Projeto Fala, Mulher

Estado: São Paulo (SP)

Etapa de Ensino: Ensino Médio

Modalidade: Educação de Jovens e Adultos

Disciplina: Geografia, História, Língua Portuguesa

Formato: Presencial

Sou historiadora formada pela USP, onde também realizei minhas pesquisas de mestrado (sobre mães de internos da Fundação Casa) e doutorado (sobre o tema do aborto). Ambas as pesquisas foram publicadas em livro e e-book gratuito. Sou coordenadora do NEHO-USP (Núcleo de Estudos em História Oral), co-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Gênero e História da USP (GRUPEGH) e diretora executiva do Podcast Segundas Feministas (do GT de Gênero da ANPUH Brasil). Sou professora temporária da Faculdade de Educação da USP na área de Ensino de História e docente de História da Educação Básica.

Objetivos

Objetivo principal:

Conhecer, registrar e valorizar as experiências das alunas da EJA a partir da coleta de relatos com base na metodologia da história oral, bem como reunir, por meio de pesquisas, histórias de mulheres que viveram em outros contextos espaço-temporais, ressaltando as dimensões de gênero, étnico-raciais e de classe social.

Objetivos específicos

  • Aproximar estudantes da EJA das práticas de historiadores/as por meio da produção de registros de narrativas que se tornam fontes históricas. 

  • Propiciar espaços de compartilhamento de experiências e valorização das histórias de vida dos grupos envolvidos.

  • Estimular a pesquisa em diferentes suportes: livros, revistas, jornais, internet.

  • Possibilitar atividades de escrita, leitura e apresentações orais a partir dos materiais coletados.

  • Estimular a discussão acerca das desigualdades de gênero na História brasileira, especialmente na contemporaneidade.

Conteúdo

História: produção de documentos/registro em áudio ou audiovisual a partir dos relatos das alunas da EJA; pesquisa em outras fontes sobre biografias de mulheres que viveram em diferentes momentos históricos; organização de um acervo disponibilizado ao público.

Língua portuguesa: possibilidade de transcrição de trechos das narrativas registradas, estimulando habilidades relacionadas à escrita, leitura e comentários sobre os resultados das pesquisas.

Geografia: incentivo ao mapeamento dos locais de origem, bem como as trajetórias das mulheres (tanto as alunas quanto as pesquisadas por elas).

Metodologia

O presente projeto parte de algumas constatações que apontam para um número significativo de mulheres que cursam salas de EJA o que, de acordo com pesquisas recentes, se deve a diferentes motivações que levam ao abandono escolar naquilo que se considera o período ou idade ideal para a escolarização de crianças e adolescentes. Dentre as motivações podemos ressaltar algumas: a necessidade de cuidados dispensados a familiares (tantos mais novos - especialmente crianças - quanto mais velhos, quando se trata de pessoas idosas ou que necessitem de algum cuidado especial); gravidez na adolescência; necessidade de ingresso no mercado de trabalho formal ou informal.

Tal situação apresenta aspectos estruturais de nossa sociedade, marcada por características patriarcais e machistas, as quais reforçam naturalizações a respeito dos papéis assumidos ou impostos às mulheres, tais como as tarefas domésticas, o cuidado com as pessoas da família e, sobretudo, a maternagem. Mudanças nas relações de gênero, especialmente com a intensificação dos movimentos feministas, trouxeram importantes conquistas e avanços, no entanto em algumas situações representaram a ênfase na chamada dupla jornada de trabalho, em que as mulheres passaram a assumir tanto as tarefas do ambiente privado como outras relacionadas ao mercado de trabalho no espaço público. 

