Cultura e educação se unem para promover direitos humanos: ONG Ação Educativa lança 4ª edição do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica
Com foco em práticas pedagógicas inovadoras e interseccionais, a iniciativa busca fortalecer o enfrentamento às desigualdades de gênero, raça e diversidade sexual nas escolas brasileiras
25 de abril de 2025
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A Ação Educativa, em parceria com uma ampla rede de organizações e com apoio do Fundo Malala, lança a quarta edição do edital “Igualdade de Gênero nas Escolas: Fortalecendo novas narrativas a partir da cultura”, com inscrições abertas a partir de 28 de abril de 2025. O objetivo é selecionar e valorizar relatos de experiências, planos de atividades, planos de aula e sequências didáticas que promovam a igualdade de gênero na educação básica, em instituições públicas e privadas de ensino.
A iniciativa busca responder aos crescentes desafios enfrentados por educadoras e educadores que atuam com temas de gênero, raça e diversidade sexual no ambiente escolar, especialmente diante de tentativas de censura, intimidação e disseminação de desinformação por parte de movimentos ultraconservadores.
“Queremos valorizar a atuação de educadoras, arte-educadoras, artistas e ativistas que têm buscado diferentes formas de promover reflexões sobre as desigualdades sociais, de gênero e de raça”, explica Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa. “Acreditamos que a cultura abre um olhar novo para a nossa realidade, ajuda a questionar aspectos que ficam invisibilizados e a imaginar possibilidades de vida em comum.”
A cultura como resposta à censura e à intolerância
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023), o Brasil registrou mais de 2.000 feminicídios nos últimos dois anos, além de uma escalada alarmante de violência contra pessoas LGBTQIAPN+. No campo da educação, estudos do coletivo Professores contra o Escola Sem Partido (PCESP) e da Frente Nacional Escola Sem Mordaça apontam para o aumento de iniciativas legislativas que tentam restringir o debate de gênero nas escolas, em desrespeito à Constituição Federal e a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que reafirmam o direito à abordagem de gênero e sexualidade no ambiente escolar.
Nesse contexto, o edital representa uma forma concreta de resistência, mobilizando saberes e experiências que unem a arte, a cultura popular e a pedagogia como caminhos para o enfrentamento das desigualdades. Serão especialmente valorizadas propostas que adotem uma abordagem interseccional, articulando gênero, raça, diversidade sexual e questões como saúde mental, racismo ambiental, intolerância religiosa, entre outros temas.
O que será selecionado?
Educadoras(es), coletivos, movimentos sociais, arte-educadoras, universidades e demais interessadas(os) poderão inscrever até duas propostas, que podem ser implementadas em escolas, creches ou outros espaços educativos. As propostas aprovadas integrarão um Banco Público de Planos de Aula (disponível no site www.generoeeducacao.org.br) e as dez mais criativas e engajadoras receberão declaração de reconhecimento público, certificado e um vale-livros no valor de até R$ 600 da Livraria Africanidades.
“A consistência, diversidade e criatividade das propostas pedagógicas que compõem nosso banco mostram o quanto nossas comunidades educativas estão comprometidas com a justiça social”, pontua Bárbara Lopes. “As políticas educacionais precisam estar à altura dessas comunidades, com medidas de proteção à liberdade de ensinar e de aprender e de valorização docente.”
Cultura como ferramenta de transformação social
O edital também visa estimular o uso pedagógico da cultura como ferramenta de transformação social, conforme reforça Bárbara: “O trabalho com obras culturais, quando feito com intencionalidade pedagógica, é muito poderoso para o aprendizado e para a transformação social. Esperamos que o edital inspire novas práticas e crie redes entre quem atua na ponta, de forma criativa e comprometida.”
Além do fortalecimento do campo educacional, o projeto se propõe a combater estereótipos e promover uma educação inclusiva, diversa e plural, em consonância com os marcos legais e os princípios constitucionais da liberdade de cátedra, da pluralidade pedagógica e da promoção dos direitos humanos.
Reconhecimento: 10 propostas com maior destaque receberão certificado, vale-livros e reconhecimento público
Sobre a Ação Educativa
Fundada em 1994, a Ação Educativa é uma associação civil sem fins lucrativos que atua nos campos da educação, da cultura, da juventude, da tecnologia e do meio ambiente na perspectiva dos direitos humanos.
Para tanto, realiza atividades de formação e apoio a grupos de educadoras/es, jovens e agentes culturais. Integra campanhas e outras ações coletivas que visam à garantia desses direitos. Desenvolve pesquisas e metodologias participativas com foco na construção de políticas públicas sintonizadas com as necessidades e interesses da população.
É sua missão a defesa de direitos educativos, culturais e das juventudes, tendo em vista a promoção da democracia, da justiça social e da sustentabilidade socioambiental no Brasil.
Juventudes no #8M: Ação Educativa realiza encontro no Dia Internacional das Mulheres
Evento reuniu jovens e integrantes da Ação Educativa para preparar cartazes para Marcha das Mulheres em São Paulo e levantar demandas para a educação, cultura e orçamento.
18 de março de 2024
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O dia 8 de março da Ação Educativa foi marcado pela presença da juventude em seu prédio. Antes de ir até o ato do Dia Internacional das Mulheres de São Paulo, na Avenida Paulista, jovens e integrantes da Ação Educativa organizaram uma roda de conversa sobre suas perspectivas em torno do feminismo antirracista e sobre demandas para a educação, cultura, orçamento e para as políticas de juventude.
A atividade fez parte da campanha Gênero nos Planos, que tem como objetivo ecoar que a igualdade de gênero esteja no novo Plano Nacional de Educação, para o decênio de 2024-2034. O encontro foi realizado pelos projetos Gênero e Educação, Iniciativa De Olho nos Planos, Tô no Rumo e Mude com Elas.
O que rolou no encontro
Durante o encontro, foi destacada a importância da participação da juventude para a construção das políticas educacionais, como ocorreu durante a Conferência Livre de Educação realizada com jovens pela Ação Educativa em outubro de 2023, como parte do processo da Conferência Nacional de Educação (Conae). Os levantamentos dos jovens foram encaminhados para a etapa municipal de São Paulo da CONAE. As etapas da Conae foram organizadas com o objetivo de elaborar o novo Plano Nacional de Educação (PNE), principal instrumento da política educacional brasileira, que terá vigência de 2024 a 2034.
Pensando nesse momento político para a política educacional brasileira, Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa, explica que a participação da juventude é crucial para o desenvolvimento da qualidade da educação. “Existe um mito de que a juventude de hoje é apática e desinteressada. Mas quando temos espaços efetivos de participação e diálogo, vemos jovens atuantes pela melhoria da educação, que demandam o debate sobre questões de gênero, raça e sexualidade nas escolas. São temas que se ligam ao enfrentamento das violências e das desigualdades, que são parte de uma relação de pertencimento e acolhimento nos espaços educativos” afirma Lopes.
Ida até a Marcha das Mulheres
Após a roda de conversa, os participantes se organizaram para confeccionar cartazes para o ato das mulheres. De imagens de Lélia Gonzalez a frases que marcaram a história, como “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, de Angela Davis, era nítida a presença da trajetória de mulheres negras nas mensagens dos materiais produzidos após o bate-papo de abertura do encontro.
Segundo Vanessa Cândida, assistente das áreas de Educação e Juventude da Ação Educativa, a juventude tem colocado cada vez mais a necessidade de repensar e aprofundar as pautas do movimento feminista. “A presença das juventudes negras e periféricas, nesses e em outros espaços de mobilização, provocam a necessidade de se considerar as vozes de jovens, mulheres, pessoas pretas, que foram historicamente apartadas dos processos de participação e decisão nesse país e que, através da organização coletiva nos movimentos sociais, têm lutado para a mudança desse cenário, seja a nível local, regional ou nacional”, descreve Cândida.
