Ampla maioria defende que igualdade de gênero e educação sexual sejam abordadas nas escolas

Pesquisa nacional realizada pelo DataFolha revela que 96% da população acredita que estudantes devem receber na escola informações sobre enfrentamento à violência contra mulheres; 91% dizem que a educação sexual ajuda crianças e adolescentes a se prevenirem contra o abuso sexual

Imagem da matéria "Ampla maioria defende que igualdade de gênero e educação sexual sejam abordadas nas escolas" do site Gênero e Educação. Na imagem há duas meninas negras lendo livros

A pesquisa nacional Educação, Valores e Direitos revelou que a maioria dos brasileiros defende a abordagem de temas relacionados à desigualdade de gênero e à educação sexual nas escolas. Coordenada pelas organizações Ação Educativa e Cenpec, a pesquisa inédita foi realizada pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e Instituto Datafolha, no marco da articulação de organizações da sociedade civil em defesa do direito à educação e contra a censura nas escolas. Foram ouvidas 2.090 pessoas em todo o país sobre questões consideradas polêmicas relativas à política educacional. Outros dados da pesquisa serão divulgados nas próximas semanas. A realização da pesquisa contou com recursos do Fundo Malala.

A pesquisa fez diversas perguntas sobre a abordagem de questões relacionadas à educação em gênero e sexualidade. Perguntados se estudantes devem receber, nas escolas, informações sobre as leis que punem a violência contra mulheres, 96% dos entrevistados disseram concordar, 93% acreditam que as escolas precisam ensinar meninos a dividirem com meninas e mulheres as tarefas de casa e 88% dizem ser importante que as escolas discutam as desigualdades entre homens e mulheres. Com relação à afirmação de que as escolas devem promover o direito das pessoas viverem livremente sua sexualidade, sejam elas heterossexuais ou LGBTs, a concordância foi de 81%.

Em relação à educação sexual, o apoio também é expressivo: 96% afirmam que as escolas devem oferecer informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e como preveni-las; 93% são favoráveis a que os estudantes recebam, nas escolas, informações sobre como evitar uma gravidez indesejada; e 91% concordam que a educação sexual ajuda crianças e adolescentes a se prevenirem contra o abuso sexual. Sete em cada dez acreditam que a escola está mais preparada que os pais para explicar temas como puberdade e sexualidade (veja tabelas ao fim do texto).

“A pesquisa mostra que a população compreende a educação sexual como uma forma de proteger crianças e adolescentes. É a partir dessa abordagem, por exemplo, que crianças podem identificar e denunciar situações de abuso sexual e adolescentes podem se informar sobre a prevenção de uma gravidez indesejada”, comenta Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec.

Educação sexual e gênero: tentativas de censura

A presença da temática de gênero e sexualidade na educação tem sido alvo de diversos ataques e tentativas de censura. Diversos municípios chegaram a aprovar leis proibindo qualquer referência a gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas. Em uma série de julgamentos em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que essas legislações são inconstitucionais, por ​​violarem valores democráticos, liberdades individuais e princípios como a tolerância e a convivência com a diversidade. As decisões também afirmam que a abordagem de gênero e sexualidade é uma obrigação de secretarias de educação, escolas e professores, para a promoção de políticas de igualdade e não discriminação.

“Essas decisões são um marco, reafirmando que a abordagem de gênero e sexualidade nas escolas está amparada na Constituição Federal e em diversas legislações, como a própria Lei Maria da Penha, que em seu artigo oitavo determina a educação para a igualdade de gênero e raça em todas as escolas. Além do respaldo legal, a pesquisa mostra que a maior parte da população compreende e apoia que o debate de gênero e sexualidade avance nas escolas, o que contraria o discurso de movimentos ultraconservadores que promovem desinformação e pânico moral sobre essas agendas”, explica Denise Carreira, coordenadora institucional da ONG Ação Educativa e integrante da Rede de Ativistas pela Educação  do Fundo Malala. Em fevereiro deste ano, um grupo de mais de 80 entidades de educação e direitos humanos lançou uma nova versão do Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas. A publicação apresenta orientações jurídicas e estratégias político-pedagógicas em defesa da liberdade de aprender e de ensinar, baseadas em normas nacionais e internacionais e na jurisprudência brasileira.

Grau de concordância sobre alguns assuntos relacionados à educação sexual
A escola deve oferecer informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e formas de prevenção dessas doenças
Os estudantes devem receber, na escola, informações sobre como evitar uma gravidez indesejada
A educação sexual nas escolas ajuda as crianças e adolescentes a se prevenirem contra o abuso sexual

BAIXE A APRESENTAÇÃO DA PESQUISA (PDF)

Contatos para imprensa

Mariana Nepomuceno e Tales Rocha (Agência Galo/Assessoria da Ação Educativa) – (11) 97152-4834 e 98870-1089 – mariana.nepomuceno@agenciagalo.com; tales.rocha@agenciagalo.com

Aline Rezende  (Assessoria do Cenpec) – (13) 99137 7967 | aline.rezende@cenpec.org.br