Este conjunto de fatores nos encaminha para a compreensão da trajetória de muitas das alunas da EJA, que tiveram em seu percurso o abandono escolar, mas não perderam o ímpeto pelo conhecimento, como demonstram os esforços que assumem ao retomarem os estudos. Poucas delas, contudo, sabem que suas histórias têm relevância para a compreensão dos processos históricos e sociais que vivenciamos no tempo presente. Além disso, o mesmo pode ser dito a respeito de seu conhecimento acerca de outras mulheres que viveram em diferentes momentos da História, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Neste sentido, a proposta do projeto “Fala, mulher!” pretende, a partir da conexão de conteúdos pertinentes ao currículo de componentes curriculares como História, Língua Portuguesa e Geografia, organizar encontros-aulas em que seja possível apresentar algumas noções que possam servir de base para uma participação efetiva de todos/as os/as alunos/as. Assim, temos em vista uma convergência de apresentações feitas pelo/a docente e a atuação dos/as aprendentes na produção de documentos, na pesquisa, na apresentação de resultados pertinentes ao projeto e no compartilhamento de suas experiências enquanto fundamentais para a compreensão da nossa sociedade.

Conteúdo 1: Apresentação sobre o campo de estudos denominado "História das Mulheres".

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): voltado para o conhecimento das pessoas que participarão do projeto. Momento em que tanto docentes quanto alunes possam dizer quem são, de ondem vêm e o que esperam da atividade. Apresentação da proposta/cronograma de encontros.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): explicação sobre o campo de estudos de História das Mulheres, suas origens, principais autoras e relações com os movimentos feministas. Apresentação de trecho do documentário “She’s beautiful when she´s angry” e fotografias de mulheres que estiveram envolvidas com o início dos estudos sobre a História das Mulheres.

Conteúdo 2: Apresentação sobre a metodologia da história oral.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): breve histórico da história oral e seu início no Brasil em momento marcado pelo regime militar. Apresentação de sites de espaços que trabalham com história oral, como o CPDOC/FGV e o Museu da Pessoa.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): apresentação de trabalhos que tiveram como suporte os procedimentos da história oral e que se voltaram para diferentes grupos de mulheres em distintos períodos da História. Exemplo: EVANGELISTA, Marcela Boni. “Padecer no paraíso? Experiências de mães de jovens em conflito com a lei”, que traz seis histórias de mulheres-mães que tiveram filhos em situação de privação de liberdade em unidades da Fundação Casa de São Paulo. Este trabalho, por seu turno, permite tratar de aspectos pertinentes ao projeto, tais como classe social, raça, gênero e geração.

Conteúdo 3: Como realizar entrevistas de história oral – a arte da escuta.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): verificação do que as estudantes entendem por entrevista e quais tipos já vivenciaram. Apresentação de diferentes tipos de entrevistas em diálogo com as experiências previamente compartilhadas: entrevista de emprego, jornalísticas, escritas, em áudio (podcast), em audiovisual, de história oral.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): diálogos sobre as especificidades das entrevistas de história oral, em que há a valorização da escuta e das trocas em detrimento de outras motivações como tempo reduzido ou espaços improvisados. Apresentação de exemplos em áudio e audiovisual e roda de conversa sobre as impressões.

Conteúdo 4: Gravação de relatos em áudio ou audiovisual.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): início das gravações das entrevistas, que devem acontecer entre as participantes do projeto. Estabelecimento de cronograma e divisão das duplas ou trios (sendo sempre uma entrevistada por vez e uma ou duas entrevistadoras). As duplas ou trios devem se acomodar em lugares diferentes para que possam ter alguma privacidade e a proposta é que a escuta prevaleça sobre o estabelecimento de perguntas ou questionários, para que cada uma possa contar sua história conforme se sinta mais confortável. A questão dos espaços deve ser adaptada a cada contexto de execução da proposta.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): continuação das gravações. Espera-se que todas as mulheres cis e trans das turmas possam ser entrevistadas, a menos que tenham algum impedimento. O suporte para as gravações deve também se adaptar às condições dos grupos, de modo que as gravações em áudio podem ser mais viáveis na medida em que celulares são gravadores e é possível que a maioria das pessoas tenha alguma aparelho ao alcance.

