Os impactos do ajuste fiscal na Educação

Congresso aprovou proposta do governo federal autorizando que recursos possam ser retirados do Fundeb

Os impactos do ajuste fiscal na Educação

Às vésperas do recesso parlamentar de 2024, o Governo Federal conseguiu aprovar a PEC do Ajuste Fiscal (54/2024), que estabelece limites de gastos para o governo nos próximos anos. O texto aprovado afeta significativamente a Educação – e poderia afetar ainda mais, não fossem os protestos durante a tramitação da PEC. A principal alteração tem a ver com a destinação dos recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb), que agora poderá destinar parte de seus recursos exclusivamente para a Educação Integral. 

O que é o Fundeb

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública brasileira, e é uma contribuição obrigatória de municípios, estados e União. Sua versão atual foi aprovada e constitucionalizada em 2020, após cinco anos de tramitação e debate. 

O Fundo custeia principalmente o pagamento das profissionais do setor e a infraestrutura das escolas e demais recursos que assegurem a qualidade da educação. A grande alteração aprovada em 2020 foi o aumento gradual da complementação da União. Isto é, do repasse de recursos do Governo Federal para os estados e municípios, que possuem menor capacidade de arrecadação de impostos. A estimativa é que em 2025 essa complementação seja de cerca de 56 bilhões de reais. 

Com mais recursos (ou “maior complementação”) da União, aumentou-se o montante a ser investido na educação básica, bem como seu potencial de corrigir desigualdades. Isso porque o ente com mais recursos (a União) passa a contribuir mais do que os que têm menos (estados e municípios), com base em diferentes mecanismos para essa complementação, inclusive um que considera as desigualdades educacionais, o VAAR. 

O que mudou? 

No fim de 2024, o governo federal apresentou ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para contenção de gastos obrigatórios, conhecida como a PEC do Ajuste Fiscal. Essa PEC faz parte das medidas de austeridade fiscal da gestão, que incluem o Arcabouço Fiscal. Aprovada em 2024, as alterações já estão em vigor. 

A Educação foi incluída nesse pacote com a flexibilização no uso de recursos do Fundeb: em 2025, até 10% da complementação da União poderá ser usada para o fomento à manutenção de matrículas em tempo integral. Isso significa que o governo federal vai poder usar recursos do Fundeb, que é uma despesa obrigatória em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), para investir em educação integral – ao invés de prever recursos específicos para um programa próprio da modalidade. A proposta original apresentada pelo governo propunha o dobro: que até 20% dos recursos da complementação pudessem ser destinados para a Educação Integral, uma economia que o governo estimou em quase 5 bilhões de reais

A vice-presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nalu Farenzena, explica que o valor que a União vai acrescentar ao Fundeb não muda, mas sim as regras de como ele pode ser utilizado. “O valor da complementação não diminui, mas é como se fosse criado mais um mecanismo, uma modalidade de complementação, além das que já temos (VAAF, VAAT e VAAR). É uma autorização para usar o dinheiro de outra maneira, e nesse sentido altera as regras do Fundeb”, explica. 

A versão aprovada também amenizou a flexibilização ao determinar que o limite de 10% vale internamente para cada mecanismo de complementação. Ou seja: não é possível tirar de um único mecanismo (dos 3 existentes) todo o valor que se deseja remanejar para a educação integral. Seria uma forma de assegurar que nenhum dos três critérios possa ser particularmente desidratado. 

A proposta do Executivo foi alvo de severas críticas de várias vozes e entidades da Educação, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Fineduca, que divulgaram notas contrárias à proposta do Executivo. 

A Campanha chamou o texto aprovado de “vitória parcial” por conseguir reduzir a flexibilização de 20 para 10% da complementação da União – e por conseguir conter uma outra emenda surgida durante a tramitação: a permissão de estados e municípios usarem recursos do Fundeb para alimentação escolar, o que não está previsto nas regras do fundo. “A importante vitória impediu um precedente terrível de colocar o Pnae para disputar recursos da Educação”, diz a nota da entidade, que afirma que a mudança aprovada já é suficiente para enfraquecer a capacidade do Fundeb de reduzir desigualdades. 

O que essa mudança significa? 

Com as alterações sofridas na tramitação, a nova regra não vai economizar tanto como o Executivo pretendia inicialmente, mas ainda terá impactos no financiamento da educação básica. Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, explica que, na prática, um recurso da casa de 6 bilhões de reais será retirado da Educação. “A decisão foi manter o programa de escola em tempo integral, mas deixando de alocar recursos específicos e sim usando o do Fundeb, o que é criar uma quarta modalidade de complementação cujos critérios não foram acordados nos 5 anos em que a proposta do Fundeb foi debatida no Congresso”. 

A preocupação em relação à nova regra é potencializada porque o novo Fundeb ainda está em fase de implementação. Segundo o que foi aprovado em 2020, o aumento da complementação de recursos da União cresceria gradualmente até 2026, quando chegaria a 23%. Ou seja: as regras já foram alteradas antes mesmo do Fundo estar plenamente implementado. “Nós batalhamos muito pelo aumento da contribuição do governo federal para estados e municípios, por mais recursos e não por menos. E aí essa medida anularia praticamente todo o percentual conquistado na aprovação do Fundeb”, critica Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), que enfatiza a gravidade da proposta original de flexibilizar até 20% da complementação. Ela destaca que mesmo com o aumento gradual de recursos, o Fundeb vem operando num limite em relação ao montante necessário para a educação de qualidade, o que seria “apostar na precarização”. 

O Professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Salomão Ximenes, na época da apresentação da proposta ao Congresso, enfatizou que “por mais meritório que possa ser o dito programa [de Educação Integral], não elimina o fato de que estarão desviando 20% [depois 10%] do Fundeb em plena etapa de consolidação, (…) sem avaliação de resultados e de impacto, sem dialogar com Estados e Municípios que sairão prejudicados e impondo um improvável retrocesso no financiamento da educação pública em relação ao conquistado durante o governo Bolsonaro”, disse. 

Como a fala de Salomão indica – e movimentos sociais e entidades da Educação concordam -, o problema não é assegurar recursos para a educação integral e sim a manobra para que isso seja feito via Fundeb e não com programas próprios para este fim. A nota técnica da Fineduca lembra que o Fundeb já tem mecanismos que valorizam a educação integral, como os fatores de ponderação, que ainda poderiam ser aprimorados se fosse esse o objetivo. A assessora política do INESC, Cleo Manhas, reforça ainda que mesmo o ganho para educação integral é extremamente limitado se o resto da educação básica continua subfinanciada. “Não adianta dar uma poupança para estudantes [com o programa Pé de Meia] e não melhorar a escola que estão obrigados a estudar e que continua sem condições, com docentes em contratos temporários. Não adianta dizer que vai cumprir a educação em tempo integral dessa maneira tão precarizada. Educação em tempo integral exige escolas com muito mais infraestrutura, não é apenas colocar uma placa, é preciso ter uma escola atraente, com várias atividades, e não é isso que vemos”. 

Cleo critica ainda a falta de estudos sobre os impactos de uma alteração desse porte: “Como estados e municípios vão fazer uma política de educação em tempo integral se não foi feito nenhum estudo de impacto? A proposição não veio acompanhada dos cálculos, da descrição dos objetivos e indicadores afetados, por exemplo, bem como de medidas de compensação para esse corte”. Por isso, entidades como a Fineduca têm afirmado que as novas regras do Fundeb alteram o papel do fundo de combater as desigualdades educacionais. Em nota, a Associação afirma que “o MEC contribui com o corte de gastos demandado pelo mercado financeiro, a pretexto da estabilidade fiscal do país, mas às custas da redução do potencial equalizador do Fundeb”. 

Na mesma linha, a CNTE destacou que o texto aprovado pode comprometer a manutenção e investimentos das políticas em andamento, especialmente o pagamento da folha de pessoal da educação na esfera municipal – cerca de 70% do montante do Fundeb é destinado à valorização de profissionais da Educação. Já a Undime ressaltou que a alteração pode reduzir a autonomia dos entes federados, uma vez que parte da complementação poderá ficar “carimbada” para um uso específico, e que essa imposição desconsidera as especificidades dos municípios. 

Por fim, há ainda dois pontos que preocupam sobre os impactos do ajuste fiscal na Educação: que a nova regra possa de alguma maneira descaracterizar o Fundeb; e a falta de tempo e diálogo com a sociedade em sua proposição. Para Nalu Farenzena, vice-presidenta da Fineduca, a nova redação do Fundeb pode descaracterizar os critérios de redistribuição do Fundeb, pactuados ao longo de anos de debate público. “A questão que se coloca aqui é o precedente que foi aberto, da exigência de que os recursos do Fundeb devam ser direcionados para isto ou aquilo. Durante o processo de tramitação de 2015 a 2020, uma das emendas aprovadas dizia que uma parte dos recursos deve ser aplicada na educação infantil – o que foi, portanto, uma prioridade amplamente discutida. Fora a grande prioridade do Fundeb, que é aplicar 70% dos recursos em remuneração de profissionais. Então colocar agora mais uma prioridade e sem discussão é uma interferência, inclusive sobre a autonomia dos entes federativos, e um precedente”, alerta Nalu. “A sociedade brasileira não teve a oportunidade de discutir essa prioridade nem em que termos ela se daria”. 

Nalu reconhece vários movimentos positivos no financiamento educacional desde o início da atual gestão de Lula, mas pondera suas limitações frente a um cenário mais generalizado de austeridade fiscal com fortes impactos em áreas sociais. “O Brasil não está aproveitando a oportunidade de levar adiante a discussão da implementação do Custo Aluno-Qualidade de educação básica. Isto é, de passarmos a realizar o planejamento da área da educação pensando nos recursos que são necessários para assegurar educação de qualidade, o que levaria inclusive ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Como realizar todas as metas se não aumentamos o nível do recurso?”, questiona. 

A assessora política do INESC, Cleo Manhas, também é enfática sobre os efeitos das políticas de austeridade na educação e no enfrentamento de desigualdades: “Saúde e educação têm grandes orçamentos, mas dado o tamanho do público-alvo é fácil de ver que é um orçamento muito incipiente. E dessa forma podemos chegar em um ponto inviável para políticas sociais, especialmente porque temos ainda um passivo a ser resolvido que vem desde a pandemia. O arcabouço fiscal está caminhando para uma política recessiva tanto quanto o Teto de Gastos, e com o agravante de que um governo de centro-esquerda é muito mais cobrado do que governos de direita”, pondera. “ O Ministério da Fazenda devia ser um Ministério “meio” e não um Ministério “fim”, mas a economia virou um fim. Estamos reféns desse discurso econômico”. 

Semana de Ação Mundial 2023 abre inscrições para a maior atividade pela educação do planeta

Nova edição da SAM terá como temas a renovação do PNE (Plano Nacional de Educação) e a descolonização do financiamento da educação

A 20ª Semana de Ação Mundial, maior ação coletiva em prol da educação do planeta, vai acontecer entre os dias 19 e 26 de junho e está com as inscrições abertas até 15 de maio!

De 2003 a 2022, a Semana já mobilizou mais de 90 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo cerca de 2 milhões de pessoas apenas no Brasil.

Como acontece a cada edição, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como realizadora da SAM, fará o envio gratuito de materiais e certificados para as/os participantes.

INSCREVA SUA ATIVIDADE JÁ: A DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAIS IMPRESSOS É LIMITADA ÀS 1.000 PRIMEIRAS INSCRIÇÕES!