Sobre a Ação Educativa

Criada em 1994, é uma organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, com uma trajetória dedicada à luta por direitos educativos, culturais e da juventude. Desde a sua fundação, integra um campo político de organizações e movimentos que atuam pela ampliação da democracia com justiça social e sustentabilidade socioambiental, pelo fortalecimento do Estado democrático de direito e pela construção de políticas públicas que superem as profundas desigualdades brasileiras, bem como pela garantia dos direitos humanos para todas as pessoas. Desde 2018, a Ação Educativa é apoiada pelo Fundo Malala.  Saiba mais: https://acaoeducativa.org.br/ | https://generoeeducacao.org.br/

Sobre o Cenpec

Cenpec é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que há mais de 30 anos trabalha pela promoção da equidade e qualidade na educação básica pública brasileira. Por meio da produção de pesquisas e de tecnologias educacionais, contribui no desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, na formação de profissionais de educação, na ampliação e diversificação do letramento e no fortalecimento da gestão educacional e escolar. Em parceria com redes de ensino, espaços educativos e outras instituições de caráter público e privado, atua dentro e fora das escolas públicas para diminuir as desigualdades e garantir uma educação de qualidade a todos e todas. Saiba mais: www.cenpec.org.br.

Imagem: criado por rawpixel.com – br.freepik.com

“Pequeno Dicionário” desmistifica termos polêmicos do debate político brasileiro atual

Parceria com UFRJ explica como termos como “ideologia de gênero” e “politicamente correto” passaram a ser usados como acusação.

O que significa “ideologia de gênero” e por que é ruim ser acusado de propagá-la? Um país com mais de 80% de cristãos pode ser “cristofóbico”? E “politicamente correto” sempre foi uma acusação? Essas são algumas perguntas que a publicação “Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia” pretende responder. 

A publicação, disponível no site do projeto, reúne alguns termos mais frequentes do atual debate político brasileiro – como “patriotismo”, “ideologia” e “racismo reverso” – e detalha os percursos que fizeram com que virassem presença quase obrigatória no vocabulário político do Brasil da última década. 

Elaborado ao longo de 2021, o “Pequeno Dicionário” é uma iniciativa do Observatório de Sexualidade e Política (SPW) em parceria com pesquisadores da área de linguística aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A publicação resgata a história das expressões selecionadas, destacando os momentos em que estas passam a ser usadas como acusação no debate público. Os verbetes explorados são “ideologia”, “ideologia de gênero”, “politicamente correto”, “marxismo cultural”, “cristofobia”, “racismo reverso” e “feminismo”. Há também a história do “patriotismo”, hoje usado em forma de exaltação ou qualidade. O objetivo do projeto é que os leitores possam decidir, de maneira informada, se querem manter ou incorporar essas expressões em seu vocabulário. 

“Os termos tratados neste pequeno dicionário foram sendo sorrateiramente absorvidos pelo senso comum desde o final dos anos 1990 e hoje fazem parte do vocabulário político  comum e corrente. É como se esses bordões sempre tivessem existido. Ninguém se pergunta de onde vieram, como foram criados e  a que se destinam.  Recuperar essas trajetórias foi uma de nossas motivações, porque isso é vital para saber como melhor contestá-los”, diz Sonia Corrêa, ativista e pesquisadora feminista e co-coordenadora do SPW.  

Linguagem acessível

A publicação tem duas versões: uma para leitoras e leitores com escolaridade de nível superior e outra dedicada a quem está no Ensino Médio. Manter uma linguagem acessível e que alcançasse públicos fora da academia foi uma das grandes preocupações dos realizadores do projeto. Isso porque o objetivo é também confrontar a maneira reducionista e simplista com que esses termos foram disseminados e incorporados no vocabulário cotidiano. Para cumprir esses objetivos, foram aplicados conceitos da área da Linguística aplicada. 

“Na edição jovem, todos os verbetes ficaram ainda mais curtos e descomplicados, em um processo de condensação e simplificação textual realizado através de uma ferramenta que avalia o nível de dificuldade de um texto. Este é um processo chamado de ‘tradução intralinguística’, isto é, a tradução de um texto dentro da mesma língua, orientada por metas e públicos diferentes”, diz Janine Pimentel, líder do Núcleo de Estudos da Tradução da UFRJ e professora da Universidade.

Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia

72 páginas. 

A quem se destina: estudantes de graduação, profissionais recém-formados, profissionais de comunicação, influenciadores e criadores de conteúdo, docentes e interessados em geral. 

Disponível em https://sxpolitics.org/pequenodicionario 

Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia – Versão Ensino Médio 

39 páginas.

A quem se destina: Estudantes de Ensino Médio e interessados em geral. 

Disponível em https://sxpolitics.org/pequenodicionario 

Lançamento e-books “Termos ambíguos do debate político atual”

Decisões do STF contra censura em escolas é tema de campanha nas redes sociais

Com uma série de vídeos, entidades buscam fortalecer educadoras/es e comunidades escolares para enfrentar perseguições e a autocensura

Imagem de bandeira LGBTQIA+ e bandeira do movimento Trans; imagem para a Campanha Escola de Qualidade

A Ação Educativa, em articulação com diversas entidades que atuam na defesa dos direitos humanos, lançou nesta quarta o primeiro vídeo de uma campanha que visa disseminar as decisões do Supremo Tribunal Federal de 2020, que afirmaram a inconstitucionalidade de leis que proibiam a abordagem de gênero nas escolas e de leis inspiradas no Escola sem Partido. Com o lema “Escola que cuida e protege fala de igualdade de gênero”, a campanha reafirma a liberdade e o pluralismo no ensino, a proteção de crianças e adolescentes e o dever do Estado de enfrentar todas as formas de discriminação baseadas em gênero e orientação sexual.