As/os docentes responsáveis devem atuar como mediadores/as, acompanhando as gravações e auxiliando em aspectos técnicos e sanando dúvidas que possam surgir. Também fica sob seus cuidados a reunião dos arquivos das gravações em dispositivo que possa armazenar os materiais, a fim de que os mesmos possam ser acessíveis para as próximas etapas do trabalho. Recomenda-se que sejam feitas cópias dos arquivos para a segurança do armazenamento.

Conteúdo 5: Transcrição de trechos selecionados das entrevistas.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): neste momento, espera-se acionar as possibilidades interdisciplinares com a Língua Portuguesa. As docentes participantes devem selecionar trechos de cerca de 5 minutos de cada entrevista e orientar sua transcrição, ou seja, a passagem do código oral (gravado) para o escrito. Esta transposição pode ser feita em computadores (se houver à disposição) ou em folhas pautadas que podem se tornar, após a reunião dos materiais, o “caderno do projeto”. Caso seja necessário, os trechos transcritos podem ser reduzidos ou ampliados.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): continuação do processo de transcrição. É interessante que a transcrição dos trechos seja feita preferencialmente por quem conduziu as entrevistas. Desta forma, há conjuntamente um trabalho de memória e valorização da oralidade.

Conteúdo 6: Como pesquisar em diferentes suportes: livros, jornais, revistas, internet.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): de forma a complementar as atividades iniciadas no primeiro bloco do projeto, esta é a ocasião de conhecer novos formatos de pesquisa e conteúdo. Sugere-se que no primeiro encontro, a busca seja realizada em suportes que contenham materiais em áudio ou audiovisuais. A ideia é que, a partir de materiais selecionados pelas docentes, as participantes possam identificar histórias de outras mulheres.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): continuação da atividade do encontro anterior, introduzindo novos tipos de documentos. Sugere-se a utilização de materiais iconográficos e escritos. Ao final, é interessante fazer um balanço a respeito dos perfis de mulheres conhecidos: tanto as entrevistadas pelo projeto quanto as identificadas por meio de pesquisa, ressaltando as dimensões de classe, raça, etnia, gênero, geração e sexualidade.

Conteúdo 7: Pesquisa sobre a biografia de mulheres que viveram em diferentes momentos históricos.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): uma vez que as pessoas envolvidas já possuem a esta altura conhecimentos sobre a História das Mulheres, é o momento de aprofundar as pesquisas com o objetivo de reunir posteriormente seus resultados. As participantes devem se dividir em duplas ou trios (dependendo da quantidade), escolher uma mulher que desejem conhecer mais e compartilhar com as demais. Caso haja repetição da mulher escolhida, sugere-se que a pesquisa seja feita em colaboração.  As pesquisas podem ser feitas em diferentes suportes, que devem ser disponibilizados para a atividade (e deve ser adaptado de acordo com cada grupo/sala/escola).

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): finalização das pesquisas e compartilhamento. Todes devem se reunir e contar ao grupo sobre os resultados de suas pesquisas. Importante ressaltar que, em função do tempo, não se espera a “entrega” de materiais, mas o compartilhamento dos conhecimentos adquiridos. É possível utilizar neste momento anotações, prints e outros materiais que estiverem à disposição. É interessante que o momento seja registrado por meio de fotografias, áudio ou audiovisual (a depender dos recursos acessíveis em cada caso).

Conteúdo 8: Elaboração de um mapa apresentando a origem e trajetória das mulheres que fizeram parte do projeto.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): neste momento, espera-se acionar as possibilidades interdisciplinares com a Geografia. No primeiro encontro deve-se elaborar uma lista com os nomes das mulheres, tanto as participantes do projeto por meio das entrevistas (alunas) quanto as conhecidas por meio das pesquisas e seus lugares de origem (e quando possível, outros lugares onde viveram ou se encontram no momento).

