Mulheres na sociologia do século XIX: gênero e os temas clássicos

Estado: Rio de Janeiro (RJ)

Etapa de Ensino: Ensino Médio

Modalidade: Educação de Jovens e Adultos

Disciplina: Artes, História, Sociologia

Formato: Híbrido

O Laboratório de Estudos de Gênero e Interseccionalidade (LabGen) é sediado no Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais, da Universidade Federal Fluminense. O LabGen reúne docentes e pesquisadoras da educação superior e básica e estudantes de graduação. É dedicado à pesquisa sociológica sobre gênero e suas interseções com raça, classe, geração, origem geográfica, sexualidade e outros eixos. Desde 2018, se dedica a tornar visível a participação de mulheres no desenvolvimento da Sociologia. Para tal, produz pesquisa, extensão e docência em diversos segmentos da educação.

Objetivos

Objetivo geral


A Sociologia é uma ciência empírica que se institucionalizou no fim do século XIX, se tornando cátedra universitária e uma prática comunitária e cotidiana. Nesses anos iniciais, a Sociologia não possuía um conjunto de autores “clássicos”. A consagração de Marx, Weber e Durkheim só ocorreu na década de 1960.

Embora sejam autores excepcionais, eles não representam a diversidade e a riqueza do ambiente intelectual que gestou a Sociologia. O objetivo do plano didático é olhar além dos autores clássicos e demonstrar o peso e a presença de mulheres nesse momento fundador. Ao incluí-las, vemos autoras preocupadas com questões raciais, de gênero, com o imperialismo e a escravidão e atestamos a participação feminina na ciência.

Objetivos específicos


1. Mostrar que mulheres fizeram sociologia no século XIX

A sequência didática tem como objetivo colocar em evidência a participação de mulheres no ambiente intelectual e na esfera pública que deram origem à Sociologia. Procura desfazer o mito de que não havia mulheres pensando e produzindo naquele momento e que não deram contribuições substantivas à disciplina. Por isso, destaca as obras de três autoras que produziram durante o século XIX. São elas: Harriet Martineau (Inglaterra, 1802 – 1876), Flora Tristan (França, 1803-1844) e Anna Julia Cooper (Estados Unidos, 1858-1964).

2. Valorizar as contribuições de mulheres para tópicos clássicos das ciências sociais

O segundo objetivo é demonstrar que a inclusão de tais autoras enriquece a disciplina e o entendimento do surgimento da sociologia. Esse objetivo será realizado ao se demonstrar que elas observaram problemas sociais e trabalharam com temas que foram, em geral, negligenciados pelos autores clássicos, como: cultura e etnocentrismo (Harriet Martineau), mulheres e capitalismo (Flora Tristan) e relações raciais (Anna Julia Cooper).

3. Trabalhar as autoras de forma transversal ao currículo

Autoras mulheres são frequentemente trabalhadas na sociologia em tópicos relacionados especificamente a gênero e feminismo. Nosso objetivo é mostrar que ensiná-las conjuntamente com os autores clássicos coloca-as em pé de igualdade com eles, mostrando que foram capazes de participar de grandes controvérsias públicas e científicas. A ideia é trabalhar as autoras de forma transversal ao currículo, mostrando a qualidade do seu pensamento e a criatividade com que trataram temas sociológicos.

4. Evidenciar a riqueza da perspectiva de gênero para a Sociologia

O último objetivo é evidenciar que olhar para questões de gênero muda enfoques e permite repensar temas clássicos da sociologia. As autoras selecionadas tiveram a questão da mulher como preocupação e isso as levou a chegar a algumas conclusões diferentes dos autores clássicos. Chamamos isso de “perspectiva de gênero”, embora o conceito “gênero” seja posterior a essas autoras.

Conteúdo

1. Harriet Martineau

Ao combater preconceitos contra mulheres na ciência, Martineau refletiu sobre a prática científica com sofisticação. Os conteúdos trabalhados são: os métodos para fazer pesquisa; a crítica ao etnocentrismo; o conceito de cultura e a não hierarquização dos povos; o controle dos valores e vieses do/a cientista/a na pesquisa.

2. Flora Tristan

Ao olhar para as mulheres proletárias e o trabalho da mulher na casa, Tristan alargou o conceito de “proletariado”. Os conteúdos abordados são: organização da classe trabalhadora; condições precárias da vida operária; o trabalho feminino e opressão da mulher na família; as relações entre classe e gênero.

3. Anna Julia Cooper

Ao refletir especificamente sobre a mulher negra, Cooper evidenciou especificidades desse grupo social. Os conteúdos trabalhados são: o seu pioneirismo no feminismo negro; o legado da escravidão na produção de hierarquias; o olhar simultâneo para a questão racial e de gênero; a emancipação das mulheres pela educação.

Metodologia

As aulas são organizadas na forma de exposição e debate, com o auxílio de recursos textuais (trechos das autoras) e audiovisuais (vídeos e imagens). Para todas as aulas a(o) educadora (o) precisa estar familiarizada (o) com o debate crítico sobre o cânone sociológico e com a obra das autoras abordadas.