A campanha será composta por quatro vídeos, além de outros materiais para serem compartilhados nas redes sociais. A iniciativa visa também enfrentar o pânico moral e a desinformação promovida por movimentos ultraconservadores, acirrados em anos eleitorais, e disseminar o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, publicação lançada por Ação Educativa e mais 80 entidades de educação e direitos humanos em fevereiro deste ano. A publicação apresenta orientações jurídicas e estratégias político-pedagógicas em defesa da liberdade de aprender e de ensinar, baseadas em normas nacionais e internacionais e na jurisprudência brasileira. 

Sobre a Ação Educativa

Criada em 1994, é uma organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, com uma trajetória dedicada à luta por direitos educativos, culturais e da juventude. Desde a sua fundação, integra um campo político de organizações e movimentos que atuam pela ampliação da democracia com justiça social e sustentabilidade socioambiental, pelo fortalecimento do Estado democrático de direito e pela construção de políticas públicas que superem as profundas desigualdades brasileiras, bem como pela garantia dos direitos humanos para todas as pessoas. Desde 2018, a Ação Educativa é apoiada pelo Fundo Malala.

Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica: divulgação do resultado e cerimônia foram adiadas para abril

Datas da cerimônia de reconhecimento público e do primeiro resultado das propostas ainda serão divulgadas.

Imagem de um punho erguido, em volta há símbolos do feminismo. Site Gênero e Educação: Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica: divulgação do resultado e cerimônia estão confirmadas para março

Em novembro de 2021, o Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica realiza sua segunda edição! Desta vez, focando em propostas para a Educação Infantil e para a Educação de Jovens e Adultos.

A equipe do projeto Gênero e Educação e a Ação Educativa agradece imensamente o interesse de todas as pessoas que participaram e enviaram suas propostas de planos de aulas, sequências didáticas, relatos de experiências, planos de atividades e práticas cotidianas comprometidas com a igualdade de gênero nas escolas! 

O primeiro resultado do Edital foi adiado e irá acontecer no mês de abril! Em celebração, será feita uma cerimônia de reconhecimento público ao vivo: datas serão confirmadas em breve.

Curso Gênero e Educação

Em breve, será disponibilizado todos os detalhes do Curso Gênero e Educação, que está sendo planejado em parceria com o Centro de Formação da Ação Educativa!

Para saber mais informações sobre o curso ou como participar, entre em contato pelo e-mail generoeeducacao@acaoeducativa.org.br

Para mais dúvidas ou informações:

Entre em contato com a equipe do projeto pelo e-mail generoeeducacao@acaoeducativa.org.br

Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais

Elas partilham a alegria de rever amigos e professores, mas têm medo da covid-19. O Gênero e Educação entrevistou três jovens que estudam em escolas públicas na capital paulista para saber como tem sido o retorno às aulas.

Imagem da matéria Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais. Imagem de estudantes subindo a escada de uma escola. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Cerca de 90% da população de estudantes, em 186 países, foram afetados com a pandemia da covid-19. No Brasil, o fechamento parcial ou total das escolas provocou insegurança alimentar e impactos no aprendizado, na socialização, no acesso a conteúdos devido à exclusão digital, e provocou evasão e abandono escolar, fenômenos que podem comprometer a educação de toda uma geração, com reflexos negativos na vida social e laboral. Sabe-se também que a pandemia intensificou os problemas e as desigualdades escolares preexistentes no país, que historicamente prejudicam mais meninos e meninas negras.

Desde o início da crise sanitária, em 2020, especialistas criticam a ausência de ações consistentes e coordenadas para mitigar tais problemas, especialmente em âmbito federal. Nos estados e municípios, gestores têm adotado políticas variadas que instituíram o ensino remoto, o ensino híbrido e depois presencial, condicionando tais decisões às orientações das autoridades regionais de saúde, mas, em muitas regiões, sem o devido diálogo com especialistas da área da educação e, principalmente, com as comunidades escolares.

Inicialmente, o retorno no estado de São Paulo, por exemplo, não era compulsório e era escalonado de acordo com as taxas de contaminação e mortes provocadas pela covid-19. No segundo semestre de 2021, com o avanço da vacinação² e a queda das taxas no estado, a retomada passou a ser obrigatória e as redes municipais e estadual de ensino voltaram às aulas presenciais, ainda que a maioria dos estabelecimentos não tenha realizado mudanças estruturais recomendadas pelas autoridades sanitárias e reivindicadas pelos profissionais da educação, tais como a adequação das escolas com novas instalações para higienização, maior ventilação e reformas que tornassem os espaços mais abertos e arejados.

Em meio a tantas incertezas e problemas de distintas ordens, estão os e as estudantes que são pouco ouvidos, mas têm muito a dizer, especialmente os do ensino médio que experimentam o peso da conclusão da formação básica que, em tese, lhes serviria como possibilidade de transição para a universidade e/ou para o mundo do trabalho.