Ação Educativa busca ampliar debate sobre gênero durante CONAE 2024
A organização defende a inclusão de políticas de igualdade de gênero na elaboração do Plano Nacional de Educação, foco da Conferência de 28 a 30 de janeiro
28 de janeiro de 2024
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A Ação Educativa estará presente na Conferência Nacional Extraordinária de Educação (CONAE 2024), levando a campanha #FiqueDeOlho: para combater a violência, Gênero nos Planos já! A iniciativa tem como centralidade impulsionar o debate de gênero no novo Plano Nacional de Educação (PNE), que irá nortear a educação brasileira nos próximos 10 anos. A CONAE ocorre entre os dias 28 a 30 de janeiro, em Brasília, onde reunirá diferentes grupos da sociedade civil para discutir e avaliar o Plano Nacional de Educação 2024-2034.
“Diante do cenário marcado pela perseguição contra docentes e estudantes, fomentado pelo ultraconservadorismo, comunidades escolares são as mais prejudicadas pelo atravessamento da cultura de ódio e pelo sentimento de autocensura. E os estudantes são os que mais sentem a necessidade da discussão de gênero e raça nas escolas”, afirma Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação.
A campanha disseminada pela Ação Educativa também ecoa a necessidade de fortalecer a escola como um ambiente acolhedor e o direito de estudantes a uma educação de qualidade: com Planos de Educação que garantam a participação juvenil, que promovam a reflexão crítica sobre as desigualdades e discriminações e que combatam violências.
O que é a CONAE e por que Gênero nos Planos?
A Conferência Nacional de Educação tem por objetivo reunir sociedade civil, estudantes e profissionais da educação para discutir e avaliar o Plano Nacional de Educação. Organizada em três dias, a Conferência, convocada de maneira extraordinária pelo Decreto 11.697/23, tem como tema central “Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para garantir a educação como um direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”.
A CONAE surge como espaço importante tanto para fortalecer controle social e a gestão democrática em torno dos processos de planejamento das políticas públicas, como para contribuir na elaboração do próximo PNE, principal instrumento da política educacional que direciona a educação brasileira durante dez anos.
Há dez anos, quando tramitava no Congresso Nacional, o PNE de 2014-2024 teve todas as menções de “gênero” suprimidas no texto com a diluição proposital da dimensão de gênero. Os principais atores responsáveis pela retirada dos termos relacionados à promoção da igualdade racial, de gênero e de orientação sexual foram grupos conservadores, fundamentalistas e inspirados no movimento Escola sem Partido.
“Nós passamos por um longo período de apagão tanto na participação social como nas políticas de promoção da diversidade na educação. Nesse vácuo, o ultraconservadorismo cresceu. Ter uma conferência para debater o que queremos das políticas educacionais nos próximos dez anos é fundamental para retomar políticas que foram interrompidas e para avançar, para demonstrar que a sociedade brasileira demanda uma educação que supere nossas profundas e históricas desigualdades”, explica Bárbara.
Histórico
A campanha “#FiqueDeOlho: para combater a violência, gênero nos Planos Já!” iniciou em setembro de 2023. A iniciativa envolve várias ações, como disponibilizar materiais online, promover o debate e a mobilização nas etapas municipais e estaduais das discussões em torno do Plano Nacional de Educação.
Em 21 de outubro, uma conferência livre foi realizada no prédio da Ação Educativa, em São Paulo, reunindo jovens de 16 a 24 anos para discutir participação popular, construir diagnósticos e propostas para a melhoria da qualidade da educação. Os levantamentos dos jovens foram encaminhados para a etapa municipal de São Paulo da CONAE, que aconteceu nos dias 27 e 28 de outubro do ano passado.
“Essas demandas contribuíram para a elaboração de emendas para a construção do novo Plano. Dentre elas, era possível visualizar a necessidade de maior participação juvenil, valorização da educação pública e políticas públicas que visassem acolhimento e saúde mental em articulação com as reflexões sobre como as desigualdades de raça, gênero, sexualidade e o capacitismo impactam no cotidiano da juventude”, destaca Cláudia Bandeira, coordenadora da Iniciativa De Olho nos Planos.
Crianças e adolescentes têm sido as mais prejudicadas pela ausência do debate nas escolas. Segundo Bárbara Lopes, a abordagem de raça e gênero têm sido uma demanda constantemente pautada pelas juventudes, seja na escola ou em outros espaços, contudo, ainda há desafios a serem enfrentados: “A falta de apoio institucional, de políticas de formação docente e de materiais de apoio e a censura a essas temáticas têm contribuído para esvaziar a dimensão cidadã da escola e seu compromisso com a superação das desigualdades. Mais do que isso, aumentam a violência e a exclusão escolar, negando o direito à educação para parcelas importantes da juventude brasileira”.
Como se mobilizar?
É fundamental que escolas, movimentos sociais e toda a sociedade civil acompanhem os debates que serão realizados durante a Conferência Nacional Extraordinária de Educação 2024 e as próximas etapas de aprovação do novo Plano Nacional de Educação. A fim de fortalecer a discussão, a Ação Educativa reuniu diversos materiais relacionados à importância de se trabalhar gênero nas escolas, em formato de cards, folders, vídeos e outros. Os materiais podem ser acessados pelo site da campanha: https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola/campanha-fiquedeolho-para-combater-a-violencia-genero-nos-planos-ja/ .
Uma maneira de ampliar a divulgação, é utilizar o material em rodas de conversas, seminários, assembleias, grêmios e encontros de discussão e mobilização popular. Durante a CONAE, no estande da Ação Educativa e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, também serão disponibilizados outros materiais inéditos, com lançamento previsto para ocorrer durante o encontro.
28 de setembro: educação sexual tem papel fundamental na garantia de direitos sexuais e reprodutivos
No Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, debate sobre o tema está aquecido. Mas educação sexual ainda caminha a passos lentos em termos de políticas públicas no país
2 de outubro de 2023
Autor: Nana Soares
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Na América Latina e no Caribe, o dia 28 de setembro é um dia especial na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos. Nesta data, comemora-se o dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, data instituída em 1990 por feministas e que orienta ações em toda a região visando qualificar o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos de forma ampla.
O estabelecimento do 28/09 como dia de luta veio durante um encontro feminista, o 5.º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho (EFLAC), realizado naquele ano na Argentina. Os registros são de que a escolha foi uma sugestão de brasileiras, em alusão à Lei do Ventre Livre, também aprovada neste dia em 1871. Lei que simboliza a “capacidade inacreditável das elites brasileiras de retardarem as decisões necessárias para a superação das desigualdades, do racismo e da escravidão”, como lembra Sonia Corrêa, ativista feminista e uma das coordenadoras do Observatório de Sexualidade e Política (SPW). Lembrança importante, já que a luta pela justiça reprodutiva é também uma luta de justiça racial.
“Para as mulheres negras, o dia 28 tem o sentido de marcar a luta e centralizar a injustiça reprodutiva que atravessa séculos. Ainda hoje as mulheres, e especialmente as mulheres negras, não têm garantida a liberdade para escolher como viver, nem têm o suporte para isso, e tampouco para tomar decisões sobre maternidade e sexualidade. Essa é uma discussão sobre liberdade, mas também sobre controle, desigualdade, subordinação e hierarquização”, ressalta Lúcia Xavier, ativista pelos direitos humanos e coordenadora geral da ONG Criola.
Desde 1990, como destaca a pesquisadora Sonia Corrêa, foram perdas e ganhos no âmbito legal. Países da região primeiro tiveram uma tendência a restringir o direito ao aborto em suas legislações (até meados dos anos 2000), o que foi seguido pela expansão do acesso a esse direito, sendo o México o exemplo mais recente. E o compromisso feminista em pautar direitos sexuais e reprodutivos, em particular o direito ao aborto seguro, teve resultados expressivos. Sonia destaca que, se hoje as forças ultraconservadoras estão mais bem organizadas e financiadas, as mobilizações feministas pelo acesso a esses direitos também estão muito mais fortes. “Essa, em particular, é uma trajetória muito virtuosa. Nos anos 90, não poderíamos imaginar o quanto o tema do aborto teria entrado no debate público e social e como teria se ampliado o número de pessoas e redes atuando no feminismo e além dele. Não dá para fingir que não existem as sombras, mas os ganhos em mobilização são realmente muito significativos”.