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): a partir de um mapa fornecido pela escola e com auxílio das/os docentes envolvidos, deve-se procurar a localização das cidades/estados/países de origem das mulheres e os lugares por onde passaram, produzindo um mapa repleto de novos significados e trajetos. Ao final, sugere-se a comparação entre as trajetórias observadas.

Conteúdo 9: Como organizar um acervo de histórias de mulheres.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): conversa sobre a importância de preservar os registros para que estas histórias possam reverberar e apresentação de diferentes tipos de arquivos, com ênfase para os digitais e físicos. Identificação dos tipos de materiais que foram coletados e produzidos ao longo do projeto e sua separação.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): organização dos materiais produzidos/coletados em diferentes espaços e suportes previamente preparados pelas docentes responsáveis e oferecidos pelas escolas.

Conteúdo 10: História Pública – todos/as fazem a História e têm o direito de conhecê-la e acessá-la.

PRIMEIRO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): Etapa de finalização em que sugere-se a realização de uma roda de conversa sobre as impressões das participantes acerca de todas as atividades realizadas ao longo do processo. As docentes devem fazer o registro escrito e, se possível, também em áudio/audiovisual e fotografias.

SEGUNDO ENCONTRO (tempo estimado de 1h): último encontro do projeto, em que sugere-se que as docentes possam apresentar um panorama geral do trabalho, tendo como ponto de partida as impressões compartilhadas no encontro anterior. Para finalizar, é importante ressaltar o que é a História Pública, campo de conhecimentos em crescimento no Brasil, e que considera a importância da produção de saberes compartilhados, de modo que possam ser publicizados de forma múltipla e observando a pluralidade que caracteriza nossa sociedade.

SOBRE ÉTICA NA REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS DE HISTÓRIA ORAL

É importante destacar que as entrevistas entre as participantes só devem ser realizadas com a concordância de cada uma mediante a assinatura de uma carta de cessão. Neste documento, deve ser explicitado o que pode ou não se tornar público. Além disso, é importante que todas as pessoas possam acompanhar o processo como um todo e tenham a liberdade de vetar partes ou mesmo a íntegra de conteúdos produzidos a partir de suas entrevistas.

Recursos Necessários


  • Gravador de áudio/celular

  • Aparelho de rádio

  • Computador

  • Cadernos

  • Canetas

  • Mapas

  • Acesso a livros, revistas, jornais e internet

Duração Prevista

Tendo em vista os 10 tópicos propostos, sugere-se ao menos dois encontros para cada, somando um total médio de 20 aulas, que podem ser distribuídas ao longo de um semestre. O tempo pode ser adaptado.

Processo Avaliativo

O processo avaliativo proposto se baseia no acompanhamento contínuo ao longo das atividades desenvolvidas, tendo em vista o envolvimento dos/as participantes. Importante ressaltar que todas as ações devem ser valorizadas durante o processo.

Observações

Este projeto tem, ainda, potencial de ampliação para contemplar a comunidade LGBTQIA+ diante da existência desta demanda nos grupos contemplados.

Referências Bibliográficas

hooks, bell. O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras.1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018

hooks, bell. Erguer a voz.. 1. ed. São Paulo :Editora Elefante, 2019

EVANGELISTA, Marcela Boni. Padecer no paraíso? : experiências de mães de jovens em conflito com a lei / Marcela Boni Evangelista. – 1ª ed. Salvador: Editora Pontocom, 2015. Disponível em: http://www.editorapontocom.com.br/livro/38/marcela-boni_38_5657043b15afc.pdf. Acesso em 4 abr. 2022

HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org). Pensamento feminista hoje: sexualidade no sul global. 1 ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020

MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom; BARBOSA, Fabíola Holanda. História oral: como fazer, como pensar. [S.l: s.n.], 2007.

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

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