O Gênero e Educação entrevistou três jovens moças que estudam em escolas públicas do ensino médio na capital paulista, para saber o que elas têm vivido com a pandemia e como tem sido o retorno às aulas presenciais. Concedemos nomes fictícios a nossas entrevistadas, que conversaram conosco por meio de plataformas digitais e pelo Whatsapp.

O isolamento social, o afastamento das escolas e da convivência com amigos e professores geraram nelas ansiedade, dificuldade de adaptação ao ensino remoto e de concentração, como relata Erica, de 17 anos, que atualmente cursa 3º ano em uma escola estadual, localizada no bairro do Tatuapé, zona leste da capital paulista:

“Quando as aulas foram interrompidas, eu estava no 2º e fiquei muito desesperada porque gosto muito da escola. No começo achei que fosse rapidinho e cada semana que ia passando, ia ficando mais desesperada. Eu até tinha internet, mas meu computador tinha problemas e às vezes eu ficava sem fazer as atividades. O meu emocional ficou extremamente abalado, eu me senti bastante mal, comecei a desenvolver crises de ansiedade e estresse, fiquei doida da cabeça”, diz. 

Carla, de 17 anos, no 2º ano de uma escola estadual, no bairro Santo Amaro, zona sul de São Paulo, reforça o relato anterior e pontua ainda que, em sua avaliação, o ensino remoto não permitiria a mesma rotina nem a mesma relação de troca entre professores e alunos.

“De cara eu não conseguia manter uma rotina, nem fazer os exercícios nem estudar. A relação entre professor e aluno não é a mesma de forma remota, na minha antiga escola a gente não chegou a ter vídeochamadas, eram só as atividades do centro de mídia¹. Às vezes a gente perguntava pro professor, ele não respondia e eu ficava chateada, mas hoje eu entendo que também deve ter sido difícil pra eles. No remoto, fica muito mais o professor falando. As aulas remotas tinham que ser mais interativas, ter mais conversa, com mais interação entre professor e aluno”.

Carla

Para Erica, certas particularidades do ensino remoto como a conectividade, a dependência dos dispositivos e a dificuldade neste diálogo com os professores causam fadiga e ansiedade.

“Em 2021, foi complicado, eu quase não fiz nenhuma atividade, inclusive eu me arrependo por isso porque agora eu tô tendo que correr atrás de todo o prejuízo, mas sabe? Eu estava exausta, cansadíssima, não tava aguentando mais nada, todas as atividades que mandavam eu falava que ‘não consigo fazer’, ‘não vou fazer’. Tinha professores que não explicavam as atividades e eu nem corria atrás pra entender porque minha cabeça não dava, tinha muita coisa”.

Erica

O depoimento de Natália, de 15 anos, que atualmente cursa o 1º ano do ensino médio em uma escola estadual, no Jardim Nazareth, zona leste paulistana, reforça as dificuldades de adaptação e suas consequências para os e as estudantes no que diz respeito ao seu aproveitamento neste período:

“No ano da pandemia, no ensino fundamental, praticamente a gente não teve aula, não tive acesso às aulas. Então eu senti falta dos estudos e no começo de 2021 [quando entrou no ensino médio] eu tava bem atrasada e fui treinando pras minhas notas não caírem”.

Natália

As estudantes entendem que o retorno às aulas presenciais gera uma profusão de sentimentos positivos e negativos. Por um lado, elas demonstram alegria pela possibilidade de rever amigos e professores. Por outro, ainda sentem muita preocupação com a pandemia e com as dificuldades em retomar o “ritmo” dos estudos.

“Eu fiquei feliz porque eu ia encontrar meus amigos, ia conseguir conversar, ver os professores, é outra história… Só que… sei lá… é preocupante porque a gente sabe que o governo não tá ligando muito pras pessoas pobres, que o governo não tá nem aí pra gente. É preocupante porque os casos não pararam de acontecer, a pandemia ainda não acabou”.

Erica

“Foi uma mistura. A ansiedade de voltar por conta da pandemia, mas também por ser uma escola nova. Eu tava muito nervosa em socializar, se iria conseguir conversar de boa, se ia ficar travada, se ia conseguir prestar atenção na aula. Notei que eu não consegui ficar prestando atenção 100% do tempo. Na hora do intervalo era o momento que eu ficava mais desconfortável porque já eram mais pessoas. Tem muita gente que tá desconfortável por voltar. Não sei a realidade que a pessoa vive, o transporte que ela pega, se é cheio ou não, com quem ela vive, então obrigar as pessoas a irem pro presencial é não pensar nas diversidades que cada um passa dentro de casa”.

Carla

“Acho que eles deveriam pensar mais um pouco no psicológico dos alunos porque a gente ficou um ano e meio sem ter aulas presenciais, sem ter pessoas do lado, sem ter contato e voltar pro presencial todo dia, ter muito trabalho pra apresentar é difícil. Teve a semana de humanas que eu tive crise de ansiedade porque não tava conseguindo lidar com a quantidade de trabalho”.

Natália

A preocupação das jovens com a pandemia da covid-19 é absolutamente pertinente, uma vez que as autoridades de saúde em todo o mundo sinalizam para o surgimento de novas mutações do novo coronavírus e a possibilidade de um novo pico de contaminação no primeiro trimestre de 2022. 