As inscrições para realizar uma atividade da SAM 2023 e para receber os materiais impressos gratuitamente pelos correios podem ser feitas neste link. Haverá certificado de participação mediante envio de relatório das atividades realizadas. Veja mais informações abaixo.

Novo PNE e descolonização do financiamento da educação!

Com o tema Descolonização do financiamento da educação e o último ano do Plano Nacional de Educação (2014-2024), a SAM 2023 vai promover a participação democrática e a mobilização popular em torno da renovação do PNE, mostrando a importância da atualização da Lei do PNE sem retrocessos, com ousadia para a garantia de uma educação pública de qualidade a todas as pessoas. 

Descolonizar o financiamento significa que os Estados devem financiar a educação, e devem fazê-lo usando o máximo de recursos disponíveis, sejam eles recursos internos contínuos (PIB, impostos, empréstimos) como externos (cooperação internacional), bem como aquelas que possivelmente poderiam ser mobilizados (através de uma reforma tributária progressiva e outras reformas). Saiba mais na página “O que defendemos?”.

Com uma série de materiais disponíveis no site, como o Manual da SAM 2023 (a ser disponível em breve), a SAM propõe temas a serem trabalhados em atividades autogestionadas realizadas por professores, famílias e responsáveis, e estudantes, toda a comunidade educacional, gestores, conselheiros, tomadores de decisão e todas as pessoas preocupadas com a garantia do direito à educação. 

Plano Nacional de Educação

Os dias de evento também incluem a data de aniversário do Plano Nacional de Educação (PNE), dia 25 de junho de 2014, quando foi sancionado (Lei 13.005/2014). Assim, a SAM brasileira continua dedicada ao monitoramento da implementação do PNE, que é o nosso principal caminho para que toda a população brasileira possa ter acesso a uma educação pública de qualidade, da creche à universidade.

Este é o último ano do PNE. É também neste ano que o governo federal terá de enviar ao Congresso Nacional um novo Projeto de Lei com o PNE para o próximo decênio — o atual finda sua vigência em junho de 2024. 

Junto com os materiais disponibilizados no site da SAM, haverá a divulgação de uma série de cartelas do Balanço do PNE, que atualiza diversos dados educacionais e aponta patamares de cumprimento e, infeliz e especialmente, de descumprimento de cada uma das 20 metas do PNE. É também um valioso material para as atividades realizadas. Estamos na reta final do período para o cumprimento das metas (2014-2024) e ainda nenhuma delas foi integralmente cumprida.

Inscreva-se na SAM 2023

Para participar, acesse o portal da SAM 2023 e baixe os materiais digitais de divulgação virtual para já começar a mobilização para suas atividades. Basta acessar a aba “Materiais”. Em breve, disponibilizaremos também o Manual da SAM 2023 e mais subsídios.

Assim que realizar as atividades, o participante deve postar as fotos, vídeos e relatos! Assim como divulgar nas redes sociais usando as hashtags #SAM2023, #DescolonizaFinanciamento, #PNEpraValer e #SemRetrocessoComOusadia.

Certificado

Para receber um certificado de participação, a/o participante deve preencher o formulário no site semanadeacaomundial.org, indicando as atividades que pretende realizar com os materiais de apoio.

Logo após a Semana de Ação Mundial, a/o participante deve escrever um breve relatório das atividades realizadas, informando também o número de pessoas mobilizadas – anexando fotos e vídeos, autorizando ou negando sua divulgação. Para mais informações, escreva para sam@campanhaeducacao.org.br.


Realização
Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Comitê Técnico da SAM 2023
Claudia Bandeira – Ação Educativa
Ana Paula Brandão – ActionAid
Liz Ramos – Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Nesly Lizarazo – CLADE – Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação
Guelda Andrade – CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
Liliane Garcez – Coletivxs
Luana Rodrigues  – Escola de Gente – Comunicação em Inclusão
Nelson Cardoso Amaral / Rubens Barbosa de Camargo – Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
Thais Martins – Mais Diferenças
Ingrid Ribeiro – REPU – Rede Escola Pública e Universidade
Gilvânia Nascimento – UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação
Jhonny Echalar – Comitê GO da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Jhonatan Almada – Comitê MA da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Maria Lima – Comitê MS da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Felipe Baunilha – Comitê PB da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Sandra Teresinha  – Comitê PR da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Rita Samuel – Comitê RN da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Walterlina Brasil – Comitê RO da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Angelita Lucas – Comitê RS da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Darli de Amorim Zunino – Comitê SC da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Raquel Maria Rodrigues – Comitê SP da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Apoio
Campanha Global pela Educação
CLADE – Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação
Trindade Tecnologia

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Ação Educativa
ActionAid
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Rede Escola Pública e Universidade (Repu)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)


ASSESSORIA DE IMPRENSA
Renan Simão – assessor de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
comunicacao@campanhaeducacao.org.br
(11) 95857-0824 

Projeto ultraconservador para a educação inclui a criminalização de debates sobre direitos humanos, gênero, raça, sexualidade e ataques à laicidade

Projeto de desmonte da Educação pública é uma aliança entre grupos que defendem o seu desfinanciamento pelo Estado e os que criminalizam profissionais da educação, comunidades escolares e contribuem com o aumento da violência.

Gênero e Educação - Projeto ultraconservador para a educação inclui a criminalização de debates sobre direitos humanos, gênero, raça, sexualidade e ataques à laicidade. Imagem em formato de colagem com pessoas protestando. A colagem foi feita utilizando imagens da Mídia Ninja e

A educação pública, gratuita e de qualidade está há anos sob ataque: a Emenda Constitucional 95, de 2016, inviabilizou o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) ao proibir o aumento dos gastos em áreas sociais. No governo Temer, também a participação da sociedade civil foi drasticamente reduzida a partir do desmonte das instâncias de monitoramento e de controle social da política educacional. Isso piorou com Bolsonaro, quando a Educação sofreu os maiores cortes orçamentários – apesar do novo Fundeb, que aumentou a participação da União no financiamento da Educação. Mas os ataques ao direito à educação de qualidade para todas e todos não se dão apenas através do desfinanciamento. Também há investidas contra a laicidade da educação, a democratização e participação social, contra a construção de visões críticas e questionadoras e contra a liberdade de aprender e ensinar. Estas agendas em geral são agrupadas sob o nome de “projeto ultraconservador”. 

Este projeto reúne diversas agendas – como a educação domiciliar, Escola sem Partido, criminalização de debates sobre gênero e sexualidade, militarização das escolas, combate à “ideologia de gênero”, etc – e embora esteja alinhado e tenha se intensificado com a gestão Bolsonaro, não começou nela. Em 2013, quando se debatia a construção do PNE, o “gênero” já estava sob ataque e acabou suprimido do texto final

Para Fernando Cássio, professor de políticas educacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), esse projeto é mais do que conservador: é reacionário, e tem como alvo as escolas porque é na Educação que muitos avanços foram construídos nos últimos anos. “É claro que é um projeto conservador, mas este é um campo amplo, composto também por entidades empresariais da educação que, por exemplo, se eximem de discussões de gênero e sexualidade. Já os reacionários visam reverter as conquistas sociais. Na educação tivemos avanços inegáveis, como no currículo e no reconhecimento de diversas diferenças, então a escola se torna um grande bastião de resistência a esse projeto”, diz. Cássio diferencia a “barbárie gerencial” da ultraconservadora ou reacionária. Enquanto a primeira disputa a escola a partir de fora, nos debates de políticas e gestões educacionais, a segunda disputa pequenas lutas do cotidiano, ou a escola “por dentro”: o currículo, o conteúdo passado pelos professores, a relação de confiança entre os atores escolares. “Em suma, visam transformar a escola em um ambiente hostil”, resume. 

Para alcançar seus objetivos, os defensores deste projeto frequentemente se aliam com os chamados “ultraliberais” – isto é, que querem o enfraquecimento do Estado e do setor público. Um artigo recente de Cássio em parceria com Fernanda Moura e Salomão Ximenes ilustrou como essa aliança se deu nos debates de regulamentação do Fundeb, em 2020. O Fundeb, maior mecanismo de financiamento da Educação Pública brasileira, teoricamente não seria uma agenda de interesse dos ultraconservadores, mas todos os parlamentares que se opuseram ao novo Fundeb têm ligação com o movimento Escola Sem Partido. E, na tramitação da regulamentação, trabalharam arduamente pelo maior repasse de recursos a instituições privadas, ganhando a adesão de vários deputados e deputadas. Os autores destacam ainda que a atuação dos mais de 100 parlamentares que defenderam essa agenda privatista está muito mais voltada para pautas conservadoras, como de segurança pública e punitivismo, do que para pautas de Educação ou direitos humanos. 

“Tais encontros mostram uma confluência de interesses entre o discurso antilaico e o privatista”, ressalta Cássio. Quem também reforça o conservadorismo em um aspecto amplo é Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UNB). “O objetivo é conservar as bases da sociedade brasileira: racismo, machismo, patriarcado, desigualdade social e econômica. No fundo é a mesma lógica escravocrata e colonizadora que o país sempre teve”, diz. 

No governo Bolsonaro, avançam várias agendas ultraconservadoras – ou reacionárias -, como a educação domiciliar, a militarização das escolas e a criminalização dos debates de gênero e sexualidade. Para Benilda Brito, ativista da Rede Malala no Brasil e integrante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, o principal objetivo deste projeto é continuar delimitando quem são “os indesejáveis sociais. E tirá-los de todos os cenários, inclusive da escola pública”..

Escola Sem Partido 

O Movimento Escola Sem Partido (MESP) foi fundado em 2004 e ganhou destaque nos debates públicos brasileiros na década passada. O movimento, através da acusação de “doutrinação ideológica”, criminaliza a docência e o ensino. Tentou se impor no legislativo, com a aprovação de dezenas de projetos de lei proibindo essa suposta doutrinação, mas os projetos foram derrotados após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que é inconstitucional proibir ou criminalizar tais debates na escola. O pesquisador Luis Felipe Miguel, em artigo que reconta a história do MESP, destaca que o Escola Sem Partido tem como princípio a primazia da família sobre a escola e enxerga docentes como ameaça em potencial. Ele reforça que o movimento só ganhou corpo e relevância nacional quando passou a atacar a chamada “ideologia de gênero”, ou as discussões sobre gênero e sexualidade na escola que desnaturalizam desigualdades e opressões. 

O MESP posicionou-se contra o novo Fundeb, argumentando que mais recursos para a educação básica seria “mais dinheiro para ser torrado em roda de conversa sobre ‘fascismo’ e identidade de gênero”. Na visão do movimento, “a escola sem partido só pode ser a escola sem financiamento”, como resumiram os pesquisadores Fernando Cássio e Fernanda Moura. Cássio, professor de políticas educacionais na UFABC, acredita que o MESP hoje é irrelevante enquanto movimento, o que não quer dizer que não afete o cotidiano escolar e nem que as forças ultraconservadoras não estão agindo na educação. “O movimento reacionário vai muito além do Escola Sem Partido, que teve suas teses invisibilizadas judicialmente e rompeu com Bolsonaro. Mas o projeto é mais antigo e é contra ele que lutamos”, defende o professor e ativista. “Além disso, o reacionarismo não depende muito de uma lei aprovada. A expectativa da aprovação ou o projeto de lei bastam para criar um ambiente escolar hostil e de ameaça”, reforça. 