Na aula sobre Harriet Martineau, a mobilização dos conceitos de cultura e etnocentrismo parte de elaborações sobre o choque cultural. Antes de trazer as contribuições da autora, apresentar para a turma um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha (ou alguma outra carta ou crônica de viajantes que revelem o etnocentrismo) e a história de Saartjie Baartman, que ficou conhecida como “Vênus Hotentote”, mostrando a violência racial e de gênero do Imperialismo. Iniciar a exposição do pensamento de Martineau através de sua crítica ao etnocentrismo dos viajantes do século XIX, que construíam um conhecimento preconceituoso sobre povos considerados exóticos. Ciente desses vieses, a autora propôs métodos de análise que evitavam projetar os próprios valores do investigador. Utilizar o texto da autora “Como observar moral e costumes: requisitos filosóficos” (indicado na bibliografia) para ilustrar a crítica. Debater com a turma a semente da ideia de relativismo cultural e de não hierarquização das culturas presente no pensamento de Martineau. Por fim, discutir a importância de uma perspectiva racial e de gênero na observação das sociedades.

Na aula sobre Flora Tristan, iniciar a reflexão sobre as relações entre gênero e trabalho lendo o capítulo “Por que eu menciono as mulheres” do livro União Operária (indicado na bibliografia). Nas etapas seguintes, aproveitar as reflexões da autora sobre as condições de vida e trabalho da mulher operária no século XIX para pensar o presente. Debater as desigualdades de gênero no mercado de trabalho usando como exemplo as mulheres entregadoras de aplicativos. Como subsídio para essa discussão, utilizar duas reportagens e dois vídeos curtos (conferir os links para os vídeos “Entregadoras de apps em São Paulo” e “Entregadoras de aplicativos: mulheres enfrentam o machismo e o assédio na profissão”) que demonstram a particularidade das questões enfrentadas por mulheres nesse tipo de trabalho: assédio, falta de acesso a banheiros e insegurança nos percursos diários. Analisar as transformações e as continuidades nas formas de organização e nas estratégias de resistência às novas formas de precarização do trabalho. Por fim, refletir sobre a atualidade do pensamento de Flora Tristan para compreender a situação das mulheres trabalhadoras no século XXI.

No início da aula sobre relações raciais, os seguintes documentos são apresentados: a música “Stand up” de Cynthia Erivo, sobre a história da abolicionista Harriet Tubman e um trecho selecionado do discurso de Sojourner Truth “E não sou eu uma mulher?” (na bibliografia). A partir do debate gerado, apresentar Anna Julia Cooper e seu argumento sobre a especificidade da mulher negra frente ao movimento negro e de mulheres e o direito à autorrepresentação na política. Ler o texto “O progresso intelectual da mulher de cor nos Estados Unidos desde a Proclamação de Emancipação, 1892” (indicado na bibliografia) para abordar questões como: quais eram as demandas das mulheres negras nos EUA no século XIX? Os homens, mesmo os negros, podem representar as mulheres na política? A solução para a emancipação das mulheres parte do acesso à educação? Para pensar potenciais paralelos entre o pensamento de Cooper e a situação das mulheres negras brasileiras no contexto da escravidão, sugerimos também a leitura de um capítulo do romance da escritora maranhanse Maria Firmina dos Reis, “Úrsula”, “A preta Suzana” (na bibliografia). Quais são os paralelos possíveis entre a realidade descrita por Cooper e por Reis? As autoras nos ajudam a pensar sobre contextos pós-escravistas? Por fim, identificar o pioneirismo das autoras na análise interseccional, explicando este conceito.

Recursos Necessários

Os links e referências completos estão disponíveis na bibliografia:

Aula 1 - Martineau

  • “A carta de Pero Vaz de Caminha”.

  • MARTINEAU. “Como observar moral e costumes: requisitos filosóficos”.

  • PEREIRA. “O caso da Vênus Hotentote”.

  • Podcast “Mulheres no plural”.

  • Vídeo “Teoria feminista - Harriet Martineau”.


Aula 2 - Tristan

  • TRISTAN. “Por que eu menciono as mulheres?”

  • Vídeo “Entregadoras de aplicativos”.

  • Vídeo “Entregadoras de apps em São Paulo”.

  • Vídeo “Teoria feminista - Flora Tristan”.


Aula 3 - Cooper

  • COOPER. “O progresso intelectual da mulher de cor nos Estados Unidos desde a
    Proclamação de Emancipação, 1892”.

  • REIS. “A preta Suzana”.

  • TRUTH. “E eu não sou uma mulher? - O discurso”.

  • Vídeo “Teoria feminista - Anna Julia Cooper”.

  • Música “Stand up” de Cynthia Erivo

Duração Prevista

A sequência didática prevê quatro encontros com duas horas de duração cada. Três encontros para trabalhar o pensamento das autoras e um para o planejamento e execução da atividade avaliativa.

Processo Avaliativo

Como avaliação, a turma produzirá em conjunto um áudio de 10 a 20 minutos sobre o pensamento de uma das autoras para divulgar nas redes sociais. Deve ser organizada uma divisão de tarefas entre os/as estudantes. No material, algumas questões devem estar presentes: uma breve biografia da teórica, suas principais ideias, a relevância da abordagem desta pensadora no currículo de Sociologia, a atualidade de seu pensamento e a associação de sua teoria aos estudos de gênero.

