margem orçamentária para pensar a ampliação da presença da União no ensino médio profissionalizante”, resume. 

 Para Guelda Andrade, secretária de assuntos educacionais da CNTE, é preciso um olhar progressista na construção de um necessário ajuste fiscal para que ele reflita o projeto de uma nação soberana. “O Brasil tem esse potencial, mas para isso é preciso investir em educação, e investir em educação é também tirar o Fundeb do arcabouço. Ainda estamos construindo um debate sobre democratizar o acesso a educação básica, além da permanência e da qualidade”, ressalta. Ela destaca que a inclusão do Fundeb no arcabouço pode impactar também a valorização das e dos profissionais de educação, pois são necessários mais recursos para construção de planos de carreira. 

É verdade que, sob o desenho do novo arcabouço fiscal, os recursos aumentam (e consequentemente os investimentos também) em épocas de aumento na arrecadação, mas como Nalu Farenzena destaca, “isso é um cenário incerto e não é uma política estratégica de priorização da educação”, porque cria uma dependência das receitas aumentarem para que se possa aumentar os investimentos em Educação. “Não é uma política efetiva de longo prazo do Estado”, resume. E isso afeta ainda mais negativamente o atual e o novo Plano Nacional de Educação (PNE) – que deve ser construído por meio de processos participativos liderados pelo Fórum Nacional de Educação (FNE). 

“Não basta só construir um plano, é preciso pensar estratégias de financiamento para que ele seja exequível, para que consigamos executar as metas que tanto desejamos”, reforça Guelda Andrade, que diz que o Fórum Nacional de Educação está “correndo contra o tempo” para avançar nessa discussão, já que o PNE determina as diretrizes do país para a educação na próxima década. 

E sem o Fundeb, o arcabouço fiscal ainda é ruim para a Educação? 

Para Salomão Ximenes, sim. O professor da UFABC e membro da REPU destaca que o novo arcabouço fiscal pode levar a uma alteração regressiva na legislação daqui alguns anos. Isso basicamente porque o texto aprovado até o momento acaba agregando regras diferentes de crescimento de gastos em educação. Assim, uma delas teria que se ajustar. 

As duas regras diferentes são as seguintes: a vinculação mínima constitucional e a própria regra do arcabouço fiscal. A vinculação mínima exige que no mínimo 18% do total arrecadado em impostos vá para a educação, e permite que esse valor cresça 100% de um ano para o outro. Ou seja, se as receitas crescem 100%, a destinação também cresce. Já o arcabouço fiscal, como vimos, limita esse crescimento a 70%. É como se fossem dois carros em uma mesma pista, mas a velocidades diferentes – em algum momento o carro a 100 km/h vai colidir com o que vai a 70. “O principal risco geral do arcabouço é que ele até agora não está prevendo uma regra de adaptação entre esses dois sistemas. Então mesmo que seja aprovado sem o Fundeb, há conflito”, explica. Este conflito não é direto – porque há uma hierarquia a ser cumprida: se um dispositivo é Constitucional, a lei complementar não pode descumprí-lo -, mas acaba sendo um conflito de objetivos. São dois carros que vão se chocar – não por falhas mecânicas, mas pelas velocidades diferentes. Para que não se choquem, o carro que vai mais rápido (100% de crescimento) precisaria se ajustar à velocidade do outro (70% de crescimento). 

“Isso obrigatoriamente traz a necessidade de revisar os repasses mínimos para saúde e educação”, resume Salomão. Se não, para não descumprir a Constituição, todo o recurso arrecadado no país teria que ser destinado apenas para essas áreas. “Ou seja, é possível que este arcabouço esteja encomendando o fim da vinculação como conhecemos”. Seria um “cavalo de troia” embutido no atual projeto. “Mas um cavalo de troia de cabeça para baixo, é uma lei complementar que poderia obrigar uma mudança na Constituição”, ressalta. E essa mudança, na prática, daria menos prioridade orçamentária para saúde e educação, além do possível efeito cascata que isso se reproduza também a nível de estados e municípios. 

Com esse horizonte em vista, é preciso pressionar ainda mais as e os parlamentares e o Executivo e mobilizar as comunidades escolares, jovens e seus coletivos para o debate sobre como a economia impacta a qualidade da escola e das políticas educacionais. O aumento das desigualdades educacionais certamente será o maior impacto da aprovação de um arcabouço fiscal que coloca em risco investimentos essenciais para o avanço, por exemplo, de institutos e universidades federais, alimentação e transporte escolar. 

Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade

Aproximar famílias do cotidiano escolar é um dos caminhos para ampliar a gestão democrática e o trabalho coletivo para a garantia dos direitos de estudantes

Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade

Abordar questões de identidade, gênero e sexualidade é um dever das escolas e um direito dos estudantes, porque seu desenvolvimento integral e a convivência democrática e respeitosa em sociedade dependem disso. No entanto, um dos principais desafios é aproximar as famílias do fazer pedagógico para que elas participem e conheçam do que se trata esse trabalho.

“Não é pedir permissão, mas convidar as famílias a estarem mais presentes, porque elas são fundamentais para o cotidiano escolar e para concretizar uma gestão democrática. Além disso, elas têm um papel complementar ao da escola no desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens. É preciso que elas trabalhem juntas”, afirma Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa.

Nessa jornada, os conflitos vão aparecer e eles, em si mesmos, não são um problema, desde que não escalem para ameaças e agressividade. “O conflito faz parte da nossa convivência e da democracia e pode ser muito pedagógico”, explica Bárbara.

Educação em sexualidade 

Ao aproximar as famílias do trabalho que a escola desenvolve em torno destas questões, é possível desfazer mal entendidos e a desinformação. Assim, elas têm a oportunidade de compreender por que se trata de um direito humano que contribui para o desenvolvimento integral de todos.