E a resistência a projetos como o MESP também é articulada e coletiva. Por exemplo, em 2022, mais de 80 entidades de educação e direitos humanos lançaram a segunda versão do Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas. O manual, que pode ser baixado gratuitamente no site do projeto, foi construído em resposta às intimidações, ameaças e notificações dirigidas a docentes e escolas e à escalada do autoritarismo no país. Apresenta estratégias de como responder a novos tipos de ameaças que têm sido promovidas por movimentos e grupos ultraconservadores contra comunidades escolares. Além disso, esmiuça as alterações recentes de normativas nacionais e internacionais de direitos humanos, além de novas possibilidades no campo das estratégias jurídicas, políticas e pedagógicas de enfrentamento ao acirramento do autoritarismo na educação.

Militarização das escolas

Autoritarismo, obediência e hierarquia são também marcas de uma outra agenda conservadora: a militarização das escolas, ou a transferência da gestão das escolas civis públicas para a Polícia Militar. Esse processo se intensificou no governo Bolsonaro após a criação, em 2019, do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Nesse modelo, o estado ou o município assinam termo de cooperação com o MEC e policiais militares ou das Forças Armadas podem atuar dentro das escolas, com função pedagógica, administrativa e disciplinar. 

​​ Não há números exatos das escolas militarizadas no país, já que esse processo não se dá de uma única maneira, mas elas já passam de 500 e seguem em crescimento vertiginoso. Por exemplo, o Paraná em 2020 anunciou a adesão de 216 escolas da rede estadualde uma só vez. Estados como Goiás, Amazonas e Bahia também vêm investindo na modalidade, tanto a nível estadual como municipal. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB) e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, insistir nesse projeto é, ainda que inconscientemente, criminalizar a comunidade escolar. “Em nosso imaginário, a polícia cuida de marginais. Levar a polícia para a escola é uma autodeclaração que são essas pessoas que estão na escola, porque é com quem a polícia teoricamente lida”, diz. 

As escolas militarizadas prezam, como o nome indica, por uma lógica militar, ou o que Catarina chama de “pedagogia do quartel”. Ou seja, privilegia a hierarquia e relações verticais, a obediência pelo medo, a padronização de corpos e comportamentos. Valores que se opõem à uma visão de escolas e processos educativos plurais, participativos, com relações mais horizontais e orientadas à convivência com diferenças, ao pensamento crítico e à desnaturalização de desigualdades. “É uma contraofensiva para que a base da sociedade não mude”, diz Catarina em relação ao avanço desse processo no Brasil. “Como trabalhar machismo e racismo em uma escola militarizada? Tirar o acesso à formação que desnaturaliza essas opressões garante a manutenção dos privilégios”, acrescenta ela. 

Um caso emblemático da padronização e da punição de tudo que é “diferente” aconteceu em Joinville-SC em março deste ano, quando alunos de uma escola cívico-militar foram advertidos por estarem com bandeiras LGBT dentro da escola (que foram confiscadas). É por isso que a professora da UNB considera que militarizar a escola é negar o direito à educação, uma vez que se nega o desenvolvimento pleno dos sujeitos, que não são preparados para viver em uma sociedade diversa. E as escolas militarizadas também são excludentes ao manter uma lógica de resultados que privilegia estudantes que já estão em melhores condições. Isto é, priorizam quem cumpre os requisitos e se adequa ao projeto. “Em geral, o perfil das escolas muda depois da militarização: embranquecem, atendem pessoas com mais condições financeiras, passam a ter congestionamento de carros”, descreve a pesquisadora.  

Ainda assim, a militarização parece uma opção atraente para milhares de famílias no país ao evocar ideias como disciplina e combate à violência – ao menos, a um tipo delas. É, nas palavras de Catarina de Almeida Santos, uma lógica invertida, uma vez que o trabalho das forças de segurança pública é zelar pela segurança fora da escola. “É contraditório militarizar a escola com o discurso de garantir segurança colocando dentro dela exatamente quem não garante a segurança fora, especialmente para quem é pobre e negro. É porque a sociedade está insegura que a escola também está, e não o contrário. Chamar os responsáveis por essa falha para resolvê-la não resolve nada”. 

Educação domiciliar ou homeschooling

Se a militarização busca controlar corpos e comportamentos dentro da escola, a educação domiciliar exerce esse controle retirando estudantes da instituição. Esta é uma das principais pautas do governo Bolsonaro na Educação, que vem trabalhando incessantemente para regulamentar essa modalidade, proibida no Brasil por decisão de 2018 do STF. 

Em maio de 2022, foi aprovado na Câmara o projeto de lei que autoriza o homeschooling no país. Segundo este projeto, a ou o estudante deve estar matriculado em uma instituição de ensino e submeter-se a provas regulares. E ao menos um dos responsáveis deve ter ensino superior, o que demonstra que o projeto, além de conservador, atende a uma elite econômica. O projeto altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para admitir o ensino domiciliar na educação básica. No entanto, não há apelo popular. Uma pesquisa do DataFolha, também de maio de 2022, atestou que a maioria da população brasileira – 8 em cada 10 entrevistados – apoia a educação na escola. Para virar lei, ainda precisa ser aprovado pelo Senado e de sanção presidencial. 

A educação domiciliar retrocede em inúmeros direitos, em diversas áreas. Não à toa, é uma pauta tão importante para o projeto ultraconservador. “É uma estratégia que retrocede muitas políticas sociais que já tinham avançado e que pensava-se estarem consolidadas”, resume Benilda Brito, ativista da Rede Malala no Brasil e integrante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras. Assim como a militarização, compromete o direito de crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso a conhecimentos científicos e diferentes visões de mundo. Mas também oculta violências doméstica e sexual, frequentemente denunciadas através da escola; aumenta a insegurança alimentar; rompe com a política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva; aprofunda desigualdades educacionais; estimula a evasão escolar; e enfraquece os investimentos em educação e nas escolas públicas.“É um retrocesso do que está expresso na Constituição sobre o direito à educação. Mas não é isolado e tem um efeito dominó em várias políticas, com o objetivo de garantir que a mesma elite branca, heterossexual e católica se mantenha”, diz ela. 

Como Benilda faz questão de enfatizar, a educação domiciliar já aconteceu em outros momentos da história brasileira, mas em momentos em que a população não tinha acesso à educação. Hoje esse é um direito constitucional, além de estar em várias convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. “Por isso entendo esse projeto como do governo Bolsonaro sim, e que aliado a pautas como militarização e Escola Sem Partido complementa outras agendas, como o armamento, a destruição de política de cotas, entre outras. Pode não ser a principal política de Bolsonaro, mas tem a função óbvia de manter o conservadorismo e os privilégios da elite brasileira”, resume Benilda. 

+ Saiba mais em: Mais de 400 entidades lançam manifesto contra os projetos de homeschooling que tramitam no Congresso Nacional

Outras searas de disputa: PNLD e Disque 100 

Embora essas sejam descritas como as grandes pautas de um projeto conservador na educação, não são as únicas. Há outras ofensivas recentes de cunho conservador, excludente e reacionário, como os ataques ao Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), a perseguição a docentes através do Disque 100 e tentativas de criminalização da linguagem neutra. 

O PNLD, por exemplo, que atinge quase 50 milhões de estudantes, teve mudanças importantes no seu último edital: a violação de direitos humanos deixou de ser um critério eliminatório e a alfabetização pelo método fônico foi priorizada, apesar da diversidade de metodologias existentes e aplicadas no Brasil. Essas alterações estão inseridas no contexto de ataques aos direitos humanos na Educação sob o argumento da “neutralidade ideológica”. Também são esses argumentos os utilizados por autores de projetos de lei que têm surgido desde 2020 no país para criminalizar a linguagem neutra. Eles associam a estratégia à “militância ideológica” de uma “minoria” e pretendem proibir o uso de variações linguísticas nas escolas, em materiais didáticos, concursos, atividades culturais e esportivas. 

Em 2021, a censura e perseguição a professoras e professores atingiu um novo patamar quando o governo federal passou a incluir “ideologia de gênero” como uma categoria de denúncia no Disque 100, a central de recebimento de violações de direitos humanos. Nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro, membros das comunidades escolares foram denunciados sob essa acusação. Tal ofensiva fez com que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) entrasse com ação no STF questionando o uso do Dique 100 para perseguição política de comunidades escolares que discutem gênero, raça e sexualidade nas unidades educacionais. Agendas que, assim como a educação na escola, são defendidas em massa pela população brasileira, como também atestam pesquisas recentes

A quantidade de ações, programas e projetos de lei que buscam retroceder nas discussões sobre raça, gênero, sexualidade, direitos humanos e democracia deixam evidente que tais pautas não são secundárias para a gestão Bolsonaro, embora não tenham nascido em seu governo. As conquistas por uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todas e todos levaram a uma contraofensiva organizada que encontra espaço na atual gestão, que simultaneamente também age para drenar recursos públicos das escolas públicas. Mas esses movimentos encontram resistência na ação da sociedade civil, que já conseguiu imprimir derrotas importantes por vias judiciais. E que agora se articula para derrubar o projeto ultraconservador também nas urnas.

Inscrições para a Semana de Ação Mundial 2022 são prorrogadas até 15 de maio

Nova edição da SAM vai incentivar entrega de uma Carta Compromisso a candidaturas nas eleições em prol do direito à educação.

Inscrições para a Semana de Ação Mundial 2022 são prorrogadas até 15 de maio

As inscrições para a 19ª Semana de Ação Mundial (SAM), maior ação coletiva em prol da educação do planeta, foram prorrogadas até 15 de maio. A SAM 2022 vai acontecer entre os dias 20 e 27 de junho e tem como tema ‘Compromisso para a eleição: não corte da educação!’.

De 2003 a 2021, a Semana já mobilizou mais de 90 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo cerca de 2 milhões de pessoas apenas no Brasil.

As inscrições para realizar uma atividade da SAM 2022 e para receber os materiais impressos gratuitamente pelos correios podem ser feitas neste link. Haverá certificado de participação mediante envio de relatório das atividades realizadas. Veja mais informações abaixo.

Compromisso para a eleição: não corte da educação!

Com o tema ‘Compromisso para a eleição: não corte da educação!’, a Semana de Ação Mundial 2022 vai promover a participação democrática de todas e todos, em especial das meninas, nas eleições deste ano. 

Em conjunto com ações da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil e das entidades do Comitê Técnico da SAM 2022, as atividades da SAM terão como um dos objetivos a entrega de uma Carta Compromisso para adesão de candidaturas das Eleições 2022, se comprometendo com a educação como um direito para todas as pessoas.

“Essa é uma oportunidade para debater a prioridade da educação na agenda política brasileira em um cenário de recuperação lenta da pandemia de Covid-19. Para tal, será necessário mais e melhor financiamento, assim como um sistema educacional público, gratuito, acessível e inclusivo fortalecido”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil 

Com uma série de materiais disponíveis no site, como o Manual da SAM 2022,, a SAM propõe temas a serem trabalhados em atividades autogestionadas realizadas por professores, famílias e responsáveis, e estudantes, toda a comunidade educacional, gestores, conselheiros, tomadores de decisão e todas as pessoas preocupadas com a garantia do direito à educação. 

Além de apoiar a SAM 2022 e construir a Carta Compromisso, a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil desenvolve um Manifesto das Meninas, por uma educação antirracista e não sexista. Esse documento, que será construído por um comitê de meninas dos projetos da Rede, também será usado como uma ferramenta de incidência política das meninas nas Eleições de outubro.