Educação é chave
A efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas passa, também, pela educação. Cerca de 20 mil crianças entre 10 e 14 anos dão à luz todos os anos no Brasil. E não são raros os casos de crianças e adolescentes que entendem que estão sendo vítimas de violência sexual após a abordagem do assunto na escola. Mas mais do que identificar violências e prevenir gestações indesejadas ou infecções sexualmente transmissíveis, a educação sexual também pode trabalhar a autonomia e as identidades das e dos jovens.
Apesar disso, está longe de ser uma realidade no Brasil. Uma reportagem de 2022 da Gênero e Número mostrou que, além de não haver uma diretriz nacional, apenas 3 estados orientam suas escolas a terem disciplinas de educação sexual – e, em geral, as iniciativas pelo Brasil estão mais focadas em combater violências ou evitar gestações/ISTs.
As juventudes, no entanto, estão mobilizadas. Segundo Laura Molinari, uma das coordenadoras da campanha Nem Presa Nem Morta (NPNM), referência na luta para transformar o debate e as leis sobre o aborto no Brasil, elas estão engajadas com a campanha desde sua criação. “É uma juventude que consome bastante conteúdo digital e que não está necessariamente organizada em coletivos e movimentos. Também atingimos bastante pessoas nas universidades e no mercado de trabalho, especialmente na saúde”, diz.
A NPNM tem como princípios que todas as pessoas têm direito de acessar informações para cuidar de si e exercer a cidadania de forma consciente, e que a legalização do aborto deve ser acompanhada do livre debate e incentivo a políticas de educação sexual nas escolas; além de políticas de combate à violência contra meninas, mulheres e pessoas que gestam. Laura Molinari reforça que “a educação não é só uma maneira de falar sobre isso – o que já seria uma necessidade e um desafio -, mas é sobre criar espaços que respeitem as escolhas das juventudes, que respeitem os corpos e a autonomia que precisam ter para tomar as melhores decisões possíveis sobre suas vidas”.
Um projeto realizado em Salvador e Recife trabalha nessa perspectiva. O Ayomide Odara – que significa “Minha alegria chegou” em iorubá – surgiu em 2020 visando fortalecer adolescentes e jovens negras, tendo suas permanências nas escolas como horizonte. Através da educomunicação e inspirado em metodologias feministas, negras e comunitárias, o projeto aborda temas como ancestralidade, o impacto do racismo, patriarcado e outras opressões que afetam o acesso e permanência nas escolas, bem como a efetivação dos direitos humanos de maneira mais ampla.
“Percebemos que é importante falar sobre autoestima, que elas gostam do diálogo entre diferentes gerações de mulheres negras e também a importância de nos aproximarmos das famílias” resume Érika Francisco, assistente social e coordenadora do projeto. Ela também reforça o aprendizado mútuo entre a equipe e as jovens – até agora, mais de 120 já passaram pelo Ayomide Odara.
A iniciativa, antes online e agora realizada de forma híbrida, separa as turmas por faixa etária – de 8 a 13 anos e de 14 a 19 -, com discussões compatíveis com cada uma delas. As dinâmicas e diálogos disparam reflexões sobre raça, identidade, gênero, movimento de mulheres negras e outros temas. “Ao falar de raça, gênero e sexualidade, é importante entender os cruzamentos entre essas dimensões. Falamos a partir do racismo, que é estrutural e que perpassa a experiência dessas meninas”, diz a coordenadora do Ayomide Odara.
Especificamente em relação aos direito sexuais e reprodutivos, Erika Francisco diz que o ponto de partida é uma abordagem mais positiva (autonomia, independência, formação de identidade), e que as dúvidas mais “clássicas” sobre sexualidade, contracepção e temas correlatos surgem naturalmente e aí são debatidas. “Expressamos que elas têm a autonomia para decidir se, quando e como se reproduzir. Que têm o direito a decidir, à informação, e a viverem suas vidas e sexualidades livremente, sem discriminação, violência ou culpa. Isso não é ensinar a fazer sexo, até porque a sexualidade da criança não é a mesma do que a do adulto. Elas são muito focadas em aprender e conhecer o próprio corpo”, explica Érika.
Tema em voga
Os direitos sexuais e reprodutivos estão em pauta no momento porque o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir a descriminalização do aborto – até o momento, a ministra Rosa Weber foi favorável à ação que pede pela descriminalização. Laura Molinari, do NPNM, ressalta que tão importante quanto o voto da ministra foi a mobilização que possibilitou que a ação fosse protocolada no STF. “Esse é um momento muito importante para movimentar toda a sociedade, mostrar que aborto não é assunto só de feministas. É do serviço de saúde, é das amigas, primas, tias, mães e filhas que precisam lidar com essa situação, seja porque engravidaram sem se planejar, seja porque estão acolhendo alguém nessa situação. E é uma questão do Estado, de mostrar que assim como uma mulher não engravida sozinha, ela também não tem uma gravidez não planejada à toa”.
8 iniciativas que falam de gênero, sexualidade e raça nas quebradas
Coletivos e projetos culturais fomentam debates sobre direitos humanos em diferentes formatos
12 de junho de 2023
Autor: Eduarda Ramos
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É a partir do senso de comunidade que iniciativas nas periferias de São Paulo acontecem todos os dias – são pessoas de todos os cantos, movidas pela coletividade, que fazem o “corre” ser realizado. O projeto Gênero e Educação da Ação Educativa selecionou algumas iniciativas que estão fomentando debates sobre questões voltadas a gênero, sexualidade e/ou raça nas pontas da cidade, de norte a sul, de leste a oeste ou até mesmo no interior.
“A gente é comunidade junta, a gente é mutirão em dias ruins”
“Favela venceu” – Don L
Espaço Puberê
Nascido no Grajaú, zona sul de São Paulo, o “Espaço Puberê” começou ainda em 2009, discutindo temas voltados à sexualidade infanto juvenil com oficinas de prevenção a ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e gravidez não planejada na adolescência. Com o passar do tempo, temas como educação emocional, parentalidades, educação em sexualidade e defesa de direitos humanos passaram a ser pautas abordadas pelo espaço.
Elânia Francisca, coordenadora do espaço, conta que o foco do Puberê é a “defesa e a proteção do direito ao desenvolvimento integral saudável de crianças e adolescentes, sobretudo da juventude periférica e negra, respeitando seus direitos sexuais e reprodutivos”. Francisca revela que uma das experiências mais marcantes durante a atuação no espaço foi quando uma pastora de uma igreja evangélica convidou o Puberê para dar oficina de autocuidado para adolescentes. “Para nós foi significativo pois sabemos o quanto o fundamentalismo religioso fragiliza as ações nas quebradas, e ter uma pastora sensível para esses temas mostra o quanto somos reconhecidas como uma coletiva que realiza um trabalho de respeito aos corpos e não de erotização, como muitas fake news tentam pregar.”
Imagem via Instagram @espacopubere e @vulvarias
Masculinidade Quebrada
O Masculinidade Quebrada surgiu em 2018 no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, a partir das movimentações que o debate de gênero ganhava na região – mas que vinham de mulheres e meninas. Em uma metodologia de seis conversas, que abordam masculinidade, rede de afetos, sexualidade, relação com o feminino, violência de Estado e novas possibilidades, o coletivo nasceu com a ideia de “quebrar” a masculinidade hegemônica, trazendo novas perspectivas para que pessoas de todas as idades que se identificam com o masculino entendam gênero como algo construído socialmente.
“O Grajaú é um dos distritos com maior número de notificações de violência de gênero, então havia uma constatação de que era urgente pensar sobre relações de gênero com homens, não só com mulheres”, comenta Raul Gomes, psicólogo responsável pelas atividades do coletivo. A iniciativa também conta com a supervisão de Elânia Francisca do Puberê, para que os integrantes e responsáveis do coletivo possam realizar “uma crítica maior aos processos de masculinidade”, conforme explica Gomes.