“A educação em sexualidade ajuda a combater violências e a prevenir a gravidez não planejada e as ISTs. Mais do que isso, traz informações seguras sobre a puberdade e as adolescências, em meio a determinados contextos culturais e sociais. Também é sobre entender e respeitar os direitos e as identidades dos outros, a nossa diversidade humana”, diz a psicóloga Cristiane Narciso, que coordena os programas de Juventude, Sexualidade e Gênero da Fundação Gol de Letra.

Esse trabalho também é fundamental para promover um ambiente escolar seguro, acolhedor e inclusivo para toda a população LGBTQIAP+, que não a exclua das salas de aula e não viole seu direito à Educação. “A educação antirracista e a equidade social também sempre precisam fazer parte destas pautas de forma interseccional”, destaca Cristiane.

Confira algumas orientações das especialistas para abordar os temas de identidades, gênero e sexualidade, que podem ser adaptadas de acordo com a demanda de cada comunidade escolar e território:

Estreite as relações

Nos últimos anos, abordar identidade, gênero e sexualidade nas escolas se tornou alvo de controvérsias e motivo de perseguição a educadoras e escolas. O Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas apresenta orientações jurídicas e estratégias político-pedagógicas em defesa da liberdade de aprender e de ensinar, baseadas em leis nacionais e internacionais que garantem esse direito às escolas e aos estudantes. 

Superar esse ponto sensível é o primeiro desafio. “O movimento ultraconservador corroeu os vínculos e criou desconfiança entre famílias e educadores. Por isso, precisamos construir laços permanentes e contínuos com as famílias, não só quando aparecem situações potencialmente mais conflitivas”, afirma Bárbara. 

A questão religiosa também pode exercer resistência aos temas, o que demanda acolhimento e escuta dos educadores para que as famílias não se afastem. “É uma paciência pedagógica para tentar aproximar as pessoas sem abrir mão do que diz respeito aos direitos humanos básicos”, sintetiza Bárbara.

Mobilize o território

Além da escola e da família, a educação também é responsabilidade de toda a sociedade. Dessa forma, pode ser interessante mapear centros culturais, unidades de Saúde e outros setores que possam fortalecer o trabalho da escola e ampliar o diálogo com as famílias. “Também vale contar com as famílias que são mais abertas e engajadas e podem ajudar a aproximar outras”, indica Bárbara. 

Planeje um formato atrativo

A forma de apresentar os temas de identidade, gênero e sexualidade para as famílias importa tanto quanto mobilizar metodologias mais ativas com os estudantes. Dessa forma, as especialistas recomendam fugir do formato tradicional de reunião.

“Propor um dia da família, com oficinas e rodas de conversa, em agrupamentos variados, em um ambiente diferente, que favoreça a conversa entre todos, até atividades lúdicas e corporais, aproxima mais e mostra como funcionam as atividades na prática com os estudantes, tirando medos e preconceitos em torno disso”, recomenda Cristiane.

Explique por que também é papel da escola abordar estes temas

Famílias e escolas têm responsabilidades complementares. É papel das escolas garantir o acesso a informações seguras e atuais a tudo que diz respeito ao desenvolvimento dos estudantes e dos temas em pauta na sociedade. 

“A família não pode impor o que o estudante deve ou não ter acesso, porque ele não é propriedade da família e tem direito a acessar todo o conhecimento humano e informações presentes no mundo”, diz Bárbara. 

Nesse sentido, a popularização do acesso à internet cada vez mais cedo já é uma fonte de informações – e desinformações – para as curiosidades das crianças e adolescentes. Escola e família podem, portanto, ser aliadas. “A escola pode ajudar os estudantes a terem uma postura crítica diante de conteúdos que não têm base científica e são violentos”, pontua Bárbara.

A pesquisa Educação, Valores e Direitos, realizada pela Ação Educativa, também mostrou que as famílias se sentem pouco à vontade para abordar esse tema com as crianças e adolescentes. “As famílias reconhecem que têm alguns pontos que não vão conseguir dar conta”, relata Bárbara.

Se for o caso, pode ser interessante apresentar registros em vídeo e foto do que foi trabalhado com os estudantes e até relatos das crianças e adolescentes sobre o que acharam das atividades e o que aprenderam. Se as atividades ainda não tiveram início, é o caso de compartilhar o planejamento da escola e abri-lo para intervenções das famílias, como pede a gestão democrática.

Cuide da linguagem

O debate precisa ser acessível, porque o tema é cheio de termos que não fazem parte do cotidiano de muitas famílias. “Muitas famílias não se sentem à vontade para conversar e se posicionar por falta de conhecimentos sobre o tema e por eles próprios terem um afastamento com a escola e os conhecimentos pela vivência difícil que muitos deles tiveram quando crianças”, lembra Bárbara.

Dessa forma, fugir de discursos técnicos e explicar em linguagem simples o que significa cada um dos termos que surgirem na conversa é o melhor caminho. “É lembrar que estamos falando de pessoas, de vidas”, diz a coordenadora do projeto Gênero e Educação.

A pesquisa Educação, Valores e Direitos também mostrou que trazer notícias sobre o tema, falar sobre a importância de prevenir a gravidez na adolescência e ISTs, bem como histórias de escolas que conseguiram identificar situações de abuso, costuma mobilizar as famílias de forma favorável para começar o trabalho e, depois, evoluir para os demais temas.

“Quando perguntamos se as famílias concordam que a escola deve promover o respeito, a concordância é muito alta, e pode ser um caminho para começar essa aproximação”, aponta Bárbara.

Veja em Como escolas podem conversar com famílias sobre gênero e sexualidade – Centro de Referências em Educação Integral