Plano Nacional de Educação

Os dias de evento também incluem a data de aniversário do Plano Nacional de Educação (PNE), dia 25 de junho de 2014, quando foi sancionado. Assim, a SAM brasileira continua dedicada, desde 2015 e até 2024, ao monitoramento da implementação do PNE, que é o nosso principal caminho para que toda a população brasileira possa ter acesso a uma educação pública de qualidade, da creche à universidade.

Junto com os materiais disponibilizados no site da Semana de Ação Mundial, haverá a divulgação de uma série de cartelas do Balanço do PNE, que atualiza diversos dados educacionais e aponta patamares de cumprimento e, infeliz e especialmente, de descumprimento de cada uma das 20 metas do PNE. É também um valioso material para as atividades realizadas. Estamos na reta final do período para o cumprimento das metas (2014-2024) e ainda nenhuma delas foi integralmente cumprida!

Inscreva-se na Semana de Ação Mundial 2022

Para participar, acesse o portal da SAM 2022 e baixe os materiais digitais de divulgação virtual para já começar a mobilização para suas atividades. Basta acessar a aba “Materiais”

Assim que realizar as atividades, o participante deve postar as fotos, vídeos e relatos! Assim como divulgar nas redes sociais usando as hashtags #SAM2022, #EducaçãoNasEleições2022 e #NãoCorteDaEducação.

Certificado

Para receber um certificado de participação, a/o participante deve preencher o formulário no site semanadeacaomundial.org, indicando as atividades que pretende realizar com os materiais de apoio.

Logo após a Semana de Ação Mundial, a/o participante deve escrever um breve relatório das atividades realizadas, informando também o número de pessoas mobilizadas – anexando fotos e vídeos, autorizando ou negando sua divulgação. Para mais informações, escreva para sam@campanhaeducacao.org.br.

Realização

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Comitê Técnico da Semana de Ação Mundial 2022

Ação Educativa
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)
Centro das Mulheres do Cabo (CMC)
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
Escola de Gente – Comunicação em Inclusão
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Mais Diferenças
Projeto Mandacaru
Redes da Maré

Apoio

Campanha Global pela Educação
Fundo Malala
Plan International Brasil
Visão Mundial

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Ação Educativa
ActionAid
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Rede Escola Pública e Universidade (Repu)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)

Assessoria de imprensa

Renan Simão – assessor de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
comunicacao@campanhaeducacao.org.br
(11) 95857-0824

Atrasos na regulamentação e erros em repasses marcam 1 ano do novo Fundeb

Novo Fundeb alterou as formas de repasse de recursos, o que vem causando confusão entre gestores. Dispositivos como CAQ e SNE ainda não têm regulamentação

Imagem de uma carteira com elementos gráficos de riscos e acentos em torno. A imagem é destaque da matéria Atrasos na regulamentação e erros em repasses marcam 1 ano do novo Fundeb, via De Olho nos Planos

Em agosto de 2020, a Emenda Constitucional 108 (EC 108) foi promulgada, prometendo ser um divisor de águas no financiamento da educação brasileira. O texto, que constitucionalizou o novo Fundeb e dispositivos como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), trouxe avanços importantes como o aumento dos recursos destinados à educação e novas lógicas de repasse que incorporaram a correção de injustiças e iniquidades sociais e regionais.  Mas, passado um ano da promulgação da EC 108, os gestores ainda não têm clareza sobre alguns dos mecanismos, e o CAQ segue distante de se materializar. 

Entre as conquistas do texto aprovado em 2020 estão o aumento da complementação de repasses financeiros da União de 10% para 23%, com recursos novos; a constitucionalização do CAQ como parâmetro para qualidade adequada da educação e como mecanismo de controle social; a incorporação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) como política que avalia a qualidade educacional por meio de indicadores que ampliam a visão de qualidade para além das avaliações externas de larga escala; e a aprovação de sistema híbrido de distribuição de recursos. Esse sistema é mais equitativo, garante mais matrículas e qualidade para redes de ensino que têm menos recursos sem desestruturar nenhuma rede. Além disso, o texto proíbe o desvio dos recursos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) para o pagamento de aposentadorias e garante que 70% dos recursos sejam destinados para a valorização das profissionais da educação – e não apenas profissionais do magistério, como a lei anterior. 

“Considerando não apenas o contexto político mas o momento do país, acho que conseguimos aprovar um texto com muitos avanços”, avalia a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), relatora do projeto de lei que culminou na EC 108 e também da lei de regulamentação. Ela lembra que o debate foi prejudicado pelo início da pandemia no país, já que o Fundeb anterior tinha prazo de vigência até dezembro de 2020. 

Após a promulgação da Emenda Constitucional, houve ainda a tramitação do Projeto de Lei (PL) de regulamentação do Fundeb, que também foi objeto de acirrada disputa. As propostas diferiam em pontos importantes, como os fatores de ponderação (que ajustam os repasses a depender das etapas e modalidades de ensino), e todo o processo de votação foi marcado por investidas privatistas – parcialmente contornadas-, que abriam margem para convênios com instituições privadas. Foi apenas no dia 17 de dezembro que a regulamentação foi finalmente aprovada, tornando-se lei oito dias depois (Lei 14.113/2020) e permitindo que o novo Fundeb pudesse entrar em vigor em 2021. 

“Mudamos o desenho do Fundeb, mais que dobrando a complementação da União. Conseguimos dar prioridade à educação infantil sem entrar no caminho de voucher. A regulamentação e implementação são processos lentos, envolvem estruturas muito pesadas e capilarizadas, tanto que inserimos um período de transição. Os sistemas ainda estão se organizando, temos elementos que requerem ainda ajustes em termos conceituais”, acrescenta a deputada Professora Dorinha.

Confusões, problemas e morosidade

O salto nos repasses vindos da União deve acontecer progressivamente, chegando a 23% apenas em 2026. A previsão é que em 2021 ele aumente de 10% para 12%, sendo que estes 2% significariam R$ 3.2 bilhões a mais (o balanço que confirma esses valores sai no ano que vem). Em 2021, sob vigência do novo Fundeb, o governo federal fez vários repasses errados a estados e municípios. Em janeiro, R$766 milhões foram repassados equivocadamente, com três estados recebendo mais do que deviam e seis recebendo a menos. Em maio, os erros foram em um repasse de R$836 milhões, que desconsideraram milhares de matrículas. Especialmente, a destinação de 70% dos recursos para pagamento de profissionais da educação vem trazendo confusão – e sem posição clara do governo federal

A confusão se dá porque a vinculação anterior, de 60%, destinava-se a “profissionais do magistério”. O novo Fundeb aumentou o escopo de profissionais elegíveis, mas ainda não há total clareza sobre quem está e quem não está incluído entre “profissionais da educação”, especialmente se essa definição deve ficar vinculada à formação. Dessa maneira, muitos gestores não estão aplicando os recursos devidos com medo de punições posteriores. Até o início de setembro, haviam mais de 1.500 pedidos de esclarecimento de prefeituras ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), como informou reportagem da Folha de S. Paulo. 

Para Alessio Costa Lima, Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Região Nordeste, ter segurança e precisão sobre quem pode ser pago e onde exatamente gastar cada recurso é o ponto de maior confusão para gestores sobre o novo Fundeb. Na avaliação de Alessio, a insegurança vem do fato de que muitas regras ainda não foram totalmente definidas, e isso em um modelo que traz novos mecanismos de repasse e de vinculações. Por exemplo, com o Valor Aluno Ano Total (VAAT), que pela lei deveria ter sido publicado até junho para que a complementação começasse em julho. 

Foi pelo VAAT que vieram os R$3.2 bilhões incorporados ao novo Fundeb em 2021, destinados a ao menos 1364 municípios de 25 estados da federação. E tem gerado confusão porque o artigo 28 da lei de regulamentação determina que ao menos 50% do valor repassado pelo VAAT deva ser aplicado na educação infantil. Mas é preciso que o INEP faça um cálculo do indicador para aplicação dos recursos da complementação VAAT na educação infantil. E a metodologia deste cálculo, que foi publicada e está em vigor,  ainda é provisória. “Até o momento, a forma apresentada pelo MEC do indicador da educação infantil  deixa a desejar”, opina Alessio, da Undime. “Ela leva em conta índices como nível socioeconômico, população e taxa de atendimento da educação infantil, mas para calcular taxa de atendimento são preciosos dados populacionais, o que não temos. Os cálculos foram feitos de forma linear, desconsiderando que nascem cada vez menos crianças, por exemplo. As fórmulas precisam ser mais discutidas e amadurecidas”, argumenta ele. 

Outro mecanismo de repasses de recursos da União também está sob disputa. O VAAR, que vai ser responsável por 2.5% dos 23% da complementação da União e pretende colaborar para diminuir desigualdades por meio da redistribuição dos recursos. É um grande avanço do novo Fundeb, como destaca o professor Eduardo Januário, da Faculdade de Educação da USP (FEUSP): “É a primeira vez na história que se incita o Estado a cumprir a promoção da equidade através de políticas educacionais”.

O VAAR ainda não está em vigor, mas seus critérios não são consenso. Aléssio Lima, da Undime, destaca que o contexto da pandemia deveria inclusive alterar os critérios do VAAR. “A destinação se dá com base no desempenho, mas não se pode usar o indicador baseado em 2020, como prevê a lei. Foi um ano atípico, com muitas desigualdades na oferta do ensino. Distribuir os recursos com base nisso reforçará ainda mais as desigualdades educacionais, privilegiando redes que já tinham maior infraestrutura. E também não está posta a forma de cálculo para mensurar o desempenho e a evolução das redes de ensino”, alerta. 

Fatores de ponderação

De acordo com a lei de regulamentação do novo Fundeb, os fatores de ponderação permaneceriam os mesmos em 2021, e até outubro deste ano a lei deve ser atualizada. A um mês do fim do prazo, não há indícios de que vai haver essa atualização, o que tornam incertos os fatores para 2022. Até o momento, o Congresso realizou audiências públicas sobre os fatores.  

Todas as pessoas que ouvimos para esta reportagem concordam que esse é um aspecto importante ainda sem definição e que pode influenciar diretamente na redução de desigualdades ao destinar mais recursos para categorias historicamente subfinanciadas, como a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Escolar Indígena e Quilombola. Eduardo Januário, professor da FEUSP, enfatiza que as conversas sobre os fatores de ponderação já acontecem – e sem dúvidas prometem ser um ponto de disputa. “Percebo que a discussão étnico-racial já está na mesa, o que é um progresso, mas é preciso ter garantias, como o CAQ, para assegurar que hajam recursos para de fato promover uma educação antirracista. O mercado já não renega questões como as de gênero e de diversidade sexual, mas as vê sob uma ótica da meritocracia e não como um processo libertário, de políticas afirmativas”, destaca o professor. 

Ameaças ao financiamento educacional e PEC 13

Os fatores de ponderação devem ter o CAQ como referência, mas o CAQ  – e sua fórmula de cálculo – ainda não estão nem perto de entrar em vigor. O Sistema Nacional de Educação (SNE), também ainda não saiu do papel. Para Nalu Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), avançar na implementação do CAQ e do SNE são talvez os maiores desafios da implementação do novo Fundeb, junto à derrubada da Emenda Constitucional 95 (EC 95, do Teto de Gastos), que vem, desde 2016, inviabilizando o aumento dos repasses reais para a Educação e, consequentemente, inviabilizando o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE). 

