“Uma canção pra você”: música para um ensino de biologia não sexista
Estado: Bahia (BA)
Etapa de Ensino: Ensino Médio
Modalidade: Educação de Jovens e Adultos
Disciplina: Biologia
Formato: Presencial
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História e da Ciência (UFBA/UEFS), onde desenvolvo trabalho intitulado "Educação anti-opressiva em Ciências Biológicas: uma proposta de sequência didática inspirada em Clémence Royer", visando levantar discussões e desenvolver pensamento crítico acerca das opressões de gênero e raça no contexto da licenciatura em biologia. Especialista em Ensino de Biologia pelo programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ- FFP) e membra do Grupo de Pesquisa CABURÉ - Ciência, Sociedade e Educação (UFBA/UEFS), grupo que tem como um de seus principais objetivos desenvolver pesquisas que proponham a diminuição da lacuna pesquisa-prática na Educação. Fui professora de ensino fundamental (2010-2017) e médio (2011-2013), com atuação na rede pública e particular do Rio de Janeiro.
Objetivos
Conteúdo
Sendo assim, ao propor este trabalho, que se ancora fortemente em experiências vividas durante os anos em que atuei como professora de ciências e biologia, tenho como objetivo contribuir, através de uma proposta de Sequência Didática (SD), isto é, um conjunto de ações pedagógicas coordenadas e planejadas previamente para atingir um determinado objetivo educacional, para um ensino de ciências, em especial a biologia, articulando as questões de gênero, numa perspectiva crítica, visando o desenvolvimento de consciência crítica sobre as opressões de gênero, em especial à identidade transgênera.
Para isso, proponho utilizar como instrumento orientador para a construção da SD a música “Uma canção pra você (Jaqueta Amarela)”, nona faixa do álbum Mulher da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, lançado em 2015. A escolha da banda e dessa música como inspiração e instrumento orientador, se justifica pelo fato da banda ser composta por duas mulheres trans, o que contribui para a visibilidade e representatividade das pessoas trans, e o fato desta canção falar de forma explícita sobre as questões relacionadas às pessoas transgênero.
Metodologia
No segundo encontro, sugiro estratégias que auxiliem a turma na compreensão do conceito de alterização e de como os aspectos sociais influenciam e determinam nossa compreensão sobre as questões de gênero. Para isso, proponho a leitura, seguida de breve aula
dialogada da primeira estrofe da música tema. Posteriormente, através do uso de um trecho (quadro 1*) do diálogo-entrevista de Alice Pagan retirada da tese “Experiências de pessoas trans - ensino de biologia” de Sandro Prado Santos (2018), proponho realizar um exercício de projeção e reflexão sobre como nossos próprios corpos e corpos outros existem na sociedade. Como vemos o outro? Como encaramos as diferenças?
No terceiro encontro, proponho estratégias que auxiliem a turma na compreensão de conceitos relacionados aos papéis de gênero e na relação sexo e gênero, discutindo o modo como as expectativas da sociedade moldam nossa compreensão em relação ao que se espera que sejam comportamentos masculinos e femininos, visibilizando também a questão da intersexualidade. Para isso, deve-se mobilizar conceitos da genética como cromossomos sexuais, genótipo e fenótipo. Sugiro uma dinâmica adaptada do jogo “O extraterrestre”** Aqui procura-se investigar onde as mulheres trans e pessoas intersexo se encaixam nessa dinâmica.
No quarto encontro, proponho duas dinâmicas para que a turma acesse e entenda a relação entre ciência e gênero, através da biologia, a partir de conceitos que se relacionam direta ou indiretamente com os conteúdos da genética como cromossomos sexuais, genótipo, fenótipo e determinismo biológico, por exemplo. Sugiro uma dinâmica em que precisam alocar fotos aleatórias de mulheres XX e de mulheres XY no quadro dividido ao meio (um lado XX, outro XY). Em seguida, devem justificar suas decisões em relação ao lado que escolheram para colar a foto. Quais foram os motivos para escolherem um lado ou outro? Na segunda dinâmica, através do uso de outro trecho (Quadro 2)*** do diálogo-entrevista de Alice Pagan retirada da tese “Experiências de pessoas trans - ensino de biologia” de Sandro Prado Santos (2018), proponho a dinâmica “A sistemática da Mulher: o que a mulher tem que ter para ser mulher?”. As respostas das duas dinâmicas devem ser utilizadas para promover debates e discussões sobre os temas trabalhados anteriormente, principalmente sobre transgeneridade, dando enfoque ao papel da biologia em promover naturalizações de gênero através de alguns conceitos da genética.