Observações

A sequência didática foi concebida de forma transversal ao currículo de Sociologia. A sequência de Flora Tristan, por exemplo, pode ser inserida no módulo sobre trabalho e capitalismo e a autora pode ser trabalhada na sequência de autores como Karl Marx. O mesmo se aplica às demais. O objetivo é que temas relacionados a gênero não fiquem contidos apenas em um módulo específico, mas que se façam presentes em diversas reflexões. Por fim, a transversalização das autoras busca colocá-las no mesmo patamar que os autores consagrados, tratando suas contribuições em pé de igualdade.

Referências Bibliográficas

AZENHA, M. “Entregadoras de aplicativo trabalham na absoluta precarização e acompanhadas do medo”. Marie Claire. 01/07/2020. Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/07/entregadoras-de-aplicativo-trabalham-na-absoluta-precarizacao-acompanhadas-do-medo.html

BRASIL. Ministério da Cultura. “A carta de Pero Vaz de Caminha”. Brasilia: MEC, [s.d]. Disponível em: https://ria.ufrn.br/123456789/1600

CAMPOS, L. R.; DAFLON, V. T. “As mulheres excluídas do cânone das ciências sociais”. Nexo Jornal. 15 de out de 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/academico/2020/10/15/As-mulheres-excluídas-do-cânone-das-ciências-sociais

CAMPOS, L. R. “Cinco livros para conhecer as mulheres pioneiras da sociologia”. Nexo Jornal. 12 de dez de 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/estante/favoritos/2020/5-livros-para-conhecer-as-mulheres-pioneiras-da-sociologia

COOPER, A. J. “O progresso intelectual da mulher de cor nos Estados Unidos desde a Proclamação de Emancipação, 1892”. In: DAFLON, V. T.; SORJ, B. Clássicas do Pensamento Social: Mulheres e Feminismos no século XIV. Rio de Janeiro: Record, 2021, p. 73 - 78

DAFLON, V. T.; SORJ, B. Clássicas do Pensamento Social: Mulheres e Feminismos no século XIV. Rio de Janeiro: Record, 2021.

DAFLON, V. T.; CAMPOS, L. R. “Gênero e conhecimento: um diálogo entre o pensamento de Flora Tristan e Harriet Martineau”. Estudos Históricos (Rio de Janeiro), v. 33, n. 70, p. 424–443, ago. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/eh/a/dj7hhV89qcQmY6RJGsMRdwb/?lang=pt

HOOKS, B. “Intelectuais negras”. Revista Estudos Feministas. v. 3, n. 2, 1995. p. 464 - 478.Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16465

MARTINEAU, H. “Como observar moral e costumes: requisitos filosóficos”. (Trad. Fábio Guimarães Liberal) CAOS –Revista Eletrônica de Ciências Sociais. João Pessoa, n. 24, p. 255-274, jan./jun. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/caos/article/view/52437

PEREIRA, Joseane. “O caso da Vênus Hotentote. Quando o imperialismo europeu foi longe demais”. Aventuras na História. 01/04/2019. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-caso-da-venus-hotentote-quando-o-imperialismo-europeu-foi-longe-demais.phtml

REIS, M. F. “A preta Suzana”. In: Úrsula. Florianópolis: Editora Mulheres, 2004, p. 111-120

SOUPIN, E. “Assédio, machismo, suspeita de boicote: a rotina das entregadoras de app”.
Uol. 05/07/2020. Disponível em:
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/05/assedio-machismo-suspeita-
de-boicote-a-rotina-das-entregadoras-de-app.htm

TRISTAN, F. “Por que eu menciono as mulheres?” In: União operária. São Paulo : Editora
Fundação Perseu. Abramo, 2015, p. 109 - 122. Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2017/05/Uniao-
Oper%C3%A1ria-web.pdf

TRUTH, S. “E eu não sou uma mulher? - O discurso” In: E eu não sou uma mulher? A
narrativa de Sojourner Truth. CARDOSO e SILVEIRA (ed). São Paulo: Ímã Editorial, 2020,
p. 11 -15

Material audiovisual:


“Mulheres no plural: para começo de conversa um resgate de Harriet Martineau”. Disponível em: https://podcasts.apple.com/pt/podcast/mulheres-no-plural-para-come%C3%A7o-de-conversa-um/id1516686083?i=1000508674771

“Teoria feminista - Anna Julia Cooper: "Eu falo pelas mulheres negras do Sul”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fPqkhpg8CUY

“Teoria feminista - Harriet Martineau: A primeira socióloga?!”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jcUIgwgMZMw&t=1s

“Teoria feminista - Flora Tristan”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lwnp84Cosw0

“Entregadoras de aplicativos: mulheres enfrentam o machismo e o assédio na profissão”.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F7qoYgn8YsM&ab_channel=JornalismoTVCultura

“Entregadoras de apps em São Paulo”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WVfvCzJO_-4&ab_channel=N%C3%B3s%2Cmulheresdaperiferia

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