Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2022: conheça as propostas selecionadas

Segunda edição do edital focou na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos. Reconhecimento público das propostas mais criativas foi realizado no dia 5 de abril.

Ilustração de plano de aula do edital Igualdade de Gênero na Educação Básica. Na imagem há microfones, fones de ouvido, representações de som e balões de fala. Ilustradora: Barbara Quintino.

Em novembro de 2021, a Ação Educativa, com apoio do Fundo Malala e em aliança com mais de 50 entidades comprometidas com o direito à educação, lançou a segunda edição do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica, com foco na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos. 

Esta segunda edição teve como objetivo estimular a construção e a divulgação de planos de aulas, planos de atividade ou de práticas cotidianas, sequências didáticas e relatos de experiência comprometidos com a igualdade de gênero. Foram recebidas 80 propostas, das quais 26 foram aprovadas pelos Comitês de Seleção e passam a integrar o acervo do banco de planos de aula público da Gênero e Educação, estando disponíveis para download gratuito. 

“O edital é uma iniciativa de resistência aos ataques à agenda de gênero, raça e sexualidade, mas também é uma iniciativa de esperança, de anúncio de possibilidades e de valorização de experiências criativas que vêm acontecendo”, destacou Denise Carreira, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil.

Das 26 propostas aceitas, oito foram reconhecidas em cerimônia virtual no dia 5 de abril por sua originalidade e criatividade. Elas vêm de diferentes regiões do país e abordam temas diversos, valorizando a perspectiva interseccional entre gênero, raça e sexualidade. Como pontuou Denise Carreira, “abordar igualdade de gênero na escola é fundamental para uma educação que cuida e protege. Não é uma ameaça à educação, é condição para educação de qualidade no país”. 

Tanto as propostas para Educação Infantil como as de Educação de Jovens e Adultos (EJA) utilizaram recursos e ferramentas adequadas às suas respectivas modalidades. Isto é, foram desenvolvidas pensando na faixa etária e contexto de vida das e dos educandos. Por exemplo, atividades lúdicas e leves na Educação Infantil, ou debates e valorização das histórias de vida das educandas da EJA. 

A cerimônia de reconhecimento público contou com a presença de Maíra Martins, representante do Fundo Malala no Brasil, que apoiou a segunda edição do edital, além de integrantes dos comitês de seleção. Míghian Danae, professora da UNILAB e parte do comitê de seleção da educação infantil, reforçou a importância das propostas envolverem toda a comunidade escolar para abordar igualdade de gênero e suas intersecções com raça e sexualidade, e afirmou que os temas são muito importantes “pois colaboram para desnaturalizar a infância como um lugar perfeito e universal, como se todas as crianças tivessem a mesma experiência”. “O edital nos convida a fazer perguntas juntos com as crianças”, disse ela. 

Conheça as oito propostas reconhecidas publicamente como mais criativas e engajadoras nesta edição do edital:

Educação Infantil

“Quem dança, os preconceitos espanta: o balé como uma dança de todas e todos”
de Tânia Maria, Mila Nayane, Sandra Gadelha e Claudiana Alencar.

Esse relato de experiência educativa descreve uma atividade lúdica realizada em uma escola pública da zona rural do município de Russas (CE) voltada a desconstruir estereótipos de gênero por meio do balé. A ideia surgiu após observação das docentes de que as crianças daquela faixa etária interagiram livremente com o balé, sem compreendê-lo como uma atividade exclusiva para um gênero. A partir dessa provocação, veio a iniciativa de transportar a experiência para as casas das crianças, de maneira a aproximá-la também das famílias e propor a reflexão a respeito do balé como uma dança plural e não restrita a meninas.

As atividades, realizadas durante o ensino remoto, convidavam crianças e suas famílias para dançarem a música “A Bailarina”, de Lucinha Lins, que despertou a ideia da proposta. Também evidenciavam o balé como um estilo de dança reconhecida em todo o mundo, com muitos benefícios, e uma atividade que pode ser praticada por pessoas de qualquer gênero.

As proponentes destacam que gênero e sexualidade estão na escola, mesmo que não estejam sendo mencionados. “Isso significa dizer que nós docentes e pesquisadoras/es temos que entender que o nosso papel é de mediar e problematizar de modo adequado e crítico tais aspectos que compõem a vida de todas, todos e todes”, dizem no relato.