Imagem via Instagram @masculinidadequebrada
Okupação Cultural Coragem
A Okupação Cultural Coragem existe desde 2016, originada de um projeto chamado “Reggae na rua”, em que artistas tocavam um som de forma totalmente independente nas imediações da COHAB II, Zona Leste de São Paulo. Dos shows de reggae às batalhas de rap, artistas e produtores culturais passaram a ocupar um espaço nos arredores da Praça Brasil que viria a se tornar a Okupação, fortalecendo as atividades de artistas da região.
Com exposições como a “Aruanda”, que fala sobre religiões de matrizes africanas, e fortalecendo o corre de mulheres periféricas – são sete mulheres e dois homens na coordenação do coletivo -, a Okupação funciona de domingo a domingo, com coletivos de literatura, teatro, dança, rap, entre outras manifestações culturais que integram a programação cultural do espaço. “Hoje, a Okupação Cultural Coragem faz parte do circuito cultural da cidade, e o que eu mais curto são as exposições – a gente traz para a ocupação boas exposições, com muita qualidade, pra comunidade periférica acessar”, comenta Michele Cavalieri, produtora cultural e presidente do coletivo C.O.R.A.G.E.M – Coletivo de Ocupação, Revitalização, Arte, Graffiti, Educação e Música.
Imagem via Instagram @okupacaoculturalcoragem
Mães do Morro
Mães artistas, artesãs e oficineiras são as protagonistas das atividades realizadas pelo coletivo “Mães do Morro”, que surgiu em 2019 devido à falta de espaço e acolhimento para elas e seus filhos – tanto em eventos no território do Morro Doce, zona noroeste de São Paulo, quanto em outros lugares da cidade. Além das atividades culturais, as mães do morro organizam palestras e assessorias jurídicas sobre abandono paterno, violência doméstica, violência obstétrica, não romantização da maternidade, entre outros temas.
“Além de fortalecer o fazer cultural da quebrada, o coletivo também tem um espaço de formação, principalmente para mulheres em situação de vulnerabilidade social”, conta Cida Marinho, uma das responsáveis pela iniciativa. “Por meio das rodas de conversa, podemos trazer dores, espaços de troca, vivências e espaços de escuta para essas mulheres”, complementa, em atividades que acontecem em praças e centros culturais da região.
Imagem via Instagram @maesdomorro
Rede Família Stronger
Fundado por Roberto Stronger, o coletivo surgiu em 2006 no Largo do Arouche, região central de São Paulo, com o intuito de proteger e acolher pessoas periféricas LGBTQIA+. Após 17 anos de atuação, o objetivo principal do coletivo é o direito à cidade, trabalhando com setorizações voltadas à atuação política e à promoção da saúde, principalmente com a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), e por núcleos, como os voltados a pessoas transmasculinas, periféricas e negras.
Elvis Justino, integrante da Família Stronger há mais de 10 anos, explica que promover cultura pelo caminho inverso “saindo da Paulista e região central e voltando para nossos barracos e vielas” é revolucionário, pois além da ocupação da cidade ser um direito, e não um favor, “pessoas LGBT da periferia estão sendo protagonistas de suas próprias histórias.”
Imagem via Instagram @redefamiliastronger
Coletivo Acuenda
O Acuenda é um coletivo de drag queens que surgiu em 2014 no Jardim Romano, Zona Leste de São Paulo. Entre espetáculos e conversas sobre temas como gênero, sexualidade, racismo ou xenofobia, é por meio da cultura que os integrantes do coletivo divulgam a arte drag queen periférica e desejam que ela seja cada vez mais pulsante e viva nos extremos da cidade.
“A gente fala muito sobre identidade de gênero, orientação sexual e sobre a linguagem drag mesmo, que muitas pessoas ainda confundem com travestis e transexuais, e colocamos isso muito em pauta para mostrar as diferenças. Através dos eventos culturais, conseguimos aos poucos plantar essas sementinhas nas pessoas”, conta Bruno Fuziwara, da coordenação do coletivo.
Imagem via Instagram @coletivoacuenda
Maracatu Ouro do Congo
Entre as construções de alfaias e os batuques, educadores iniciaram as atividades do Maracatu Ouro do Congo em 2009, mas a ideia de que ali se formava um grupo começou a partir de 2010, com um maior estudo sobre as questões de espiritualidade que envolvem o maracatu. A partir das atividades realizadas pelos artistas, uma rede de articulação cultural passou a se formar de maneira orgânica no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, com o maracatu sendo levado a oficinas em diversas escolas e espaços culturais da região.
“A gente tem como objetivo trazer essa cultura pra cá – quando ela atravessa 3 mil quilômetros de Recife até São Paulo, a gente acolhe com muito respeito às questões de espiritualidade e as técnicas, queremos entregar algo com excelência como eles nos ensinam”, conta Paulo Félix Pinheiro, um dos fundadores do Maracatu. Ele relata que coloca toda a energia possível quando toca o tambor porque o maracatu não é só por ele, mas também por Antônio Severo da Silva: fundador do Ouro do Congo nascido em Cabo de Santo Agostinho (PE), que tinha o sonho de viver o Maracatu em São Paulo.
Imagem via Instagram @maracatuourodocongo
Adeola – Princesas Guerreiras
Ao serem convidadas para conversarem com crianças e adolescentes em um centro cultural no interior de São Paulo em 2015, as educadoras Denise Teófilo e Raísa Carvalho perceberam que o referencial literário de quando eram crianças não tinha muitas referências de personagens negras – e quando existia essa representação, muitas vezes era fomentando subjetividades racistas. Assim, nasce o “Adeola – Princesas Guerreiras”, que leva às crianças referências estéticas, históricas, de música e de arte dos povos africanos e afro-brasileiros.
“Nossa proposta é conseguir criar imagens e possibilidades de histórias sobre rainhas e guerreiras, envolvendo o lúdico e a brincadeira para acessar memórias sobre a história que ainda precisa ser recontada”, compartilha Teófilo. Das experiências mais marcantes do projeto, a educadora destaca o momento de coroação com turbantes, em que as crianças constroem coroas com tecidos. “O brilho no olhar das crianças pretas ao verem as princesas com certeza é a nossa experiência mais marcante.”
Imagem via Instagram @princesasadeola
Estudantes demandam discussões sobre gênero, raça e sexualidade na escola
Projetos elaborados por estudantes comprometidos com um Ensino Médio de qualidade reforçam a necessidade da abordagem das agendas, apesar de resistências da comunidade escolar
2 de fevereiro de 2023
Autor: Nana Soares || Edição: Claudia Bandeira
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Ilustração: Dillasete
Se desde 2013, nas discussões sobre o atual Plano Nacional de Educação (PNE), setores conservadores tentam retirar a discussão de gênero das escolas, as comunidades escolares, especialmente estudantes, nunca deixaram de pautar e reivindicar as agendas que consideram primordiais no ambiente escolar, ainda que encontrem resistência. Prova disso são as formações de redes contra a censura na educação e as muitas iniciativas estudantis que seguem demandando discussões sobre gênero, raça e sexualidade para promover o respeito com todas as pessoas, prevenir violências e avançar na melhoria da qualidade educacional.
Algumas dessas iniciativas se inscreveram e foram contempladas pelo Edital “EM LUTA – Estudantes por um Ensino Médio de Qualidade!”, promovido pelo projeto Tô no Rumo, da Ação Educativa, em 2022. Nelas, estudantes da grande São Paulo receberam apoio para levar suas demandas para a escola pública: organizaram palestras, oficinas, slams e debates, muitas vezes sem o apoio da diretoria ou coordenação pedagógica. E reafirmaram que escola é sim um espaço para combater o racismo, sexismo e a LGBTfobia.