A pesquisadora ressalta que, nos últimos anos, a complementação do governo federal na Educação se mantém ou cresce via Fundeb (um repasse obrigatório e protegido inclusive da EC 95) enquanto são reduzidos os recursos não obrigatórios para os programas de assistência financeira na área, como os financiados pelo FNDE – Apoio ao Transporte Escolar, o Programa de apoio à Alimentação Escolar (PNAE), Programa do LIVRO DIDÁTICO, etc. “Se essa trajetória continuar, os programas vão se reduzir ainda mais. Isso vai totalmente na contramão do CAQ como referência para assistência financeira da União na educação básica, onde o que acontece na prática é a queda da assistência, excetuando-se o Fundeb”, diz ela. Os números não mentem: entre 2014 e 2020 o governo federal tirou quase 40 bilhões do orçamento da educação, segundo acompanhamento de Nelson Amaral, da Universidade Federal de Goiás (UFG). 

E a situação pode ficar ainda pior caso a Câmara também aprove a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 13/2021, que anistia os gestores que não investiram o mínimo constitucional em Educação nos anos de 2020/21. O último episódio do podcast #FiqueDeOlho explicou que a proposta é um retrocesso, podendo alterar a Constituição de 1988 por conta de uma minoria de municípios que não cumpriram a regra durante a pandemia. “É um retrocesso não só pelo conteúdo, mas porque abre o precedente para matérias que, como essa, poderiam ser resolvidas em outro nível, banalizando as reformulações na Constituição e as próprias regras de financiamento da Educação”, aponta Nalu. O presidente da Undime Nordeste, Aléssio Lima, concorda e afirma que a PEC vai na contramão do espírito do novo Fundeb, debatido ao longo de anos junto à sociedade civil e movimentos e entidades do campo da Educação. 

Quem também é contrária à PEC 13 é a deputada Professora Dorinha, que tem expectativas de que a Câmara consiga reverter o retrocesso que teve o aval do Senado. “Não há argumento possível para perdoar gestores que não investiram os 25% na Educação. Mesmo considerando as escolas fechadas fisicamente, muitas precisavam de recursos para fazer suas readequações. Temos 49% das escolas que sequer têm saneamento básico, sem nem falar de biblioteca ou laboratório. Como dizer que não há onde gastar os 25% da educação se tem tanto pra ser feito?”. 

Em suma, um ano após sua promulgação, o novo Fundeb, um avanço incontestável para a garantia do direito à educação a todas e todos no país, segue precisando de grande mobilização social para garantir que de fato seja implementado.  

Não é crise, é projeto: reformas estruturais que reduzem o Estado restringem o direito à educação, mostra estudo

Análise das medidas de austeridade e das reformas trabalhista, tributária e administrativa dos últimos 5 anos revela que elas reforçam desigualdades estruturais, na contramão da necessidade de aumento de financiamento para garantia de direitos sociais

Imagem de um livros empilhados com elementos gráficos, de riscos e acentos, a sua vola. A imagem é destaque da matéria Não é crise, é projeto: reformas estruturais que reduzem o Estado restringem o direito à educação, mostra estudo

Nos últimos cinco anos, as reformas que reduziram o papel do Estado brasileiro na garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais (DHESCA) impactaram negativamente nos avanços nas áreas sociais conquistados nas últimas décadas e precarizaram os serviços públicos. Com características de complementaridade e continuidade, as medidas alinhadas às demandas das elites econômicas atacam as bases do funcionalismo público – incluindo da educação pública – e reforçam as desigualdades estruturais brasileiras, situação que se torna ainda mais grave no contexto de pandemia.

É o que mostra o estudo “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação” produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com apoio da organização internacional ActionAid, e com colaboração técnica da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Plataforma DHESCA, e da coalizão Direitos Valem Mais.

O estudo foi lançado internacionalmente no dia 12 de outubro, através de link do Zoom da ActionAid, e nacionalmente no dia 13, em debate transmitido pelas redes sociais da Campanha. Mais informações abaixo.

O estudo é a colaboração brasileira a uma pesquisa global coordenada pela ActionAid sobre como políticas de austeridade estão precarizando o trabalho dos servidores públicos, em especial da educação, em diversos países onde a organização atua. Neste esforço, os países mapeiam os impactos que as reformas de austeridade fiscal provocadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) causaram aos direitos sociais em seus contextos. 

“Faz anos que estamos denunciando e atuando sistematicamente contra uma série de reformas propostas no Executivo e Legislativo federais, que têm minado os direitos sociais, notadamente o direito à educação. Esse estudo vem coadunar com esse trabalho, mostrando em detalhe como se trata de uma agenda ampla, combinada e complementar, de reformas que se chocam com os preceitos constitucionais de direitos e pretende deformar o Estado; e está em curso”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha e uma das coordenadoras do estudo brasileiro. 

Ela analisa, também, que é uma proposta muito íntima de agendas internacionais neoliberais, uma continuidade das reformas do Consenso de Washington, amplamente apoiadas pelo FMI, que ainda não foram completamente superadas, apesar do reconhecimento internacional de acadêmicos e chefes de Estado, assim como de organismos internacionais, de que é “uma agenda falida, tanto para os direitos humanos quanto para a economia global”.

“O acesso à educação é uma condição fundamental para superar a pobreza. Por isso, é mais que urgente denunciar todo o projeto de desconstrução das políticas públicas educacionais que está em curso no Brasil, especialmente nesse momento de crises econômica, climática e humanitária. A pesquisa confirma essa urgência de revisitar o papel redistributivo fundamental dos estados e de reimaginar o setor público, numa discussão realmente comprometida com o futuro do país”, afirma Ana Paula Brandão, diretora Programática da ActionAid.

O estudo brasileiro detalha parte das Reformas de Estado implementadas e em tramitação no país e seus impactos na educação. O marco escolhido foi a ruptura democrática, em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff e a aprovação da EC 95/2016 (“Teto de Gastos”), até o momento atual, em que há uma série de reformas (trabalhista, tributária e administrativa) aprovadas ou em debate no Congresso Nacional. A análise sistematiza informações essenciais e analisa as justificativas apresentadas para as medidas, além de apresentar contra-argumentos que indicam os impactos e riscos das reformas para as áreas sociais e, mais detidamente, para a educação.

“Todas as medidas estudadas têm múltiplas camadas, como a redução do papel do Estado, a precarização dos vínculos trabalhistas e o desmonte dos serviços públicos. O estudo revela que os impactos dessas medidas na educação são significativos e apresentam riscos tanto para o financiamento das políticas educacionais como para a carreira e condições de trabalho do professorado brasileiro. Num contexto de pandemia, quando os indicadores sociais brasileiros apresentaram significativa piora, é urgente pautar o investimento robusto em políticas públicas que assegurem os direitos garantidos de forma universal pela Constituição Federal de 1988, como o direito à educação das e dos estudantes brasileiros”, afirma Vanessa Pipinis, uma das coordenadoras do estudo.  

O título do projeto remete à frase de um dos grandes pensadores da educação brasileira, Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Refere-se às estruturas sociais segregacionistas presentes no Brasil, cujas raízes Ribeiro procurou identificar e combater.

Dia da Menina (11) , Dia da Criança (12) e Dia do Professor (15/10)

As três efemérides acima que acontecem na semana de lançamento do estudo são representativas dos públicos mais atingidos pelas políticas de austeridade. O processo de desinvestimento em educação nos últimos anos impacta diretamente o direito à educação de crianças e adolescentes, por não ser possível alcançar as previsões legais do PNE (Plano Nacional da Educação) e do recém-constitucionalizado CAQ (Custo Aluno-Qualidade), que também ficam inviabilizadas até aqui sob políticas de austeridade, barrando a garantia de uma educação de qualidade no país.

O professorado, parte significativa dos servidores públicos, enfrenta graves ameaças, como a da Reforma Administrativa (PEC 32/2020). Por ser uma uma proposta estrutural de precarização do serviço público, ela pode atingir diretamente as e os servidores na perda da estabilidade, na proteção e garantia de direitos, na progressão da carreira, nas formas de contratação e no regime previdenciário e sindical. A precarização das condições de trabalho também apresenta riscos à prática pedagógica e, inclusive, à liberdade de cátedra.

As meninas, em especial as meninas negras, são especialmente impactadas pelas reformas de Estado. A EC 95/2016, do “Teto de Gastos”, por exemplo, ao congelar por 20 anos investimentos em áreas sociais, fragiliza ainda mais a capacidade de atendimento do Estado a grupos vulnerabilizados da população, justamente num período de agravamento de desigualdades e violências contra meninas e mulheres negras. 

O tema será detalhado no Caderno 2 do estudo, em que as variáveis relacionadas a raça e gênero farão parte da análise das políticas de austeridade. O projeto seguirá aprofundando análises das medidas de austeridade na educação e já estão previstos novos cadernos temáticos para 2022, com temas emergentes na área, como a militarização da educação. A série pretende trazer ao público interessado análises temáticas na área educacional.  ….

Argumentos desbancados

Alguns dos argumentos apresentados no estudo desbancam parte do discurso de corte de gastos públicos. O principal deles, de que o Estado brasileiro é inchado, não se sustenta. No setor público, o percentual de vínculos se mantém estável em torno de 5,8% desde 2012. Portanto, é incorreto afirmar que houve uma explosão do serviço público brasileiro nos últimos anos, pois a grande maioria dos empregos gerados no Brasil está no setor privado.

Ao contrário do que a agenda reformista afirma, a expansão da capacidade de atendimento do Estado brasileiro se deu através de vínculos públicos com ensino superior completo que, entre 1986 e 2017, cresceu de pouco mais de 9 mil para 5,3 milhões. Trata-se, portanto, de trabalhadores e trabalhadoras com alto grau de escolarização. 

Apesar do aumento da escolarização entre 1986 e 2017, a média real salarial no serviço público municipal teve aumento médio real de 1,1% ao ano no mesmo período, passando de R$ 2.000 para R$ 2.800. Cerca de 60% das e dos funcionários públicos do Brasil são do âmbito municipal.

Em 2017, a remuneração média bruta mensal de docentes da rede municipal de ensino era de apenas R$ 3.111,10, muito aquém ao valor conferido a outras ocupações (Dados: Censo da Educação Básica/Inep/MEC). Educadoras/es e profissionais da saúde correspondem a 40% dos servidores municipais, com remunerações muito inferiores aos demais níveis federativos e poderes da União

O maior aumento salarial no período analisado ocorreu de fato no Poder Judiciário com crescimento acumulado de 82%. Portanto, o discurso de que servidores públicos recebam muito mais que trabalhadores no setor privado apresenta uma falácia.

Os países da OCDE, a título de comparação, gastam 2,2 vezes mais que o Brasil com servidores. Em relação ao gasto per capita em saúde e educação, o investimento brasileiro também é muito inferior, inclusive em relação aos demais países emergentes. Com relação à educação, por exemplo, em 2018, o gasto público brasileiro por aluno de instituições públicas do ensino fundamental e médio era, em média, em torno de US$ 3,800.00, por ano, menos da metade da média dos países da OCDE (US$ 9,300.00) (Dados: Education at a Glance, 2019). 

Edição de 2021 do relatório Education at Glance mostra que professores dos anos finais do ensino fundamental têm o menor salário inicial (US$ 13,9 mil anuais) entre os 40 países analisados. A média nos países membros e parceiros da OCDE analisados é de US$ 35,6 mil.

