Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais

Elas partilham a alegria de rever amigos e professores, mas têm medo da covid-19. O Gênero e Educação entrevistou três jovens que estudam em escolas públicas na capital paulista para saber como tem sido o retorno às aulas.

Imagem da matéria Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais. Imagem de estudantes subindo a escada de uma escola. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Cerca de 90% da população de estudantes, em 186 países, foram afetados com a pandemia da covid-19. No Brasil, o fechamento parcial ou total das escolas provocou insegurança alimentar e impactos no aprendizado, na socialização, no acesso a conteúdos devido à exclusão digital, e provocou evasão e abandono escolar, fenômenos que podem comprometer a educação de toda uma geração, com reflexos negativos na vida social e laboral. Sabe-se também que a pandemia intensificou os problemas e as desigualdades escolares preexistentes no país, que historicamente prejudicam mais meninos e meninas negras.

Desde o início da crise sanitária, em 2020, especialistas criticam a ausência de ações consistentes e coordenadas para mitigar tais problemas, especialmente em âmbito federal. Nos estados e municípios, gestores têm adotado políticas variadas que instituíram o ensino remoto, o ensino híbrido e depois presencial, condicionando tais decisões às orientações das autoridades regionais de saúde, mas, em muitas regiões, sem o devido diálogo com especialistas da área da educação e, principalmente, com as comunidades escolares.

Inicialmente, o retorno no estado de São Paulo, por exemplo, não era compulsório e era escalonado de acordo com as taxas de contaminação e mortes provocadas pela covid-19. No segundo semestre de 2021, com o avanço da vacinação² e a queda das taxas no estado, a retomada passou a ser obrigatória e as redes municipais e estadual de ensino voltaram às aulas presenciais, ainda que a maioria dos estabelecimentos não tenha realizado mudanças estruturais recomendadas pelas autoridades sanitárias e reivindicadas pelos profissionais da educação, tais como a adequação das escolas com novas instalações para higienização, maior ventilação e reformas que tornassem os espaços mais abertos e arejados.

Em meio a tantas incertezas e problemas de distintas ordens, estão os e as estudantes que são pouco ouvidos, mas têm muito a dizer, especialmente os do ensino médio que experimentam o peso da conclusão da formação básica que, em tese, lhes serviria como possibilidade de transição para a universidade e/ou para o mundo do trabalho.

O Gênero e Educação entrevistou três jovens moças que estudam em escolas públicas do ensino médio na capital paulista, para saber o que elas têm vivido com a pandemia e como tem sido o retorno às aulas presenciais. Concedemos nomes fictícios a nossas entrevistadas, que conversaram conosco por meio de plataformas digitais e pelo Whatsapp.

O isolamento social, o afastamento das escolas e da convivência com amigos e professores geraram nelas ansiedade, dificuldade de adaptação ao ensino remoto e de concentração, como relata Erica, de 17 anos, que atualmente cursa 3º ano em uma escola estadual, localizada no bairro do Tatuapé, zona leste da capital paulista:

“Quando as aulas foram interrompidas, eu estava no 2º e fiquei muito desesperada porque gosto muito da escola. No começo achei que fosse rapidinho e cada semana que ia passando, ia ficando mais desesperada. Eu até tinha internet, mas meu computador tinha problemas e às vezes eu ficava sem fazer as atividades. O meu emocional ficou extremamente abalado, eu me senti bastante mal, comecei a desenvolver crises de ansiedade e estresse, fiquei doida da cabeça”, diz. 

Carla, de 17 anos, no 2º ano de uma escola estadual, no bairro Santo Amaro, zona sul de São Paulo, reforça o relato anterior e pontua ainda que, em sua avaliação, o ensino remoto não permitiria a mesma rotina nem a mesma relação de troca entre professores e alunos.

“De cara eu não conseguia manter uma rotina, nem fazer os exercícios nem estudar. A relação entre professor e aluno não é a mesma de forma remota, na minha antiga escola a gente não chegou a ter vídeochamadas, eram só as atividades do centro de mídia¹. Às vezes a gente perguntava pro professor, ele não respondia e eu ficava chateada, mas hoje eu entendo que também deve ter sido difícil pra eles. No remoto, fica muito mais o professor falando. As aulas remotas tinham que ser mais interativas, ter mais conversa, com mais interação entre professor e aluno”.