O projeto “Lute como uma garota” é um exemplo da persistência das estudantes. Duas alunas do terceiro ano do Ensino Médio, com base em experiências pessoais e de outras meninas dentro da escola, viram a urgência de debater e combater o assédio sexual e moral, principalmente contra jovens negras. Em 2022, conseguiram organizar 3 dias de palestras sobre gênero, raça e sexualidade, realizadas por uma facilitadora externa, além de fazer intervenções pela escola (no Jardim Varginha/SP) com informações sobre legislação e sobre como procurar ajuda em caso de violência, inclusive psicológica.
“Dar início ao projeto foi bem difícil, e acabamos atrasando porque a direção, apesar de formalmente apoiar o projeto, resistiu muito. Nós apresentamos o projeto em todas as reuniões com os professores, além da direção, e o diretor não estava presente para apoiar. Mas depois que conseguimos realizar a primeira palestra correu com mais facilidade”, relata Bianca*, de 18 anos, uma das idealizadoras do “Lute como uma garota”.
Em contrapartida, tanto as alunas e alunos impactados pela iniciativa como o corpo docente demonstraram grande aceitação. “A resistência veio justamente daqueles que praticavam assédio, mas foi uma minoria”, conta Bianca. Os três dias de oficina, segundo ela, fomentaram e muito a discussão sobre assédio na escola – um problema que partia de professores ou funcionários contra alunas, mas também de alunos contra professoras. A questão era tão presente na escola que até mesmo alunos do ensino fundamental fizeram parte do projeto (as conversas com esse público tiveram linguagem e conteúdo adaptado para a faixa etária e etapa). Uma intervenção que se mostrou tão necessária que mesmo que as idealizadoras do projeto tenham concluído o Ensino Médio em 2022, a comunidade escolar se movimenta para dar seguimento ao “Lute como uma garota”.
Já em uma escola estadual de Sumaré, quatro estudantes do segundo ano do EM interviram para trazer discussões de autoconhecimento e educação sexual para os colegas. “Percebia que a falta de autoconhecimento e de conhecimento sobre essas questões estava atrapalhando as relações sociais dentro da escola. Notamos que no local onde mais temos interações sociais, éramos reprimidos”, lembra Julia*, que idealizou o projeto “Em busca do seu eu”. A iniciativa tinha o objetivo de falar abertamente sobre raça, igualdade de gênero, orientação sexual, capacitismo e temas correlatos, a fim de acolher estudantes, trabalhar a autoestima e incentivar uma cultura de respeito e de combate a preconceitos e discriminações.
Neste caso, planejar foi a parte fácil. Difícil foi vencer a resistência de pais e responsáveis em tocar no assunto. Foram, por exemplo, veementemente contra a distribuição de um kit de prevenção a ISTs e gravidez, e conseguiram vetar a iniciativa. Ou melhor, a própria escola achou melhor vetar com medo das represálias. “Tivemos que ter esse cuidado por conta da resistência da comunidade escolar, que não permitiu que fizéssemos tudo que estava originalmente previsto”, conta Julia. Ela, que inscreveu mais de um projeto no Edital, conta que o “Em busca de seu eu”, por tratar de temas tabus, era sempre visto com algum medo, desconfiança ou “pé atrás”. Mas ainda foi possível concretizar várias ações: levaram uma psicóloga para falar com as/os/es estudantes, fizeram gincanas de autoconhecimento, trabalharam as emoções, realizaram uma intervenção artística e distribuíram a cartilha “Por que discutir gênero na escola?”.
“A palestra da psicóloga foi muito boa, especialmente porque fazia tempo, por conta da pandemia, que não tínhamos essa atividade presencial. No fim, tanto estudantes como familiares gostaram. A apresentação da artista Lila May foi muito interativa, e foi seguida por uma roda de conversa sobre como as mulheres são tratadas na sociedade e na escola”, relembra Julia. A estudante, agora no último ano do Ensino Médio, avalia que o projeto foi bem-sucedido com base no retorno das/dos/des jovens e também da equipe da escola, que, segundo ela, começou a tocar mais nestes assuntos. O professor de biologia do Ensino Médio, por exemplo, viu na iniciativa a deixa perfeita para falar de educação sexual e prevenção a ISTs nas aulas. “Mostramos que dá para abordar um assunto ‘pesado’ para a comunidade escolar. Faltava alguém colocar a ideia na mesa para as pessoas abraçarem”, resume a estudante.
Essa conclusão vai inteiramente ao encontro do que mostrou a pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, realizada em 2022 pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e coordenada pela Ação Educativa e pelo CENPEC. Os resultados deste amplo estudo, que ouviu mais de 2.000 pessoas de 16 anos ou mais em todas as regiões do país, mostram que, na verdade, a população brasileira apoia a discussão sobre gênero, raça e sexualidade na escola, bem como tem opiniões progressistas em relação à militarização das escolas e à educação religiosa. Por exemplo, sete em cada dez entrevistados acreditam que a escola está mais preparada que os pais para explicar temas como puberdade e sexualidade, e nove em cada dez concordam que a discriminação racial deve ser debatida pelos professores. Quase 90% de quem respondeu à pesquisa concorda com a discussão sobre desigualdades entre homens e mulheres e quase 80% concorda que os pais não devem ter o direito de tirar seus filhos da escola e ensiná-los em casa. E o apoio da população à abordagem da igualdade de gênero e da educação sexual se torna ainda maior quando esse termo é concretizado em questões como o enfrentamento ao abuso sexual contra crianças e adolescentes e a violência contra mulheres.
“Uma das grandes contribuições da pesquisa é evidenciar o poder da vivência cotidiana para tensionar e, muitas vezes, desmontar discursos conservadores”, ressalta Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP/SP que coordenou a pesquisa pela ONG Ação Educativa e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala. “Na perspectiva da educação popular, constatamos que quando aterrissamos o debate em experiências das pessoas em suas famílias e comunidades, as posições muitas vezes mudam. Posições contrárias às agendas de direitos humanos são repensadas quando se ativa casos concretos que mostram como, por exemplo, a educação sexual integral tem um papel decisivo na prevenção de casos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Há complexidade, contradições e brechas que favorecem a retomada e o fortalecimento de uma agenda comprometida com a educação em direitos humanos, uma educação em prol da igualdade de gênero, raça e sexualidade, que estimule uma perspectiva crítica frente às nossas profundas desigualdades e à história autoritária e violenta do país”, completa.
O projeto “Diversidade e inclusão na prática: educação igualitária e de qualidade para todos”, executado em uma escola em Poá/SP, é ilustrativo dessa complexidade. Proposto pelo coordenador pedagógico em parceria com alunas do segundo ano do ensino médio, tinha como objetivo promover a reflexão da comunidade escolar sobre temas urgentes como racismo, homofobia, diversidade de gênero, inclusão, violência, intimidação, saúde mental e qualidade da educação, especialmente considerando o contexto de retorno às aulas presenciais pós pandemia de COVID-19 e da reforma do Ensino Médio. Mais uma vez, familiares e responsáveis se opuseram à iniciativa, que tinha boa aceitação entre os corpos docente e discente. A tentativa de coação chegou a tal ponto que o projeto foi “denunciado” para o mandato da deputada Carla Zambelli, que enviou um e-mail para a escola acusando-a de “ideologia de gênero” e de tentar “doutrinar” estudantes. Felizmente, a escola não embarcou na tentativa de represália e o projeto seguiu mesmo assim.
“Nós pensamos no projeto para tentar abrir a cabeça dos alunos, para ter uma visão mais abrangente sobre o que é viver em sociedade”, define Patrícia*, uma das idealizadoras do projeto. “Tínhamos muitas denúncias de brincadeiras de mau gosto ou ações violentas contra alunos da comunidade LGBTQ, por exemplo. E achamos que um dos motivos disso é a falta de informação ou de iniciativa da escola de ensinar sobre isso”, explica ela, que ressalta que nenhuma dessas agendas constava na nova grade da escola de acordo com o Novo Ensino Médio. “Esse modelo está sendo horrível. O que vemos é só uma sobrecarga dos professores, isso quando há professores. Eu escolhi o percurso de artes, mas não tive uma única aula de artes no ano porque não havia professores. Tentaram colocar mais coisa onde não se tem o básico”, critica.