No Brasil, apesar do avanço na vacinação, existe uma enorme desigualdade no acesso à saúde e à educação em todo o território nacional e sabe-se que os estabelecimentos de ensino carecem de estrutura adequada e de itens básicos para garantirem a plena segurança a estudantes, professores e trabalhadores. 

Uma pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), por exemplo, apontou que 40,4% dos municípios não tinham protocolo de segurança sanitária para o retorno às aulas. Segundo a Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) cerca de 80% dos professores, alunos e pais tinham medo do contágio no retorno ao presencial. 

Por outro lado, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil está entre os países que mais tempo ficaram sem aulas presenciais durante a pandemia. Portanto, nosso desafio é como recuperar as perdas sofridas por estudantes, seus familiares e professores, sem lhes expor aos riscos da covid.

Notas

¹  Centro de Mídias da Educação de São Paulo, iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

²  Quando esta matéria foi concluída 62,15% da população estava completamente imunizada, o que representava pouco mais de 132,5 milhões de pessoas.

Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica: nova edição seleciona propostas de educação infantil e de educação de jovens e adultos

O edital visa valorizar o conhecimento e experiência de educadoras e ecoar decisões do STF, de 2020, que estabeleceram como dever do Estado brasileiro a abordagem de igualdade de gênero em escolas.

Imagem de destaque em "Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica: nova edição seleciona propostas de educação infantil e de educação de jovens e adultos". Na imagem, há uma menina de mãos dadas com uma jovem. A jovem segura um megafone.

A Ação Educativa, em aliança com mais de 50 entidades comprometidas com a luta pelo direito humano à educação de qualidade, lança nesta quinta-feira (04/11), a segunda edição do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica.

Com foco na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos este ano, o Edital conta com o apoio do Fundo Malala e visa estimular a construção e a divulgação de planos de aulas, planos de atividade ou de práticas cotidianas, sequências didáticas e relatos de experiência comprometidos com a igualdade de gênero.

ACESSE O EDITAL COMPLETO AQUI

As inscrições estão abertas até 15/12 (quarta-feira) via formulário. Podem participar do Edital: educadoras e educadores, pesquisadoras e pesquisadores, organizações da sociedade civil, coletivos, movimentos sociais e profissionais de educação de todo país que atuam na Educação Infantil e na Educação de Jovens e Adultos.

As 10 propostas mais criativas e em acordo com os critérios estabelecidos no edital serão reconhecidas em evento virtual e integrarão o banco de planos de atividades e de aula do site Gênero e Educação. Leitores digitais e bolsas de estudo no Centro de Formação Educação Popular, Cultura e Direitos Humanos da Ação Educativa também fazem parte da premiação.

Segundo as entidades idealizadoras, o novo edital visa enfrentar a censura nas escolas promovida por movimentos ultraconservadores, além de ecoar as decisões do Supremo Tribunal Federal de 2020, que estabeleceram como dever do estado brasileiro a abordagem de gênero nas escolas. A primeira edição da iniciativa recebeu mais de 250 inscrições de propostas de todo o Brasil.

Entre as entidades copromotoras, estão: Ação Educativa; ABEH – Associação Brasileira de Ensino de História; ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos; ABIA- Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS; ABLBTI – Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexo; AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras; Anaí – Associação Nacional de Ação Indigenista; ANAJUDH-LGBTI – Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBT; ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; Anis – Instituto de Bioética; ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação; ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais; Associação Cidade Escola Aprendiz; Artigo 19; Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Cedeca CE – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará; CENDHEC – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social; CFemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria; CLADEM Brasil – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; CONAQ – Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas; CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino; De Olho nos Planos; Defensoria Pública do Estado de São Paulo – Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos das Mulheres; DIVERSIAS – Grupo de Estudos em Diversidade, Educação e Controvérsias da PUC-Rio; ECOS – Comunicação e Sexualidade; EdGES – Gênero, Educação e Cultura Sexual da FEUSP-CNPq; FOPIR – Fórum Permanente de Igualdade Racial; GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero; GEERGE Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Faculdade de Educação UFRGS; Geledés – Instituto da Mulher Negra; GEPCEB – Grupo de Estudos e Pesquisa: Conservadorismo e Educação Brasileira da UFF; GPTEC- Grupo de Pesquisa em Tecnologia Educação e Cultura da IFRJ; IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos; Instituto Patrícia Galvão – Midia e Direitos; Justiça Global; LAEDH – Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II; MMM-SP – Marcha Mundial de Mulheres; Movimento Educação Democrática; MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil; Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte; Odara – Instituto da Mulher Negra; OLÉ – Observatório da Laicidade na Educação; PCESP- Professores contra o Escola sem Partido; Plataforma Dhesca; Portal Catarinas; Redes da Maré; REPU – Rede Escola Pública e Universidade; SBEnBio – Associação Brasileira de Ensino de Biologia; SPW – Observatório de Sexualidade e Política; Terra de Direitos; UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.

Sobre a Ação Educativa

Criada em 1994, é uma organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, com uma trajetória dedicada à luta por direitos educativos, culturais e da juventude. Desde a sua fundação, integra um campo político de organizações e movimentos que atuam pela ampliação da democracia com justiça social e sustentabilidade socioambiental, pelo fortalecimento do Estado democrático de direito e pela construção de políticas públicas que superem as profundas desigualdades brasileiras, bem como pela garantia dos direitos humanos para todas as pessoas. Desde os anos 2000, Ação Educativa tem promovido ações comprometidas com a igualdade de gênero e raça na educação, sempre em articulação com uma ampla gama de parceiras.