Carla

Para Erica, certas particularidades do ensino remoto como a conectividade, a dependência dos dispositivos e a dificuldade neste diálogo com os professores causam fadiga e ansiedade.

“Em 2021, foi complicado, eu quase não fiz nenhuma atividade, inclusive eu me arrependo por isso porque agora eu tô tendo que correr atrás de todo o prejuízo, mas sabe? Eu estava exausta, cansadíssima, não tava aguentando mais nada, todas as atividades que mandavam eu falava que ‘não consigo fazer’, ‘não vou fazer’. Tinha professores que não explicavam as atividades e eu nem corria atrás pra entender porque minha cabeça não dava, tinha muita coisa”.

Erica

O depoimento de Natália, de 15 anos, que atualmente cursa o 1º ano do ensino médio em uma escola estadual, no Jardim Nazareth, zona leste paulistana, reforça as dificuldades de adaptação e suas consequências para os e as estudantes no que diz respeito ao seu aproveitamento neste período:

“No ano da pandemia, no ensino fundamental, praticamente a gente não teve aula, não tive acesso às aulas. Então eu senti falta dos estudos e no começo de 2021 [quando entrou no ensino médio] eu tava bem atrasada e fui treinando pras minhas notas não caírem”.

Natália

As estudantes entendem que o retorno às aulas presenciais gera uma profusão de sentimentos positivos e negativos. Por um lado, elas demonstram alegria pela possibilidade de rever amigos e professores. Por outro, ainda sentem muita preocupação com a pandemia e com as dificuldades em retomar o “ritmo” dos estudos.

“Eu fiquei feliz porque eu ia encontrar meus amigos, ia conseguir conversar, ver os professores, é outra história… Só que… sei lá… é preocupante porque a gente sabe que o governo não tá ligando muito pras pessoas pobres, que o governo não tá nem aí pra gente. É preocupante porque os casos não pararam de acontecer, a pandemia ainda não acabou”.

Erica

“Foi uma mistura. A ansiedade de voltar por conta da pandemia, mas também por ser uma escola nova. Eu tava muito nervosa em socializar, se iria conseguir conversar de boa, se ia ficar travada, se ia conseguir prestar atenção na aula. Notei que eu não consegui ficar prestando atenção 100% do tempo. Na hora do intervalo era o momento que eu ficava mais desconfortável porque já eram mais pessoas. Tem muita gente que tá desconfortável por voltar. Não sei a realidade que a pessoa vive, o transporte que ela pega, se é cheio ou não, com quem ela vive, então obrigar as pessoas a irem pro presencial é não pensar nas diversidades que cada um passa dentro de casa”.

Carla

“Acho que eles deveriam pensar mais um pouco no psicológico dos alunos porque a gente ficou um ano e meio sem ter aulas presenciais, sem ter pessoas do lado, sem ter contato e voltar pro presencial todo dia, ter muito trabalho pra apresentar é difícil. Teve a semana de humanas que eu tive crise de ansiedade porque não tava conseguindo lidar com a quantidade de trabalho”.

Natália

A preocupação das jovens com a pandemia da covid-19 é absolutamente pertinente, uma vez que as autoridades de saúde em todo o mundo sinalizam para o surgimento de novas mutações do novo coronavírus e a possibilidade de um novo pico de contaminação no primeiro trimestre de 2022. 

No Brasil, apesar do avanço na vacinação, existe uma enorme desigualdade no acesso à saúde e à educação em todo o território nacional e sabe-se que os estabelecimentos de ensino carecem de estrutura adequada e de itens básicos para garantirem a plena segurança a estudantes, professores e trabalhadores. 

Uma pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), por exemplo, apontou que 40,4% dos municípios não tinham protocolo de segurança sanitária para o retorno às aulas. Segundo a Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) cerca de 80% dos professores, alunos e pais tinham medo do contágio no retorno ao presencial. 

Por outro lado, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil está entre os países que mais tempo ficaram sem aulas presenciais durante a pandemia. Portanto, nosso desafio é como recuperar as perdas sofridas por estudantes, seus familiares e professores, sem lhes expor aos riscos da covid.

Notas

¹  Centro de Mídias da Educação de São Paulo, iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

²  Quando esta matéria foi concluída 62,15% da população estava completamente imunizada, o que representava pouco mais de 132,5 milhões de pessoas.