No quinto e último encontro, proponho uma aula de 50 minutos para promover um momento de avaliação por meio da sugestão em que os alunos se dividam em grupos e pensem no desenvolvimento de materiais (cartazes, poesias, fotografias, desenhos...) sobre possíveis opressões que eles ou pessoas próximas possam ter passado, inspiradas nas discussões levantadas sobre a opressão contra as mulheres trans, durante a aplicação da SD. As produções devem ser pensadas de maneira que possam extrapolar a sala de aula e alcançar as demais turmas, os corredores da escola, a sala de professores, cantina, os banheiros etc. Nos materiais produzidos espera-se encontrar: compreensão do conceito de alterização e sua relação com a construção de identidade e processos de discriminação social; visão crítica do papel que o discurso da biologia tem cumprido no estabelecimento de papéis de gênero; reflexões sobre a autoridade da Biologia em determinar sexo/gênero, além de discursos de compreensão e respeito as mulheres no geral e as mulheres trans, em particular.
* Conteúdo do Quadro 1: "Quando começamos a nos reconhecer como mulher trans, há uma pressão social (questionamentos) muito grande para que nos expliquemos. “Por que você existe da maneira que existe?”. Já pensou vocês, no dia a dia as pessoas perguntarem por que você existe desse jeito? Por que você existe do jeito que você existe? Percebem a oportunidade da expansão de consciência que eu tenho, à medida que
me fazem essa pergunta? Imagine se cada um de nós, todos os dias, acordamos, respiramos e vamos para a rua e nos deparamos com alguém que de certa forma com um olhar te coloca essa pergunta: “por que você existe do jeito que você existe?”. Isso nos eleva, isso nos faz pensar. Mesmo que, em alguns momentos, de maneira penosa (Alice Pagan, 2017)".
** Descrição do Jogo: "O(a) professor(a) é um extraterrestre que acaba de chegar a Terra. Não entendendo muito bem quais são os papéis do homem e da mulher nesta sociedade, pede a este grupo que explique estes conceitos a ele. Com a turma dividida em dois grupos, cada um ficará responsável por explicar quais são os papéis do homem e quais os da mulher (usar o quadro dividido para registrar as respostas). Adaptado de: Coolkit - Jogos para a Não-Violência e Igualdade de Género. Edição CooLabora, CRL - Q. a Rosas, lote 6, r/c esq. 6200-551 Covilhã, Portugal. www.coolabora.pt".
*** Conteúdo do Quadro 2: "[...] Biologia é categorização. Conseguimos criar somente quando categorizamos. Desde Lineu. Enfim, as taxonomias, essas temáticas, e eu trouxe aqui uma brincadeira que é a sistemática da
mulher. O que a mulher tem que ter para ser mulher? Há quem diga “a mulher tem que ter filhos”. Já viram aquela expressão, o trabalho dignifica o homem?” Mas o que dignifica a mulher? Está aí. Isso é o que está no senso comum. A mulher que não tem filhos, ela não se sente mulher, por mais bem preparada e analisada que seja. Ela entra em conflito. Só que aí a gente se pergunta: será que a mulher que não tem filho, ela é mulher? Ela vai deixar de ser mulher por não ter filhos? A mulher que é mulher tem que ter seios. E aquelas que não tem? A mulher que é mulher tem que ter útero. E aquelas que não tem, não são mulheres? A mulher que é mulher tem que ter cromossomos XX, daí é onde eu entro, não é? Eu, que não tenho, vou deixar de ser mulher? Mulher que é mulher tem que ter vagina. Eu que não tenho, vou deixar de ser mulher? O que é que me faz mulher? É a característica do que eu tenho ou a forma como que eu sou respeitada? [...] Tem várias teorias na biologia... [...] precisamos sair dessa biologia que é simplesmente do traçar objeto, da característica daquele objeto. (Alice Pagan, 2017)".
Recursos Necessários
Duração Prevista
Processo Avaliativo
Observações
Referências Bibliográficas
BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim (Org.). Dossiê: assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, 2020. 80p.
CICILLINI, Graça Aparecida. A produção do conhecimento biológico no contexto da cultura escolar do ensino médio: a teoria da evolução como exemplo. 1997. 298f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory, and antiracist politics. UNIVERSITY OF CHICAGO LEGAL FORUM, 14., 1989.
LOURO, Guacira. L. Os estudos feministas, os estudos gays e lésbicos e a teoria queer como políticas de conhecimento. In: Imagem e diversidade sexual: estudos da homocultura. São Paulo: Nojosa, 2004.
OLIVEIRA, Megg Rayara. Por que você não me abraça? SUR, n. 28, v. 15, 2018. Disponível
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PAGAN, Alice Alexandre. O ser humano do ensino de biologia: uma abordagem fundamentada no autoconhecimento. In: ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA (EREBIO/NE Regional 5) 7., 2018. Crato, CE: Universidade Regional do Cariri, 2017. Anais [...]. p. 1-13.
SANTOS, Sandro Prado. Experiências de pessoas trans - ensino de Biologia. 2018. 289 f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018.