Entidades e movimentos sociais assinam nota pública contra a segregação por gênero em escolas

Medida adotada em escolas para o retorno presencial significa um enorme retrocesso, intensificando a exclusão e estereótipos de gênero.

Entidades e movimentos sociais assinam nota pública contra a segregação por gênero em escolas

Ao fim de agosto, foi noticiado que duas escolas públicas do Distrito Federal haviam organizado o retorno hibrido às aulas separando os estudantes de acordo com o sexo/gênero, com “moças” frequentando a escola em uma semana e “rapazes” em outra. De acordo com o Sindicato dos Professores no Distrito Federal, uma das escolas já havia revogado a medida e a outra estaria em vias de revogar.

Como justificativa, a medida adotada por uma das escolas de Brasília argumentava que a segregação iria facilitar, visto que as famílias precisavam das filhas em casa por algumas semanas, para cuidar dos seus irmãos menores, uma forma de responsabilização das meninas nos trabalhos domésticos e que envolvem cuidados.

Movimentos sociais, redes e entidades assinam nota pública contra a segregação em escolas por significar um retrocesso, aprofundar a exclusão de estudantes trans e não-binários e intensificar estereótipos de gênero.

Seguindo a nota, esse tipo de situação, infelizmente, não é isolada, pois politicas de segregação por sexo/gênero foram adotadas  para  restringir mobilidade e aglomeracões no Panamá, Peru e na cidade de Bogotá no ano passado como respostas à pandemia de COVID19. E, em 2021, algumas cidades brasileiras, inclusive o Rio de Janeiro, também adotaram regras de segregação por sexo/gênero para organizar as filas da vacinação.

ACESSE O DOCUMENTO COMPLETO AQUI

Assinaram a nota:

  • Ação Educativa
  • Artigo 19
  • Associação Brasileira de Alfabetização (ABALF)
  • Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio)
  • Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR)
  • Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBTI (ANAJUDH-LGBTI)
  • Associação Nacional de Pós-graduação e pesquisa em Educação  (ANPEd)
  • Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
  • Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  • Cidade Escola Aprendiz
  • Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM Brasil)
  • Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
  • Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de ensino (CONTEE)
  • Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG)
  • Geledès Instituto da Mulher Negra
  • Grupo de Estudos e Pesquisas Subjetividades e Instituições em Dobras (GEPSID)
  • Grupo de Estudos em Diversidade, Educação e Controvérsias (Diversias/PUC-Rio)
  • Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEERGE / PPGEDU / UFRGS)
  • Grupo de Trabalho Gênero Sexualidade e Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (GT 23 ANPED)
  • Grupo Experimentações: Grupo de estudos e pesquisas em currículo, subjetividade e sexualidade na Educação Básica
  • Núcleo de Estudos em Educação Democrática Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (NEED FEUFF)
  • Núcleo de Pesquisas e Estudos em Diversidade Sexual (NUDISEX)
  • Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e Gênero, Centro de Educação, Universidade Federal da Paraíba (NIPAM/CE/UFPB)
  • Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ-UFF)
  • Observatório de Sexualidade e Política (SPW-ABIA)
  • Professores contra o Escola sem Partido (PCESP)
  • Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Carta-compromisso pelo direito à educação das meninas negras.

Pesquisa realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra revela que meninas negras são as mais atingidas pelas desigualdades educacionais.

Destaque em Notícias Gênero e Educação. Em arte de colagem, é possível ver uma foto de uma criança negra olhando acenando

É notório que o direito à educação nunca foi realidade para todas as crianças e adolescentes no Brasil. Contudo, a pandemia de COVID-19 tem agravado ainda mais um cenário já bastante comprometido, causando impactos irreversíveis à educação no Brasil, onde a maioria das escolas não conta com o suporte necessário para o oferecimento do ensino remoto ou a distância. No que diz respeito às meninas negras, a pesquisa A educação de meninas negras em tempos de pandemia: o aprofundamento das desigualdades, realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra no município de São Paulo, revela que elas são as mais atingidas pelas desigualdades educacionais.

Os impactos da pandemia na trajetória educacional das estudantes negras evidenciam que o encontro das opressões de gênero e raça determinam lugares e possibilidades distintas na vida em sociedade, limitam sua trajetória escolar e impactam negativamente suas perspectivas de futuro. Ao falarmos de crianças e adolescentes negros, estamos abordando sujeitos que enfrentam privações ainda mais densas no acesso à alimentação adequada, à moradia segura, à permanência na escola, dentre outras violações de direitos que assolam suas vidas.

Destacar a situação das meninas negras não é ignorar as violações que atingem as demais parcelas vulneráveis da sociedade brasileira, mas sim reconhecer que são elas as maiores vítimas do trabalho infantil doméstico, da exploração sexual infantil, da gravidez na adolescência, do casamento infantil, todas estas violações que se agravaram durante a pandemia.