“Conhecendo uma astronauta negra: representatividade, histórias e brincadeiras”, de Paula Teixeira Araújo

Essa proposta foi elaborada coletivamente com o intuito de possibilitar que as crianças de escolas públicas possam brincar com temas de ciência e tecnologia a partir de uma perspectiva em que todos se sentissem protagonistas. Consistiu em apresentar a história da primeira astronauta negra a ir ao espaço, Mae Carol Jemison, de maneira lúdica, utilizando ferramentas como a contação de histórias, fantoches, roda de conversas e leituras de imagens. 

As três intervenções articulam raça e gênero para trabalhar com crianças pequenas a partir das linguagens da infância. A primeira etapa apresentou o fantoche inspirado em Mae Carol Jemison. As etapas seguintes, prezando pela criança como sujeito participante do processo, consistiram na confecção de um protótipo de foguete com materiais de baixo custo e com um momento final de brincadeira com o recurso confeccionado. A história da astronauta foi norteadora por reconhecer a importância de contar e ouvir histórias para a formação das identidades, e a cada dia as crianças foram convidadas a relembrar sua história, utilizando de diferentes estratégias metodológicas, e experimentar uma atividade prática e lúdica relacionada à viagem espacial. As reflexões acerca das relações de gênero foram suscitadas a partir de questões elaboradas pelas equipe e pelas próprias crianças.

“Brincadeiras infantis: possibilidades de tecer diálogos com as famílias e crianças sobre as relações de gênero”, de Andréa Costa

A proposta convida as famílias para brincar com as crianças da Educação Infantil, relembrando brincadeiras de suas infâncias e buscando proporcionar experiências mais equânimes de gênero e valorizar as identidades das crianças. Trabalhando na perspectiva da pedagogia da infância, a atividade foca no brincar e aborda as crianças no contexto da creche, envolvendo também diferentes setores da instituição. A mediação docente auxiliou no processo de suscitar questionamentos e desnaturalizar o “olhar” sobre os padrões constituídos social e historicamente. 

As atividades foram realizadas ao longo de 15 encontros com duração entre 30 e 40 minutos, e entre as estratégias utilizadas estavam: rodas de conversa; caixa (convite); contações de histórias; manuseio de livros literários; desenho e pintura em tecido;  brincadeiras realizadas pelas famílias; exibição do clipe da turma, a partir de imagens e vídeos dos encontros.

Educação de Jovens e Adultos 

“Dandaras que aquilombam a EJA com o uso da gamificação”, de Ariany Lobo

Essa proposta, de abordagem interseccional e metodologia participativa, posiciona as estudantes como protagonistas de suas histórias e da História. Prevê seis aulas de 40 minutos para fazer uma releitura sobre as relações sociais no Brasil, especialmente no que tange a gênero, raça e classe, usando a gamificação como ferramenta pedagógica. 

“A sequência didática parte da necessidade de levar ao conhecimento das educandas de escolas públicas personalidades mulheres e negras que contribuam para o fortalecimento da identidade quilombola, assim como a ciência do legado e história de suas ancestrais e a valorização da cultura local”, resume Ariany Lobo. 

A ideia é que esta proposta ajude as alunas a ampliar seus repertórios sobre a história do feminismo, produzindo estratégias de combate às desigualdades sociais enfrentadas pelas comunidades quilombolas quanto às condições de gênero e étnico-raciais. Além disso, tem o potencial de estimular as estudantes a desenvolver e fortalecer o senso crítico frente a representações midiáticas e de fortalecer o entendimento da escola como um espaço de poder que precisa ser ocupado por pessoas que acreditam no acesso à educação de qualidade para todas

“Projeto Fala, mulher!”, de Marcela Boni Evangelista

O projeto de Marcela Boni Evangelista pretende valorizar o protagonismo das alunas de EJA através de um projeto interdisciplinar, com destaque para as disciplinas de História, Língua Portuguesa e Geografia. Ao longo de um semestre, as alunas são incentivadas a contar suas histórias, que são então registradas e transformadas em documentos/fontes históricas, tendo como suporte metodológico os procedimentos da história oral. Assim, as alunas constroem uma espécie de banco de histórias.Através da metodologia proposta, o plano de aulas pode aproximar estudantes da EJA das práticas historiográficas, bem como criar espaços de compartilhamento de experiências e valorização das histórias de vida dos grupos envolvidos, além de fortalecer atividades de escrita, apresentação e pesquisa, aliados a discussões sobre desigualdades de gênero e raça na História do país. “A ideia é que as participantes possam se entrevistar, se ouvir e divulgar suas trajetórias, valorizando sua diversidade étnica, racial, social e de geração”, explica Marcela.

“O ensino de História através de uma perspectiva de gênero”, de Tarsila Teijeiro

Essa sequência didática, vinda de Campinas/SP, propõe promover o ensino de História através de uma perspectiva de gênero, evidenciando a participação das mulheres enquanto sujeitos históricos, especialmente no Brasil do século XIX, durante o processo de abolição da escravidão. Surgiu da inquietação de Tarsila com o fato de a maior parte do conteúdo de história ensinado no ensino básico ainda ser apresentada majoritariamente a partir da perspectiva masculina. 

Para mudar esse cenário, o ponto de partida é o conto “A Escrava”, de Maria Firmina dos Reis, publicado em 1887, explorado em sete aulas de 50 minutos. Ao trabalhar o conto, evidencia-se a literatura como uma possibilidade de fonte histórica e, sendo esse um conto de autoria feminina, propõe-se uma reflexão de gênero tendo em vista aspectos relativos à vida da autora, ao período em que ela vivia e a elementos de sua obra. 

Nas atividades sugeridas, as alunas e alunos poderão compreender que, apesar das mulheres terem sofrido processos de silenciamento ao longo da História, também foram sujeitos participativos em seus contextos políticos e sociais.

“Mulheres na Sociologia do século XIX: gênero e os temas clássicos da disciplina”, de Verônica Toste, Luna Campos e Raquel Simas

O objetivo do plano didático é olhar além dos autores clássicos em Sociologia e demonstrar o peso e a presença de mulheres na disciplina. A proposta faz isso incluindo três autoras importantes nesse campo de estudos, e que abordam também questões raciais, de gênero, imperialismo e a escravidão. 

“Vimos no edital uma ótima oportunidade para divulgar o trabalho de mulheres sociólogas que temos estudado, pois passamos a nossa formação acreditando que a Sociologia nasceu a partir dos escritos de homens europeus, e a verdade é que a sociologia já nasceu muito mais plural do que costumamos supor. Nosso objetivo é que o lugar delas seja restituído na Sociologia, uma vez que foi apagado, e que os alunos e alunas aprendam desde cedo que mulheres sempre fizeram ciência”, explica Verônica Toste, uma das autoras. 

O plano didático proposto pelas pesquisadoras da UFF está organizado em quatro encontros com duas horas de duração cada, sendo três encontros para trabalhar o pensamento das autoras propostas (Harriet Martineau, Flora Tristan e Anna Julia Cooper) e um para planejamento e execução de atividade avaliativa. As aulas contém exposição e debate e utilizam recursos textuais e audiovisuais. 

“Mais do que uma hashtag, vidas negras importam”, de Robson Ferreira Fernandes

Essa proposta consiste em uma sequência didática que requer 8 aulas de 45 minutos cada. Destinada a alunas e alunos do Ensino Médio da EJA, o objetivo é refletir e problematizar historicamente os acontecimentos do Brasil e do mundo a partir das questões racial, de gênero e classe. 

“Propus uma sequência didática que partiu do meu interesse de compreender que as redes sociais, além de serem lugares que as pessoas podem compartilhar o que estão assistindo, pensando e sentindo, são também onde acabam propondo grandes manifestações como a do Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] que, poucos sabem, mas foi criado por três mulheres. A proposta enfatiza que as vidas negras importam diariamente e em todos os lugares e espaços e pretendo que inspire mais professores e professoras a defenderem uma pedagogia antirracista”, diz Robson. 

Livros, textos, vídeos e outros recursos são os pontos de partida dos debates, que incentivam estudantes a traçar paralelos entre os conteúdos apresentados e refletir sobre o Brasil de hoje e os processos que levaram até esse momento. Entre os temas abordados estão  a diversidade cultural; escravidão negra no Brasil; racismo; direitos e democracia; violência policial com recorte de gênero e raça; feminismo negro; e educação na luta antirracista.