Neste contexto, as ferramentas encontradas pelo projeto para suscitar o debate foram a realização de palestras participativas, uma excursão até a USP e uma batalha de slam – com participação de uma slammer LGBT convidada para disparar a reflexão, intervenção que deu tão certo que não se encerrou com o projeto. As denúncias de agressão dentro da escola diminuíram, alguns alunos pediram desculpas por comportamentos passados e, segundo Patrícia, algumas “piadas” ou “brincadeiras” pararam.
Ou seja, mesmo em contextos adversos é possível pensar em soluções e iniciativas para discutir temas urgentes na escola – e as estudantes mostram que querem falar sobre isso. E que tais intervenções podem sim fazer a diferença. Como ressalta Denise Carreira, da FEUSP e rede Malala, “os coletivos e movimentos juvenis têm sido decisivos por alimentar esse debate no cotidiano escolar, pressionando às escolas, às universidades e às políticas educacionais a transformarem seus currículos. Têm sido decisivos por empurrar estas agendas pra frente em um contexto adverso, caracterizado por ataques diversos à laicidade de Estado e pela censura e grande autocensura nas escolas. Precisamos que a política educacional reconheça as demandas, as propostas e acúmulos juvenis e estudantis, em articulação com o estímulo e a valorização de experiências promovidas por coletivos docentes, com a urgente retomada de políticas de formação para profissionais de educação sobre essas agendas. A política educacional precisa enfrentar a atmosfera de medo e insegurança nas escolas, decorrente da ação de grupos ultraconservadores, afirmando a necessidade fundamental da retomada e fortalecimento do debate sobre gênero, raça e sexualidade em creches e escolas”.
*Os nomes das estudantes foram alterados para sua proteção.
Ao fim do governo Bolsonaro, livro reflete sobre resistências à ofensiva ultraconservadora na educação
O livro reúne 20 artigos que falam sobre o enfrentamento da censura na educação e compartilha estratégias para o fortalecimento de redes que atuam contra o ultraconservadorismo.
22 de dezembro de 2022
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São Paulo, dezembro de 2022 – A Ação Educativa, por meio do projeto Gênero e Educação, está lançando o livro Gênero e Educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação, uma coletânea com 20 artigos inéditos dedicados a ampliar a compreensão sobre o fenômeno ultraconservador na educação e refletir sobre diferentes estratégias de resistência da sociedade civil nos últimos anos.
Os textos abordam a atuação recente da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, coordenada pela Ação Educativa e composta por organizações de educação, direitos humanos, feministas, negras, LGBTQIA+, sindicais, acadêmicas, do campo religioso progressista dedicada à incidência contra os ataques crescentes às escolas e às políticas educacionais. A publicação reflete ainda as ações da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, que reúne 11 ativistas de organizações apoiadas pelo fundo criado pela Nobel da Paz Malala Yousafzai. O livro, em formato digital, está disponível para download gratuito no link: http://bit.ly/livrogeneroeeducacao2022.
Governo ultraconservador
Nos últimos anos, a educação tem sido alvo de uma ofensiva que ataca as liberdades constitucionais, promovendo censura e perseguições nas escolas. Fazem parte desse fenômeno legislações e projetos de lei que visam proibir a abordagem em sala de aula de gênero, raça, sexualidade e de temas considerados políticos, a defesa do ensino domiciliar (homeschooling), a militarização de escolas, o proselitismo religioso, entre outros aspectos. Essa ofensiva, juntamente com os cortes no financiamento da educação e com a ausência de políticas adequadas para o enfrentamento da pandemia de covid-19, tem aprofundado as desigualdades educacionais, afetando principalmente garotas, a população negra, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.
No livro, são apresentadas histórias e estratégias de resistência da sociedade civil a esse quadro, incluindo a produção de dados e pesquisas, a incidência junto ao Congresso Nacional e ao Sistema de Justiça – que resultaram nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal em 2020 que atestaram a inconstitucionalidade de leis de censura na educação – e as redes de apoio e solidariedade nos territórios.
“Resistir nesses últimos anos já é uma vitória, mas também conseguimos impedir retrocessos ainda piores. Chegamos ao fim desse ciclo terrível do governo Bolsonaro sabendo que ainda há muito trabalho a ser feito para a garantia do direito à educação, mas também com muita esperança”, afirma uma das organizadoras do livro, Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP, integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil e que coordenou a Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação até 2022.
Livro Gênero e Educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação
Organização: Denise Carreira e Bárbara Lopes
Autoras/es: Ação Educativa, Ana Paula Ferreira de Lima, Andréia Martins, Andressa Pellanda, Bárbara Lopes, Benilda Brito, Breno Barlach, Cenpec, Cesop/Unicamp, Cleo Manhas, Denise Carreira, Denise Dora, Fabiana Vencezlau, Fabrício Marçal Vilela, Fernanda Moura, Fernanda Vick, Givânia Maria da Silva, Heleno Araújo Filho, Ingrid Viana Leão, Isadora Castanhedi, Jaqueline Lima Santos, Juliana V. dos Santos, Laura Varella, Lígia Ziggiotti de Oliveira, Lorena A. do Carmo, Lucas Moraes Santos, Lúcia Udemezue, Marcelle Matias, Márcio Alan Menezes Moreira, Marco Aurélio Máximo Prado, Maria das Graças da Silva, Maria Diva da Silva Rodrigues, Maria Luiza Süssekind, Rafael dos Santos Kirchhoff, Renata Aquino, Salomão Ximenes, Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, Sara Wagner York, Sonia Corrêa e Suelaine Carneiro.
Sobre a Ação Educativa
Criada em 1994, é uma organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, com uma trajetória dedicada à luta por direitos educativos, culturais e da juventude. Desde a sua fundação, integra um campo político de organizações e movimentos que atuam pela ampliação da democracia com justiça social e sustentabilidade socioambiental, pelo fortalecimento do Estado democrático de direito e pela construção de políticas públicas que superem as profundas desigualdades brasileiras, bem como pela garantia dos direitos humanos para todas as pessoas. Desde 2018, a linha de ação Gênero e Educação da Ação Educativa é apoiada pelo Fundo Malala (www.generoeeducacao.org.br). A organização coordena a Articulação em Defesa do Direito à Educação e contra a Censura nas Escolas, entre outras redes.
Contato para imprensa Bárbara Lopes | Coordenadora do projeto Gênero e Educação barbara.lopes@acaoeducativa.org.br | 11 95796-5224 (WhatsApp)
Rede de Ativistas do Fundo Malala no Brasil mobiliza governos a priorizar educação em 2023
Em ano de eleições, a Rede Malala lançou um manifesto liderado por meninas e mobilizou candidaturas a priorizarem o direito à educação nos planos de governo. Confira a retrospectiva da atuação da Rede neste ano.
15 de dezembro de 2022
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A Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil (Rede Malala) tem somado esforços para promover o debate sobre as desigualdades educacionais no país e para garantir que o direito à educação de meninas seja prioridade nos planos de governo.
Formada por 11 ativistas de organizações apoiadas pelo Fundo Malala, a Rede desenvolveu ao longo do ano um projeto coletivo que estimulou adolescentes de 16 e 17 anos a tirar o título de eleitora e culminou com a construção de uma Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022, assinada por mais de 500 candidaturas nacionais e estaduais, e do Manifesto #MeninasDecidem, elaborado por um comitê de jovens de todas as regiões do país.
“As meninas no Brasil enfrentam múltiplas barreiras para ter acesso a esse direito humano básico que é a educação, como falta de qualidade do ensino, gravidez precoce e condições socioeconômicas. Para estimular melhores resultados, líderes do Brasil devem ouvir as demandas das meninas”, disse a Nobel da Paz Malala Yousafzai em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, que fez uma reportagem especial sobre a atuação da Rede Malala no Brasil.
“Nós, do Fundo Malala, acreditamos que é por meio de redes e da colaboração que podemos promover mudanças e pressionar por mudanças em políticas públicas. A Rede Malala elaborou, de forma coletiva, estratégias para colocar a educação como prioridade para os próximos anos, uma educação antirracista, antissexista e que combata as desigualdades e respeite a diversidade das meninas”, diz Maíra Martins, representante do Fundo Malala no Brasil.
A Rede Malala atua em defesa da educação pública de qualidade e com financiamento adequado, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas. Inspirado pelas raízes de Malala e Ziauddin Yousafzai como ativistas locais no Paquistão, o Fundo Malala estabeleceu em 2017 a Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) para investir, apoiar o desenvolvimento profissional e dar visibilidade ao trabalho de mais de 80 educadores de oito países (Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia) que trabalham a nível local, nacional e global em defesa de mais recursos e mudanças políticas necessárias para garantir o direito à educação das meninas.
Em 2023, as #MeninasDecidem
Os esforços da Rede Malala para pautar a educação de meninas nas eleições de 2022 começaram em abril com a campanha #MeninasDecidem, que incentivou garotas de 16 e 17 anos a emitir o título de eleitora e votar. A campanha contou com materiais informativos para as redes sociais e a participação da artista pernambucana Nanny Nagô, que compôs a música “Meninas Decidem”, incentivando jovens a decidir o seu futuro nas urnas.
Ativistas da Rede Malala também realizaram atividades presenciais em seus territórios para estimular meninas a tirar o título. Por meio do projeto Meninas em Movimento pela Educação, em parceria com a Rádio Mulher, o Centro das Mulheres do Cabo (CMC) mobilizou meninas de Cabo de Santo Agostinho (PE) a se registrarem para o voto. Em Mirandiba, com o projeto EDUCQUILOMBO, o Centro de Cultura Luiz Freire fez um mutirão de inscrição da população jovem para retirada do título de eleitor e organizou diálogos com lideranças quilombolas e famílias sobre a importância do voto.
Em junho, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, junto com seu Comitê Diretivo, e a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, lançaram a Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições de 2022, em evento público na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O documento propõe um pacto por uma educação pública equitativa e de qualidade nos próximos governos e legislaturas e reúne 40 pontos com ações para garantir financiamento adequado à educação e o combate às desigualdades
A Carta foi assinada por 504 candidatas/os de todas as regiões do país. Das candidaturas que assinaram a Carta Compromisso, 315 (62,5%) foram eleitas no primeiro turno e quatro (0,8%), no segundo.
Desde o fim das eleições, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, junto com seu Comitê Diretivo, e a Rede Malala realizam diálogos regionais com as candidaturas eleitas que assinaram a Carta Compromisso para discutir meios de incorporar a pauta da educação de meninas nos planos de governo. Todos os encontros serão concluídos ainda em dezembro. Em 2023, a Rede dará início ao processo de monitoramento dos primeiros 100 dias de governo para garantir que signatários da Carta cumpram com os 40 pontos descritos no documento.
“Trazemos um conteúdo bastante transformador, com compromissos de revogação da EC 95, do Teto de Gastos, e da Reforma do Ensino Médio, por exemplo. Ter mais de 500 assinaturas de todo o espectro político demonstra a força nacional e legitimidade pública da nossa Rede, assim como dá sinais de virada do cenário para a retomada de compromissos constitucionais e para com os direitos humanos”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e integrante da Rede Malala.
Manifesto #MeninasDecidem
Em agosto, no mês da juventude, a Rede lançou o Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação, endossado por Malala. O documento elaborado por um comitê de 20 meninas de diferentes regiões do Brasil traz as demandas para a educação de meninas negras, indígenas, quilombolas, do campo, das periferias, trans, travestis e com deficiência.
Comitê foi por meninas de diferentes regiões do Brasil: Lua Quinellato, Maria Clara Silva, Rhaynnara Borges, Carolaine do Nascimento, Mel Kaimbé, Maria Viviane Lima, Julia de França, Vitória Souza, Bia Diniz, Maria Clara Tumbalalá, Angel Queen, Ana Luiza Roque, Hellen Sharen Pataxó e Atikum, Maria Eduarda Moreira, Shayres Pataxó, Thalita Nogueira,Amanda Andrade, Lorena Bezerra, Glenda Teixeira e Lorrane Macedo – Edição de Imagem: Nina Vieira
“Tudo que queremos é uma educação de qualidade. A gente não quer só ter que sair das favelas, a gente quer que a educação chegue em todos nós, principalmente nós, meninas”, disse Thalita Nogueira, umas das jovens autoras do Manifesto, em entrevista ao Fantástico.
O lançamento foi realizado na Defensoria Pública da União (DPU) de Recife com a presença de meninas do comitê, integrantes da Rede Malala e a diretora do Programa de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, Miriam Kirubel.
As meninas construíram o documento em encontros formativos, em que compartilharam suas experiências e de outras meninas de seus territórios. Os encontros foram mediados pelas ativistas da Rede Malala, que organizaram os encontros com temáticas sobre direitos humanos, protagonismo juvenil e desigualdades educacionais.
Em agosto, no mês da juventude, o Manifesto #MeninasDecicem foi lançado Defensoria Pública da União (DPU) de Recife – Créditos: Fundo Malala
U-Report Brasil e demandas para a educação
Na sequência do lançamento do Manifesto #MeninasDecidem, a Rede Malala convidou adolescentes e jovens a apresentarem suas demandas e prioridades para a educação pelas redes sociais.
Em parceria com a plataforma U-Report Brasil, do UNICEF, a Rede também lançou uma enquete, em outubro. A pesquisa mostra que 84% das meninas concordam que a agenda da educação foi decisiva na escolha de candidatas/os no segundo turno das eleições. Os dados obtidos por meio do chatbot do programa U-Report não possuem precisão estatística para configurar uma pesquisa nacional com critérios de amostra.Desenvolvido pelo escritório de inovação do UNICEF no Quênia e executado no Brasil pela ONG Viração Educomunicação, o programa engaja adolescentes e jovens brasileiros a opinarem sobre diversos assuntos e acessarem conteúdos educativos.
Para 63% das jovens participantes (779, 99% delas meninas), a escola não possui uma estrutura de qualidade e para 39%, a estrutura é (ou era, para as que já concluíram os estudos) razoável. Para 16% delas, a estrutura escolar é insuficiente e 7% a consideram péssima. Com relação à diversidade, quando perguntadas se a escola respeitava sua identidade ou cultura, 54% das meninas responderam positivamente. Já 29% consideram que a escola respeitava razoavelmente, 11% poucas vezes e 5% responderam que não. A maioria das respondentes foram meninas negras (73%).
Somadas as devolutivas obtidas via chatbot da U-Report e pelas redes sociais da @redemala, a campanha contou com mais de 830 respostas de jovens sobre a educação no Brasil que, em sua maioria, pediam pela melhoria na qualidade de ensino, por escolas com estruturas adequadas, mais inclusivas, que combatam as discriminações e que abordam em seus currículos política, culturas, arte e história.
Governo de transição e agendas para 2023
Com o resultado das urnas definido, Givânia Silva, co-fundadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e integrante da Rede Malala, foi convidada em novembro para integrar o grupo técnico da área de Igualdade Racial da equipe de transição do governo federal. “Compor a equipe de transição é um desafio, mas também é a certeza da responsabilidade do nosso trabalho para que os novos integrantes do governo possam dar sequência, junto com o presidente Lula, às políticas de combate ao racismo e às desigualdades no nosso país”, disse em entrevista à CONAQ.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com a representação de sua coordenadora geral e integrante da Rede Malala Andressa Pellanda, fez sugestões ao gabinete de transição, defendendo a retomada da centralidade do PNE como espinha dorsal das políticas educacionais brasileiras, a aprovação do Sistema Nacional de Educação tendo como parâmetro o CAQ (Custo Aluno-Qualidade) e a implementação de medidas que fortaleçam a educação inclusiva e antidiscriminatória.