Este cenário indica que quando todas as crianças estiverem preparadas para voltar à escola pós pandemia, as meninas negras não estarão lá, ou estarão em números ainda menores. Por isso, as entidades que subscrevem a presente “Carta-compromisso pelo direito à educação das meninas negras reconhecem a necessidade de olhar para a situação deste grupo específico a partir das suas especificidades e subjetividades, para que nenhuma menina negra fique ainda mais para trás nesta sociedade, já tão desigual onde as crianças e adolescentes negras são as últimas da fila depois de ninguém.

Mais vulnerabilidade, menos acesso

A pesquisa também revelou um efeito dominó causado pela pandemia: a ausência de um tipo de serviço na vida das pessoas ocasiona diversas outros tipos de violações, demonstrando que os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes até mesmo na ausência – não é apenas na garantia dos direitos que eles se somam, mas a ausência de um dos direitos subtrai inclusive aquilo que estiver funcionando. Neste sentido, a criança sem acesso à escola está menos visível e mais vulnerável às situações de violência, têm menos refeições por dia a depender das condições de sua família e seus direitos de aprendizagem estão sendo violados.

As meninas negras, como grupo mais vulnerável, ao tomar medidas específicas para proteger seus direitos, em especial à educação, todas as outras crianças também serão protegidas, contudo, o contrário não garante a proteção de seus direitos. Desta forma, são urgentes as seguintes ações para a garantia e efetivação do direito à educação das meninas negras, e consequentemente de todas as crianças:

1 – Políticas de redistribuição de renda que garantam condições financeiras e segurança para que as famílias em contexto de vulnerabilidade possam cumprir o período de isolamento social;

2 – Acompanhamento e orientação das famílias para a realização das atividades escolares e garantia de outros direitos durante o período de isolamento social;

3 – Disponibilizar equipamentos e o acesso universal à Internet gratuito para estudantes da educação básica e profissionais da educação durante o período de ensino remoto;

4 – Busca ativa de estudantes que evadiram durante o período do ensino remoto, com recorte de raça e gênero, com a realização de pesquisa sobre as condições para o cumprimento das atividades escolares e elaboração de políticas públicas para a permanência desses grupos nas escolas;

5 – Criação de políticas e programas de ações afirmativas na educação voltados aos estudantes negros e às meninas negras, com metas de equalização para a redução das desigualdades educacionais;

6 – Formação de profissionais da educação em raça e gênero;

7 – Implementação de propostas pedagógicas que contemplem raça e gênero;

8 – Monitoramento das condições de vida das crianças e adolescentes nos territórios mais vulneráveis, e acompanhamento da aprendizagem.

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Fonte: Portal Geledés

Entenda como a Lei Maria da Penha assegura a abordagem de gênero nas escolas

Para ter um futuro livre da violência, crianças têm o direito de saber oque é gênero, assim como o significado das desigualdades e da violência de gênero.

Em colagem, é possível ver menina escrevendo. Ao fundo, há elementos decorativos.

O que a Lei Maria da Penha tem a ver com práticas pedagógicas? Tudo, visto que a educação em gênero como meio de prevenção à violência contra meninas e mulheres é assegurada por este marco legal.

O Art. 8º da Lei Maria da Penha sugere diversas diretrizes a serem tomadas pelo poder público e por entes não-governamentais. Entre elas a elaboração de campanhas educacionais, a capacitação permanente e o destaque nos currículos escolares de conteúdos sobre equidade de gênero, raça, etnia e sobre o enfrentamento à violência contra a mulher.

Além de ser dever do Estado de cumprir com a legislação e garantir o direito educação em gênero nas escolas, as diferentes formas de violência contra as mulheres têm tudo a ver com a vida escolar e práticas pedagógicas. Segundo Ingrid Leão, Pedagoga, Doutora em Direitos Humanos e Integrante do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) o gênero constitui uma importante dimensão da vida social, produzindo violências e desigualdade: “o gênero está na nossa vida desde que a gente nasce, é um aspecto da nossa vida, da sociedade, tudo à nossa volta é pensado sobre as relações de gênero a todo momento”.

Durante o primeiro semestre de 2020, foram julgadas no Supremo Tribunal Federal sete ações relativas a normas municipais que proibiam a abordagem de gênero e sexualidade nas escolas públicas. A Corte foi unânime em declarar a inconstitucionalidade das leis por desrespeito a valores como a liberdade de ensino e o pluralismo de ideias e o estímulo a desinformações e estigmas.

Para Ingrid Leão, a abordagem de gênero nas escolas seria um dever do Estado e de todas as escolas, e lembra ainda que o Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014, também prevê a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Deste modo, a ideia de que seria proibido falar de gênero nas escolas é uma “campanha de desinformação que confunde as pessoas e atrasa o enfrentamento da violência no nosso país”, diz Ingrid.

Escola como formação para a cidadania

A pedagoga destaca ainda que a “escola não é um lugar só de letramento, mas de formação para a cidadania. Quando se nega as relações de gênero, a existência da violência de gênero ou se proíbe falar sobre gênero na escola o que estamos fazendo? Estamos assumindo um viés ideológico que aceita essa violência. É uma escola que silencia sobre a violência. É preciso não só falar, mas colaborar para a formação da cidadania”.