O estudo demonstra que as medidas estudadas não promoveram crescimento econômico, geração de emprego e distribuição de renda e, em relação ao funcionalismo público, pavimentam, entre outros ataques, a redução salarial, a diminuição da jornada de trabalho e a precarização das condições de trabalho, atingindo, na ponta, a garantia do atendimento à população, o que se torna ainda mais grave num contexto de pandemia.

Além disso, esse conjunto de medidas, aliado ao cenário econômico internacional, impactou negativamente alguns avanços sociais que ocorreram nos primeiros 15 anos do século 21, graças à implementação de políticas como a valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, a evolução do FUNDEF para o FUNDEB, o piso salarial para professores, a expansão da educação básica para 12 anos obrigatórios e a expansão e valorização do ensino superior.

O resultado é o aprofundamento das múltiplas desigualdades que estruturam a sociedade brasileira e que atingem, com mais intensidade, as populações historicamente vulnerabilizadas, como a população negra e as mulheres. A análise das medidas implementadas e em debate no país nos últimos anos a partir de três eixos bem definidos: o tributário, o trabalhista e o administrativo, considerando ainda as políticas de cortes que perpassam todos eles, nos permitem inferir um projeto de desmonte do Estado brasileiro, colocando em risco direitos historicamente conquistados, entre eles, o direito à educação. 

Medidas analisadas e impactos no serviço público e na educação

A EC 95/2016 (“Teto de Gastos”), em vigor desde 2016, congela os gastos públicos por 20 anos. É a única medida fiscal de tão longa duração no mundo e inviabiliza, entre outras políticas públicas, o PNE.

A EC 109/2019 (“Controle das Despesas Públicas”) se propõe a reduzir os gastos públicos sociais por via de medidas como congelamento de salários, suspensão de concursos e a limitação de investimentos públicos.

A PEC 13/2021 (“Calote na educação”) desobriga o cumprimento dos gastos mínimos constitucionais com MDE (manutenção e desenvolvimento da educação), colocando em risco mais uma vez o financiamento da educação. 

A PEC 32/2020, atualmente em debate no congresso brasileiro, apresenta significativos impactos em diversas frentes, como o risco à estabilidade das e dos servidores, medida que pode, em última análise, colocar em risco o princípio constitucional da liberdade de cátedra; a ampliação da contratação de trabalhadores temporários e ainda a possibilidade de ampliação de terceirização. A PEC 32/2020 propõe alterações que podem levar a uma maior rotatividade no serviço público, o que implica em aumento de despesas com treinamentos de novos servidores, e a uma possível descontinuidade e/ou fragilização na execução dos serviços prestados à população. 

As PECs 45/2019 e 110/2019 (Reforma Tributária) aumentariam o imposto sobre a educação privada dos atuais 3,65% para 12%, o que encareceria as mensalidades e tornaria o acesso inviável a praticamente 90% do público atendido, oriundos de famílias com renda per capita de até 3 salários-mínimos, impactando o PROUNI (Programa Universidade para Todos).

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) alterou e flexibilizou direitos trabalhistas e sindicais e pode fazer com que professoras/es sejam remuneradas/os apenas pelas aulas ministradas, precarizando a docência e impactando diretamente na qualidade do ensino.

Lançamento de estudo: “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação”

DATAS: 12/10 (internacional; Zoom ActionAid) | 13/10 (nacional; YouTube Campanha Nacional pelo Direito à Educação )

APRESENTAÇÃO DA PESQUISA: 

Andressa Pellanda – Coordenadora do estudo, coordenadora geral da Campanha
Vanessa Pipinis – Coordenadora do estudo, pesquisadora, doutoranda FE/USP, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Thais Furigo Novaes – consultora e pesquisadora do estudo, mestranda em Ensino e História das Ciências e Matemática na Universidade Federal do ABC (UFABC)
Marina Avelar – consultora e pesquisadora do estudo, membro da Rede da Campanha, consultora do Escritório de Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Ana Paula Brandão – Diretora Programática da ActionAid no Brasil


PARTICIPANTES:
Ana Luiza Matos – Doutora em Economia | professora FLACSO Brasil
Denise Carreira – FE/USP | Coalizão Direitos Valem Mais

Eduardo Ferreira – Assessor jurídico da CNTE (Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação)

MEDIAÇÃO: Daniel Cara – professor da FE/USP e dirigente da Campanha

Sobre a Campanha Nacional pelo Direito à Educação

É a articulação mais ampla e plural no campo da educação no Brasil, constituindo-se há 21 anos como uma rede de milhares de ativistas e centenas de grupos e entidades que acreditam na construção de um país justo, democrático e sustentável por meio da garantia de uma educação pública de qualidade. 

Sobre a ActionAid

A ActionAid é uma organização internacional de combate à pobreza presente em 43 países. No Brasil, atua desde 1999, beneficiando aproximadamente 300 mil pessoas por meio de projetos de educação, agroecologia, geração de renda para mulheres, inclusão e cidadania.

Informações para a imprensa

Campanha Nacional pelo Direito à Educação 
Renan Simão: (11) 95857-0824 / comunicacao@campanhaeducacao.org.br

ActionAid
Ana Carolina Morett : (21) 99502-1957 / assessoria.imprensa@actionaid.org

Por mais um ano, grande maioria dos dispositivos de metas do Plano Nacional de Educação não devem ser cumpridos no prazo, indica balanço

Balanço anual realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta estagnação e retrocessos no PNE

Imagem de destaque do site Gênero e Educação. Há uma menina negra escrevendo em seu caderno. A imagem é para a matéria "Por mais um ano, grande maioria dos dispositivos de metas do Plano Nacional de Educação não devem ser cumpridos no prazo, indica balanço". Créditos imagem: Escola foto criado por freepik - br.freepik.com

Menos de 15% dos dispositivos das metas do Plano Nacional de Educação serão cumpridos no ritmo em que se tem avançado, até o prazo de 2024. A três anos do fim de vigência da principal legislação da educação nacional, a estimativa é que, dos 41 dispositivos de meta do PNE mensurados, somente 6 devem ser cumpridos em seus respectivos prazos, aponta balanço anual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 

ACESSE O RESUMO-EXECUTIVO DO BALANÇO AQUI 

Em sete anos de vigência, apenas 5 das 20 metas tiveram cumprimento parcial. Os casos positivos dizem respeito a metas não ambiciosas e que nasceram já próximas do cumprimento.

O Balanço do PNE 2021 foi analisado em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no dia 24/06, como parte da programação nacional da Semana de Ação Mundial 2021. (Ver mais informações adiante).

Tido como uma legislação norteadora da educação brasileira (Lei do PNE nº 13.005 de 2014), que exige a formulação de objetivos a serem cumpridos ao longo de 10 anos e com vigência até 2024, o Balanço do PNE 2021 reforça análise do ano passado e de anos anteriores, indicando o descumprimento quase que total da lei.

A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, em nome da Rede, afirma em Carta à Sociedade Brasileira que “o Brasil tem abandonado a perspectiva de direito nas políticas públicas”. A Carta registra que os impactos da pandemia de Covid-19 ressaltam que existem avanços muito aquém dos necessários e também retrocessos.

“A espinha dorsal da política educacional brasileira está abandonada pelo Estado, mas não pela sociedade e muito menos pela comunidade educacional”, diz o documento. “A falta de investimentos e de medidas para garantir condições de infraestrutura, acesso, permanência e qualidade para todas as pessoas que são sujeitos de direito da educação gerou uma exclusão escolar que não está presente nos dados, pois vai além do indicador de matrícula. São milhões de estudantes excluídos dos processos educativos e em situação de vulnerabilidade, pobreza, fome, trabalho infantil, explorações e violências diversas. Os recortes de gênero, raça, território e sociais são marcantes e escancaram as desigualdades estruturais. São milhões de pessoas invisibilizadas, tocadas por políticas emergenciais de base excludente.”

Um dos principais motivos de retrocesso é a Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, que segue vigente e impede mais investimentos nas políticas sociais, como a educação. Há também os cortes frequentes, como o da Lei Orçamentária Anual de 2021 que foi aprovada com 27% de corte na educação, seguida de bloqueio de R$ 2,7 bilhões por parte do governo federal.

Na Carta ainda há o alerta de que a não realização do Censo Demográfico prejudicará o planejamento amostral da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e, assim, todos os indicadores do PNE ficam ameaçados no futuro.

LEIA A CARTA À SOCIEDADE BRASILEIRA AQUI

Apenas cinco metas do PNE apresentam o status de parcialmente cumpridas. A Meta 16 é uma delas, que tem o indicador sobre o percentual de 50% dos professores da Educação Básica com pós-graduação. Existe tendência para esse indicador ser cumprido (o percentual era de 43,4% em 2020), mas ele não basta para cumprir sua própria meta. O outro indicador da Meta 16, que aponta “o objetivo de prover formação continuada a todos os profissionais do magistério da educação básica” não tem mudanças na trajetória de evolução. Em 2020, dos mais de 2 milhões docentes em atividade na educação básica, 1.338.711 deles não haviam recebido qualquer tipo de formação continuada. Deve-se chegar a 2024 ainda muito distante da meta.

Balanço e indicadores na pandemia

Os dados mais atualizados do Balanço do PNE 2021 são do segundo trimestre de 2020, portanto, ele leva em conta a pandemia de Covid-19 em alguns indicadores. Contudo, o Balanço registra que algumas metas – como as Metas 1 e 2, que evidencia a exclusão escolar de estudantes da creche ao fundamental -, indicam que “esse não era um problema resolvido antes da pandemia”. Em outros indicadores, os impactos da pandemia não eram visíveis mesmo com os dados mais atualizados. 

Compondo o estado da maioria dos dispositivos de meta, vê-se estagnações e ritmos de avanço insuficiente para cumprimento. Também existem retrocessos, casos do indicador de analfabetismo funcional e da Educação de Jovens e Adultos, que são as Metas 9 e 10 respectivamente, e também a baixa de matrículas em educação integral, Meta 6.

O caso mais grave é da Meta 20, de financiamento, com o congelamento dos gastos na área e as políticas de cortes, como enfatizado no documento publicado pela Campanha.

Confira todas as fontes dos dados e os gráficos do Balanço do PNE 2021 no documento-síntese do Balanço, que pode ser encontrado no site da Semana de Ação Mundial 2021, assim como na sua versão estendida, que contém mais detalhes, como as desagregações dos indicadores.

ACESSE AQUI A VERSÃO ESTENDIDA DO BALANÇO DO PNE 2021

Audiência pública

O Balanço do PNE 2021 foi discutido em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados dia 24/06, como parte da programação nacional da Semana de Ação Mundial 2021.

Estarão presentes as deputadas e deputadosProfessora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), Danilo Cabral (PSB-PE), Professora Rosa Neide (PT-MT) e Alice Portugal (PCdoB-BA).

Como representantes da sociedade civil, participam Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação;, Daniel Cara, professor da FE/USP e dirigente da Campanha; e Márcia Jacomini, professora da Unifesp e representante da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação).

A audiência ocorreu no plenário 12 e transmitida pelo portal e-Democracia.

Edital “Planos de Educação Vivos: vamos contar as suas histórias”

A Iniciativa De Olho nos Planos recebe até dia 06 de agosto inscrições para o edital de seleção “PLANOS DE EDUCAÇÃO VIVOS: vamos contar as suas histórias!”.

Conselhos, fóruns e secretarias de educação, universidades, movimentos estudantis, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, profissionais da educação, coletivos juvenis e/ou estudantis e ativistas são convidados a participa, contando suas histórias sobre processos participativos de construção e monitoramento dos Planos de Educação em seus municípios, estados e também a nível federal.

O objetivo do edital é resgatar a memória, valorizar o legado e manter vivo o principal instrumento da política pública educacional brasileira, além de valorizar as iniciativas e acúmulos de comunidades escolares, profissionais, estudantes, fóruns, conselhos, secretarias de educação, organizações estudantis, grupos juvenis e coletivos culturais que participaram de processos de construção e monitoramento de Planos de Educação.

Serão consideradas as propostas de atividades que contem as histórias em diferentes linguagens (oral, escrita, ilustrada, cantada etc) e suportes (áudio, padlet, vídeo, powerpoint, álbum de fotos etc). As inscrições podem ser individuais ou coletivas. Acesse o Edital completo e o formulário de inscrição por meio deste link.

Mobilização em defesa do auxílio emergencial e contra a desvinculação de recursos da saúde e educação é destaque no Twitter

Hashtag #AuxilioSimDesmonteNao alcançou o segundo lugar entre os assuntos do Twitter e acumulou mais de 18 mil mensagens nas redes sociais. Como resultado da mobilização, votação da PEC Emergencial foi adiada para a próxima semana.

Em colagem, é possível ver montagem com uma lupa, um globo terrestre, umão mão segurando uma seringa, um frasco de vacina e duas máscaras de proteção.

Uma mobilização nacional, articulada por várias redes, organizações e movimentos sociais, pela garantia do auxílio emergencial com a manutenção do investimento obrigatório em saúde e educação alcançou os “trend topics” do Twitter. Entre 10h e 11h, o tuitaço com mais de 18 mil tweets fez o tema chegar ao segundo posto da lista dos assuntos mais falados do dia.

A mobilização protestava contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186. Apelidada de “PEC Emergencial”, a medida condiciona a prorrogação do auxílio emergencial ao fim da vinculação constitucional de recursos em saúde e educação.

“A vinculação é o investimento de um percentual mínimo obrigatório que União, os estados e municípios devem destinar para a saúde e a educação. O Brasil só perdeu a vinculação de recursos duas vezes na história, no Estado Novo e na ditadura militar.  Ausente apenas em períodos autoritários, a vinculação é fundamental para que não haja retrocesso nessas áreas, que já convivem com o subfinanciamento histórico”, afirma Denise Carreira, da coordenação executiva da Plataforma Dhesca e da Coalizão Direitos Valem Mais – pelo fim do Teto de Gastos e por uma nova economia. Composta por duzentas organizações e redes da sociedade civil, a Coalizão foi uma das redes que convocaram a mobilização nacional. 

Depois da mobilização nas redes, a votação da PEC foi adiada para a próxima terça-feira (2).

“É importante nos mantermos alertas. A PEC não caiu, sua votação foi apenas adiada, então a pressão precisa continuar. O texto da PEC contém várias armadilhas contra direitos sociais para além da ameaça à vinculação constitucional”

O risco de colocar o equilíbrio fiscal acima dos direitos sociais

Além do corte em saúde e educação, a PEC186 ameaça também os demais direitos sociais. Ela determina uma alteração no artigo 6º da Constituição Federal, constitucionalizando a manutenção do equilíbrio fiscal como uma prioridade acima da garantia de direitos.

“Os direitos continuam lá, mas deixam de ser efetivos ou ficam subordinados a uma figura abstrata chamada ‘equilíbrio fiscal intergeracional’. Com isto, o cumprimento dos direitos fica subordinado a uma avaliação econômica. Essa avaliação pode ser, por exemplo, a de que o déficit é grande e a dívida é alta ou crescente e portanto, justifica-se o não cumprimento dos direitos”, analisa Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp e integrante da Coalizão Direitos Valem Mais.

No lugar da PEC186, a Coalizão Direitos Valem Mais defende a prorrogação do Auxílio Emergencial via garantia do Piso Mínimo para Serviços Essenciais na Lei Orçamentária Anual 2021. O Piso é um referencial de valor para saúde, educação, assistência social e segurança alimentar de forma a interromper a deterioração orçamentária acelerada que essas áreas têm enfrentado desde 2015. O montante do piso é de 300 bilhões a mais do que a cifra prevista pelo governo para essas áreas.

Uma pequena animação que tem circulado pela internet resume a proposta e apresenta os serviços que ela vai garantir: 

O Piso representa a garantia de demandas urgentes como a vacinação da população, a prorrogação do auxílio emergencial, a segurança para o retorno às aulas e o enfrentamento da fome, que tem crescido em disparada no país. 

Sobre a Coalizão Direitos Valem Mais

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Atualmente, mais de 200 reúne associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica.

Uma das agendas centrais da Coalizão é o fim do Teto de Gastos (EC95/16), emenda constitucional que restringiu os recursos das áreas sociais por 20 anos. A EC95/16 é definida pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta. Atualmente, duas propostas de emenda revogatória da EC 95 tramitam no Congresso Nacional: a PEC 54/2019 e a PEC 36/2020. 

Site da Coalizão: www.direitosvalemmais.org.br

Escolas do campo, indígenas e quilombolas enfrentam desafios pela falta de políticas públicas

Iniciativa De Olho Nos Planos ouviu comunidades escolares em todas as regiões do país e atesta que falta água, saneamento e internet em muitas escolas.

Em colagem, é possível ver menina lendo apostila escolar

A falta de pessoal faz com que seja comum que os professores das escolas quilombolas em Salvaterra (PA), sejam os responsáveis pela merenda e outras tarefas de manutenção. Do outro lado do país, em Cascavel (PR), os moradores do assentamento Valmir Mota de Oliveira não puderam esperar o Estado e eles mesmos construíram sua escola. 

Uma parede de gesso separava duas salas de aula de um Colégio Estadual Indígena em Rodelas (BA). A divisória, improvisada para comportar as turmas da escola, não era suficiente para impedir o isolamento acústico, e os docentes precisavam negociar com antecedência as atividades envolvendo audiovisual ou mesmo debates. A 77km de distância, no município de Glória (BA), os alunos de outro Colégio Indígena não têm refeitório e comem sua merenda no chão, não raro cercados pelos animais que invadem o perímetro da escola. 

Em todo o Brasil, outras escolas do campo, indígenas e quilombolas enfrentam desafios parecidos, consequência do abandono histórico destas modalidades por parte de governos e pela ausência de políticas públicas. Estes desafios tornam-se especialmente relevantes no contexto da pandemia de Covid-19 e do novo Fundeb, que garantiu mais recursos para a educação pública. No processo de regulamentação do novo fundo, que precisa ser iniciado com urgência em 2020 para valer já em 2021, ainda serão definidas importantes diretrizes de financiamento para estas três modalidades. Por isso, a iniciativa De Olho Nos Planos ouviu as comunidades escolares. 

No mês de outubro de 2020, foram realizadas 12 entrevistas telefônicas com diferentes atores da educação escolar quilombola, indígena e da educação do campo para entender melhor sobre suas atuais condições de ensino e aprendizagem, mapeando seus desafios para assegurar uma Educação de qualidade. Foram ouvidas professoras, diretoras e diretores, alunas e alunos, ativistas, familiares e um gestor. As entrevistas mostraram que, em maior ou menor grau, as escolas ainda não contam com insumos mínimos como bibliotecas, laboratórios ou mesmo acesso a água e saneamento básico. O que já têm é, em grande medida, fruto de anos de mobilização e iniciativas comunitárias que tentam suprir a demora do Estado em garantir o direito à educação destas populações.

A seguir, alguns dos problemas mais comuns identificados:

Água, saneamento básico e energia elétrica

Em grande parte das escolas mapeadas, as escolas aproveitavam soluções pensadas pela própria comunidade, como fossas sépticas e cisternas, não havendo um sistema específico para as unidades de ensino. Para se ter uma dimensão do problema, há 3.574 escolas rurais sem acesso a água no país – quase um terço delas (964) no estado do Maranhão. E 4.166 sem acesso a energia elétrica. Em outras 2.919, as aulas não acontecem em um prédio escolar. Os dados são de um levantamento de 2019 produzido por diferentes entidades de Educação no Campo. 

Em entrevistas, foram frequentes os relatos de banheiros interditados. Em escolas mais afastadas, como anexos de escolas indígenas e quilombolas, sequer há banheiro e muitas vezes o acesso à água depende de carros-pipa. Quando este não chega, as aulas precisam ser interrompidas. Se o cenário já era grave antes da pandemia, agora é imperativo proporcionar condições sanitárias adequadas para que a volta das aulas presenciais não ponha a comunidade escolar em risco. 

A gente sonha muita coisa…eu gostaria de um banheiro separado para professores e crianças. Nesse exato momento a descarga está quebrada, então tem que pegar água em um balde para poder jogar na privada. São coisas básicas, mínimas, mas que fariam muita diferença para a gente hoje.

(Diretora de escola indígena – Glória-BA)

A escola tem um laboratório de informática, mas na prática não tem, porque a energia elétrica não comporta ligar todas as máquinas ao mesmo tempo.

(Professora de escola quilombola, Salgueiro-PE) 

A reforma da escola incluiu novos banheiros, mas houve um problema com o encanamento e ele teve que ser interditado, agora só há um banheiro masculino e um feminino. Se usarmos esse banheiro, o esgoto fica onde a gente vai passar. É muito nojento. Basicamente o banheiro abriu e já teve que fechar, mas estão buscando solucionar. A água vem de um poço artesiano bem antigo, mas é muito ruim. Um aluno numa feira de ciências analisou e viu que o pH estava inadequado. A reforma teoricamente também pensou em acessibilidade, então o banheiro foi feito pra ser acessível: mais espaçado, tem corrimão, cabine exclusiva e tudo mais. Mas para entrar, é com degrau. Não adianta dentro ser acessível e o acesso não.

(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG). 

Nosso maior problema é a fiação, temos medo de pegar fogo a qualquer momento e estarmos dentro da escola. É muito velha, eu acho que nunca teve manutenção. Fica ainda pior quando chove. E na aldeia sempre falta energia, então às vezes não tem como ter aula de noite. (…) O banheiro adaptado não sei se quebrou, mas desde que eu me lembre ele sempre foi uma dispensa (…) banheiro masculino (…) quebrou e ficou só o feminino, que fica interditado

(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA) . 

Um dos anexos funciona com energia solar, o que é bastante incomum. Mas reivindicamos uma placa mais potente que consiga sustentar uma geladeira, porque atualmente não conseguimos mandar todos os produtos da merenda para o anexo porque eles estragam. Verdura e carnes estragam, não tem como conservar. A falta de água também nos impediu de dar continuidade ao projeto da horta. Isso dificulta o trabalho  junto aos alunos de trazer uma vivência maior com a terra para o dia a dia da escola.

(Diretora de escola indígena – Glória-BA)

Merenda e transporte escolar

Na maior parte das escolas, o transporte – em geral, terceirizado – não consegue atender os alunos ao longo de todo o ano letivo. Seja porque apresenta problemas de manutenção ou, principalmente, pelas más condições das estradas, que alagam ou são de difícil acesso. É frequente que, em épocas de chuva, os alunos não consigam chegar à unidade de ensino. Quanto às merendas, a maior parte das escolas consegue ter acesso a ingredientes frescos e condizentes com suas culturas, exceto quando há problemas com os equipamentos de armazenamento. No entanto, reclamam de pouca verba disponível para a merenda, o que faz com que ela se atenha a ingredientes básicos e pouco variados e se limite a apenas uma refeição, mesmo quando os alunos fazem longos trajetos. 

A verba da merenda é de apenas 64 centavos por dia por aluno, é muito pouco. Então a gente acaba comprando o grosso: feijão, arroz, macarrão, frango. Não dá pra comprar outro tipo de carne. Também relacionado a isso, algo que eu sinto muita falta é um refeitório pras crianças, porque a gente só tem uma cozinha. Eles pegam a merenda e vão sentar no chão ou vão para as salas de aula comer. As vezes tem cachorros que entram na escola e se misturam, o que sabemos que não é higiênico. Gostaria de um refeitório com mesas e cadeiras para que as crianças pudessem sentar e fazer suas refeições todo dia, direitinho.

(Diretora de escola indígena – Glória-BA)

A merenda que chega dá para no máximo 15 dias, o que os gestores fazem para isso durar o mês é revezar: em um dia tem merenda, no outro não tem. E a maioria das escolas não dispõe de lugar para armazenar alimentos frescos, então muitas vezes não vem. Só alimento com conservante. O transporte escolar é precário, os ônibus geralmente estão superlotados, com alunos viajando em pé e é frequente quebrar no meio do caminho, porque são velhos. O que vinha para o quilombo não tinha nem farol. Se quebra, os alunos da tarde só conseguem chegar em casa 9 ou 10 da noite. Além disso, durante o inverno as vias ficam intransitáveis, no ano passado o transporte ficou 2 meses sem conseguir passar por alguns trechos. Estamos denunciando essa situação junto ao poder público. 

(Técnica em educação e liderança quilombola, Salvaterra-PA)

O transporte escolar é de péssima qualidade, a merenda deveria ter mais recursos. Muitos alunos vêm de longe e não podem tomar um café da manhã antes da aula, seria bom se pudéssemos contar com um desjejum.

(Coordenadora pedagógica de escola quilombola, Nossa Senhora do Livramento-MT).

O transporte não é exclusivo para alunos, então todo dia convivemos com passageiros comuns para ir para a escola. A gente já se deparou com diversas cenas, já me ofereceram droga na volta da escola, já vimos brigas, pessoas bêbadas.. E em zona rural às vezes o transporte não tem como passar. Em época de chuva tem estudante que fica sem ir na escola. 

(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG). 

Salas multisseriadas, ausência de bibliotecas, laboratórios e internet

Nenhuma das escolas tinha laboratório de ciências ativo e apenas uma tinha quadra poliesportiva coberta. Exceção também é a escola que possui laboratório de informática à disposição de seus alunos. Em geral, os espaços de lazer misturam-se aos da comunidade em que a escola está inserida, inclusive porque muitas escolas são abertas. 

Salas multisseriadas já foram uma realidade em praticamente todas as escolas, e em muitas continua sendo, especialmente em unidades anexas e em etapas iniciais do ensino fundamental. A justificativa é o baixo número de matrículas por turma, uma característica compartilhada pela educação rural, indígena e quilombola.

As bibliotecas também deixam a desejar: nem todas as escolas conseguem garantir um espaço como este, com livros além dos que são trabalhados em sala de aula. Há uma queixa frequente dos materiais didáticos e livros disponíveis não conversarem com as realidades dos estudantes e das comunidades. 

Minha escola passou por muitas reformas, a maioria de iniciativa da comunidade escolar mesmo ou algumas parcerias. As salas até que se encontram em boas condições, mas sinto falta de tecnologia dentro da sala: TV, projetor.  A reclamação dos professores é falta de acesso a internet dentro das salas, porque agora tudo depende de internet, inclusive a anotação de presença. Muitas vezes a chamada é na sala dos professores, depois da aula, pois lá pega internet.

(Aluno de escola do campo, 3° ano EM, Espera Feliz-MG)

Nos anos iniciais do ensino fundamental temos multissérie, por conta do número de alunos. E vimos que tem defasagem quando chega no sexto ano. Até 4 anos atrás não era multissérie, e aí vimos a diferença. O professor dos anos iniciais é a base. 

Diretora de escola do campo, Santa Maria d’Oeste-PR

Nós conseguimos manter um número reduzido de estudantes por turma porque a nossa estrutura não comporta mais: as salas não dão condições de aglomeração, no frio faz muito frio e no verão faz muito calor. No fim do ano, quando solicitamos as turmas ao Estado, é sempre uma briga. Precisamos justificar o baixo número de matrículas por turma. Em geral, quando eles veem as fotos da escola, acabam aceitando. E é melhor para o trabalho dos professores.

(Diretor de escola do campo, Cascavel-PR).

Cheguei a ter aulas de informática, mas tiraram os computadores, não sei ao certo o porquê. No Ensino Fundamental tem aula de educação digital até hoje, mas como nem todo mundo tem notebook para levar, a aula é mais por folha [de papel]. Dão arquivo impresso ou o professor leva notebook e usa datashow ou apostila. No meu caso particular, eu gosto muito de conhecer as coisas, de pesquisar e aprender coisas novas, então não ter mais esses computadores faz muita falta.  E os professores já falaram que sentem falta de laboratório de ciências, queriam ter acesso e mostrar pra gente. Mostrar, por exemplo, uma água não potável no microscópio. E na aula de inglês não usamos muito o livro, seria melhor se tivéssemos livro. O único que eu usei era bem desatualizado. 

(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA)

(…) Nenhuma escola do município tem internet banda larga. Quando tem, professor ou gestor está pagando do próprio salário para conseguir trabalhar. Ofertada pelo poder público, não tem. 

(Técnica em educação  e liderança quilombola, Salvaterra-PA)

O material enviado pela Seduc não é específico para a comunidade, nós começamos a produzir nossos próprios materiais por causa disso, mas precisamos de mais recursos para aumentar a quantidade e qualidade.

(Coordenadora pedagógica de escola quilombola, Nossa Senhora do Livramento-MT).

Os livros que chegam para a gente trazem mais a realidade do Sudeste, Sul e Norte do país. Nada voltado pro nosso Nordeste, conseguimos acompanhar muito pouco. Por isso, nos últimos 5 anos temos nos amparado no projeto Saberes Indígenas na Escola. Fazemos atividades continuadas, trabalhamos leitura e escrita, produção de material didático, etc. Assim, conseguimos desenvolver um material didático nosso. Mas nós não formamos os alunos apenas para a comunidade e sim para o mundo, então não podemos deixar de trabalhar outros conteúdos – mas sentimos muita falta de um livro mais adequado, que fale bem das populações indígenas, do nordeste, que valorize mais nossa cultura, tradição e história. Na EJA, por exemplo, não há nada específico para eles. Na Educação Infantil, os professores têm que sempre buscar na internet.

(Diretora de escola indígena, Glória-BA).

(DES)valorização das professoras e profissionais da educação

A maioria das professoras e dos professores de escolas do campo, quilombolas e indígenas trabalha sob um contrato precarizado e com pouca ou nenhuma estabilidade. Na Educação no Campo, entidades da área apontaram 138.416 professores temporários no país em 2019.

Em todas as modalidades abordadas pelo mapeamento, foram comuns relatos de atrasos em pagamentos e de prejuízo ao ensino por conta da precarização dos contratos, já que sua curta duração implica em alta rotatividade de professores, impedindo projetos e formações a longo prazo. Ainda, houve relatos de atrasos no início do ano letivo pela demora na regularização dos contratos. Os concursos são raros, não havendo perspectiva de mudança deste cenário. 

O fato da maioria dos professores serem contratados – e não concursados – faz com que muitos aceitem condições indignas de trabalho. Eles se submetem porque precisam sobreviver, mas o contrato lhes tira direitos. Uma outra reclamação é a ausência de material didático para trabalhar questões do currículo elaborado e proposto.

(Técnica em educação  e liderança quilombola, Salvaterra-PA). 

Há anos não existe formação continuada específica oferecida pelo Estado na modalidade de Educação do Campo. Sempre que podemos e há disponibilidade de educadores participamos de formações oferecidas pelo Movimento [dos Sem Terra].

Diretora de escola do campo, Santa Maria d’Oeste-PR 

Na nossa escola eu gostaria de ter mais condições de trabalhar nossa proposta pedagógica. O governo estadual engessou demais a autonomia da escola, as propostas são padronizadas no estado inteiro como se todas as regiões fossem iguais. Sinto dificuldade na formação e na autonomia para liberdade pedagógica. Nossas escolas não aceitam ser um forno de cidadãos dóceis, são espaços de formação coletiva e para a  liberdade e autonomia.

(Diretor de escola do campo, Lapa-PR). 

Mobilização comunitária

O Estado não tem garantido insumos básicos para a efetivação do direito à educação nas escolas participantes do mapeamento. Pelo contrário, comunidades quilombolas, aldeias indígenas e assentamentos são protagonistas nas mudanças e melhorias de suas escolas. São professoras e profissionais que usam o fim de semana para reparar a rede elétrica, comunidade que desenvolve tecnologia de tratamento de água ou que, literalmente, levanta a escola do zero. O trabalho coletivo é acompanhado de diálogo com o poder público e com constantes reivindicações, mas as questões mais emergenciais tendem a ser resolvidas internamente. 

Todo ano a gente faz o arraiá da escola, com as barraquinhas de comida. Fizemos rifa e usamos o dinheiro da venda para comprar ar condicionado para as salas, porque não tinha em todas.

(Aluna de escola indígena, 2° ano EM, Rodelas-BA) 

Com muita luta, a comunidade conseguiu fazer com que a seleção para professoras e professores fosse específica para a comunidade. Quer dizer, apenas docentes daqui podem dar aula em nossas escolas. Assim, geramos mais renda e emprego para a comunidade e motivamos a juventude a continuar estudando, porque eles sabem que vai haver uma forma de trabalhar por aqui. Na escola, armamos os estudantes com nossas histórias, tradições e ancestralidade. Quem melhor para fazer isso do que o próprio povo? 

(Professora de escola quilombola, Salgueiro-PE)

Nossa estrutura é precária, mas antes era ainda pior, não tinha sequer energia. Vem melhorando com recursos que vêm do Estado: as salas são de madeira com piso bruto, tem energia elétrica, mas ainda não tem forração. As portas e janelas são de madeira e construídas pela comunidade, temos laboratório de informática, embora os computadores não sejam novos. Para quem não tinha nada, foi uma evolução. Mas nada veio de reconhecimento do governo e sim de muita luta e enfrentamento. É uma luta diária, mas não dá pra desistir, porque se não tivéssemos lutado não teríamos conquistado o que temos hoje. Para o governo talvez fosse mais fácil botar todos os estudantes dentro de um ônibus e ir para a cidade, mas não é o que a comunidade quer e isso descaracteriza o estudante do campo. Nossa luta é pela manutenção da escola do e no campo.

(Diretor de escola do campo, Cascavel-PR).

Em Salvaterra há 12 escolas dentro dos territórios quilombolas, e conseguimos renomear todas como escolas quilombolas. E desde 2012 lutamos para implementar  as diretrizes para educação escolar quilombola. Conseguimos inserir no Plano Municipal de Educação o currículo para educação escolar quilombola. É uma história de muita luta, diálogo, do movimento sempre se articulando fortemente.

Técnica em educação  e liderança quilombola, Salvaterra-PA

Reportagem: Nana Soares | Edição: Claudia Bandeira

Imagem: Marcello Casal Jr / Agência Brasil | Edição: Marcelle Matias