A Campanha articulou contribuições ao GT, feitas por entidades de seu Comitê Diretivo e de articulações das quais a Campanha faz parte, resultando em um documento de 588 páginas. Uma planilha com alertas, sugestões, revogações e medidas prioritárias enviada ao GT por Daniel Cara, professor da FE-USP e dirigente da Campanha que compõe o GT, teve colaborações de Andressa Pellanda e outros pesquisadores da Rede da Campanha, como Catarina de Almeida Santos, Fernando Cássio e Salomão Ximenes, entre outros. Um destaque das contribuições foi o relatório exploratório sobre a extrema-direita e ataques a escolas, que lista estratégias de ação governamental para evitar atentados a escolas no Brasil. O documento foi organizado por Daniel Cara e produzido por outras 12 pesquisadoras, entre elas Andressa Pellanda.
A Rede Malala também entregou uma carta à equipe de transição do governo federal denunciando o fenômeno da censura na educação, estimulado pelo governo atual nos últimos anos através de perseguições de profissionais de educação, estudantes, gestões educacionais e cerceamento de escolas e universidades. O documento apresenta medidas para o novo governo promover o fortalecimento dos direitos humanos nos ambientes educacionais. A carta pública endossa a retomada da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), a reconfiguração do Conselho Nacional de Educação (CNE) e a necessidade de implementação das diretrizes para a Educação para as Relações Étnico-Raciais, Educação Escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola, além do fortalecimento das políticas de ação afirmativas e de programas de formação docente comprometidos com a igualdade de gênero e aspectos de raça e sexualidade.
Cinco ideias para falar sobre direitos humanos em sala de aula
A partir da perspectiva de gênero, planos de aula e sequências didáticas trazem formas para trabalhar a temática em diferentes disciplinas e etapas de ensino. Confira!
14 de dezembro de 2022
Autor: Helisa Ignácio
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No dia 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um marco para a história dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, o documento foi redigido a muitas mãos e estabelece a proteção universal de tais direitos a todos os povos. Tem como fundamentos básicos a liberdade, a justiça e a paz no mundo.
Dois anos depois, em 1950, a Declaração é oficializada e cria-se, assim, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. A data se torna, então, um momento para celebrar as conquistas e também para denunciar retrocessos e pautar a necessidade de avanços. É também momento de reafirmar que o trabalho para a garantia dos direitos humanos é de toda sociedade: indivíduos, governos, organizações.
E como trabalhar com a temática em sala de aula a partir da perspectiva de gênero? Separamos algumas ideias para inspirar práticas pedagógicas em todas as etapas de ensino – desde a educação infantil até o ensino médio – passando por disciplinas variadas. Confira abaixo:
O plano de aula para crianças de cinco anos tem como objetivo promover discussões e reflexões sobre lugares de gênero e como afetam as escolhas no dia a dia, e também sobre como lidar com as diferenças de forma respeitosa e dialogada. Confira aqui.
Pensado para a educação infantil, o plano de atividade tem como principais objetivos possibilitar que as crianças não só explorem o universo das cores e composições cromáticas, mas que conheçam, de maneira lúdica, a temática de orientação sexual e identidades de gênero, bem como o movimento LGBTQIAP+ e também as diversas composições familiares. Saiba mais detalhes aqui!
Este plano de aula de matemática vale para Ensino Fundamental II tanto para educação regular quanto para educação de jovens e adultos. Por meio da matemática, a ideia é promover uma análise crítica sobre a participação política e discutir as desigualdades enfrentadas por mulheres e pessoas negras em cargos de decisão. Confira o plano completo aqui!
Para ser utilizado nas disciplinas de Geografia, História e Língua Portuguesa, o plano de aula Fala, Mulher é para educação de jovens e adultos. Seus principais objetivos são conhecer, registrar e valorizar as experiências das alunas, por meio de relatos, bem como reunir, por meio de pesquisas, histórias de mulheres que viveram em outros contextos espaço-temporais, ressaltando as dimensões de gênero, étnico-raciais e de classe social. Leia o plano na íntegra.
A sequência didática com oito aulas de História e Sociologia para educação de jovens e adultos. Tem como proposta promover a compreensão histórica da escravidão no Brasil e suas consequências nos dias de hoje, trazendo para a discussão questões de gênero e raça, violência policial e outras formas de violência ocasionadas pelo racismo. Confira todas as informações aqui!
Ilustração: Barbara Quintino (@Barah.ilustra)
Edital Igualdade de Gênero: confira nova lista de planos disponíveis
Desde 2020, o Edital vem buscando promover experiências de profissionais da educação sobre igualdade de gênero nas escolas. A segunda lista de planos aprovados da última edição segue disponível no site Gênero e Educação.
25 de novembro de 2022
Autor: Marcelle Matias
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Em celebração ao Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, o projeto Gênero e Educação disponibiliza 13 novas propostas pedagógicas publicadas em seu Banco de Planos público. Aprovadas durante o Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2022, as últimas propostas estavam sob revisão e receberam recomendações do Comitê de Seleção para complementação e ajustes.
A fim de reunir e divulgar mais propostas focadas no trabalho com crianças e adultos, a segunda edição do Edital convidou profissionais, grupos de pesquisa, coletivos e organizações a construírem e inscrevem planos de aulas, planos de atividade, práticas cotidianas, sequências didáticas ou relatos de experiência sobre atividades comprometidas com a igualdade de gênero na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos.
Confira a lista das novas propostas que já estão no site Gênero e Educação:
Educação Infantil
Construção de gênero: narrativas de crianças dançantes Virginia Costa Alves
O Cravo brigou com a Rosa: repensando as relações de gênero na cantiga de roda Renata Santos Pedreira
Beleza, gênero e criança quilombola: infância sem preconceito no Quilombo Catucá – Bacabal/MA Vanderlucia Cutrim de sousa
Meninas também jogam futebol Nathalia Cristina Servadio
Pipo e Fifi: conhecer para prevenir Cristiane Pereira Lima e Léia Teixeira Lacerda
Uma profissão para uma princesa Daniela Maria Granja Peixoto
Era uma vez… uma pessoa – introdução aos direitos humanos numa perspectiva de gênero Glauce Stumpf
Arco-Íris, Cores e Afetos Luciana Lage de Souza
Educação de Jovens e Adultos
A importância das aulas de inglês na desconstrução da desigualdade de gênero Jussara Barbosa da Silva Gomes e Larissa de Pinho Cavalcanti
Identidade: Quem sou Eu? Quem somos nós Severino Alves Reis
Desigualdade de Gênero e Teatro do Oprimido: (re) escrevendo narrativas. Elisângela Cristina Siqueira de Melo
Fanzine como potência educativa no combate à violência doméstica Marcielly Cristina Moresco
Contracepção: Responsabilidade Compartilhada Maíra Mello Rezende Valle e Daiany Assunção de Sá
Sobre o Edital Igualdade de Gênero
O Edital teve seu início em 2020, convidando escolas, universidades, organizações da sociedade civil, coletivos juvenis, movimentos sociais e profissionais de educação de todo o país a enviarem planos de aula, planos de atividade, projetos interdisciplinares e sequências didáticas didáticas. Em seu lançamento, o Gênero e Educação contou com mais de 270 inscrições.
Com inscrições abertas em novembro de 2021, a segunda edição do edital focou na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos. Foram recebidas mais 80 propostas, das quais 26 foram aprovadas pelos Comitê de Seleção para integrarem o banco de planos de aula do Gênero e Educação.
Assista a cerimônia de reconhecimento público das propostas criativas do Edital de 2022:
Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2022 – Cerimônia de Reconhecimento Público
Vem aí: Edital Igualdade de Gênero 2023
Agora, o Banco de Planos conta com mais de 120 propostas disponíveis para download em PDF gratuito.Em março de 2023, estará aberto o período de inscrições para a terceira edição do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica. Desta vez, escolas, universidades, organizações da sociedade civil, coletivos juvenis, movimentos sociais e profissionais da educação de todo o país poderão participar enviando propostas de atividades pedagógicas e relatos de experiência voltados para toda a educação básica – da educação infantil até o ensino médio – e que estejam comprometidas com a igualdade de gênero nas instituições de ensino.