A Defensora e Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria do Estado de São Paulo, Nalida Coelho Monte, compartilha da mesma visão e afirma que, além de ser inconstitucional, qualquer tentativa de proibir o debate sobre gênero nas escolas viola os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, pois prejudica seu aprendizado para o exercício da cidadania como, aliás, prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). “Meninos e meninas precisam saber diferenciar o que é uma violação de direitos, e quais são os estereótipos das nossas supostas obrigações de ser homem e ser mulher. Para reivindicar direitos, exercer a cidadania, é preciso conhecer e entender esses direitos e a escola é o espaço fundamental para isso. Tentar impedir o debate sobre gênero nas escolas seria impedir que crianças e adolescentes sejam capazes de identificar as próprias situações de violações de direitos”, afirma Nalida Coelho.

A pedagoga Ingrid Leão lembra que meninos também são afetados pelas desigualdades de gênero e destaca a importância de questionar o machismo e os modelos de masculinidade aos quais são submetidos: “como vamos exigir de um homem adulto que ele não seja violento, se isso nunca foi falado para ele em lugar nenhum? Se a escola não ensinou desde criança que ele não pode ser agressivo com as meninas e mulheres que ele encontrar pela vida? A gente é responsável por isso! A gente não pode querer falar sobre violência de gênero quando já aconteceu o dano. É preciso focar no desenvolvimento da pessoa”.

Além de ser um direito, o debate sobre gênero protege crianças

Diferentemente do que pensam aqueles que desconhecem o que é gênero, tratar de suas questões nas escolas não geraria conflitos ou prejudicaria crianças e adolescentes. Ao contrário, uma educação sobre gênero pode protegê-los de situações de violência, ensiná-los a respeito dos direitos das meninas e mulheres e evitar que vivam ou reproduzam situações de discriminação ou violência de gênero na vida adulta. As entrevistadas do Gênero e Educação afirmam que muitos casos de violência doméstica poderiam ser evitados caso meninos e meninas tivessem contato com uma educação de qualidade sobre as questões de gênero, obviamente, adequada para sua faixa etária: “como a gente previne esse tipo de situação, senão a partir do currículo? Senão a partir da educação? Senão a partir do debate formativo sobre as desigualdades de gênero no nosso país?”, exalta Ingrid Leão.

As especialistas concordam, no entanto, que tratar das questões de gênero nas escolas não é uma tarefa simples, pode ocasionar dúvidas dos docentes e até mesmo censuras. A Defensora Nalida Coelho lembra que o Nudem auxilia professores e gestores a desenvolver e estruturar debates sobre gênero dentro das escolas e com toda a comunidade escolar, além de apoiar e assessorar juridicamente os profissionais que eventualmente tenham sofrido algum tipo de censura. Sobre este tema, sugerimos a leitura do Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas, elaborado pela Ação Educativa e outras dezenas de organizações que trabalham pelos direitos humanos e pela educação.

As entrevistadas destacam ainda que os docentes precisam de apoio para incorporar as questões de gênero em suas atividades: “quanto ao papel do professor e da professora é sempre bom dizer que eles estão dentro da rede de educação, portanto são uma das peças, que não fazem educação sozinhos, tem a direção, tem o livro didático, tem a estrutura, tem a política educacional, o currículo escolar”, lembra Ingrid Leão.

Educação como prevenção à violência contra meninas e mulheres é tema de webinário

Evento sobre violência contra meninas e mulheres acontecerá nesta quinta (03/09), às 19h e será transmitido pelo Facebook do Consórcio Lei Maria da Penha.

Foto de divulgação de evento que reúne as miniaturas de rosto das cinco participantes do webinário 'Educação como prevenção à violência contra meninas e mulheres'. São elas: Lídice da Mata, Maria Guaneci Marques de Ávila, Erika Kokay, Ingrid Leão e Regina Célia A. S. Barbosa.

Com o crescimento das notificações de casos envolvendo violência contra meninas e mulheres durante a pandemia, o debate sobre educação e gênero se torna cada vez mais necessário.

Por isso, o webinário Diálogos sobre a Lei Maria da Penha abordará a importância da educação em gênero na educação formal e informal como meio de prevenção à violência doméstica e sexual contra meninas e mulheres (Art. 8º).

O evento discutirá também o que entidades e movimentos feministas têm feito para desmentir falsas ideias que têm circulado no debate público, como a de que existe uma “ideologia de gênero” sendo ensinada nas escolas.

O Art. 8º da Lei Maria da Penha traz diversas diretrizes a serem tomadas pelo poder público e pelas ações não-governamentais, como elaboração de campanhas educacionais, capacitação permanente e destaque, nos currículos escolares, de conteúdos sobre equidade de gênero, raça, etnia e o problema da violência contra a mulher.

+ Saiba porque é importante debater gênero nas escolas

O evento acontece nesta quinta-feira (03) às 19h, pelo Facebook do Consórcio Lei Maria da Penha e pelo canal do Youtube da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – FDRP/USP.

Sobre as participantes:

Regina Célia A. S. Barbosa – Professora de Direito, Advogada e Vice-Presidenta do Instituto Maria da Penha;

Ingrid Leão – Doutora em Direitos Humanos, integra o CLADEM Brasil e o Projeto Gênero e Educação;

Erika Kokay Deputada Federal (PT/DF), Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular;

Maria Guaneci Marques de Ávila – Assistente Social, Promotora Legal Popular em Porto Alegre, formada pela Themis;

Lídice da Mata – Deputada Federal (PSB/BA), Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular.