Desconstruindo para cuidar melhor

Estado: São Paulo (SP)

Etapa de Ensino: Ensino Fundamental I

Modalidade: Educação Regular

Disciplina: Artes, Língua Portuguesa

Formato: Híbrido

Pedagoga; especialista em Educação - 0 a 3; formadora de professores.

Objetivos


  • Desconstruir os papéis e estereótipos sociais definidos socialmente para cada gênero;

  • Dar ferramentas que permitam que a criança reflita, questione e seja um sujeito crítico diante da sociedade e do contexto em que está inserida, podendo assim se tornar um potente agente de transformação e defesa dos direitos sociais e equidade de gêneros;

  • Naturalizar e conviver com as diferentes formas de ser e estar no mundo;

  • Inspirar escolas e educadores a refletirem sobre suas práticas pedagógicas, a ressignificarem suas próprias experiências e reinterpretar o mundo ao lado das meninas e dos meninos.

Conteúdo

A trilha pedagógica "Desconstruindo para cuidar melhor" se propõe a trabalhar pela equidade de gênero de meninos e meninas por meio de um percurso de atividades sequenciais e conectadas trazendo como fio narrativo o cuidado: o cuidado individual, cuidado com o outro e relações interpessoais, com o espaço da escola, com as relações de cuidado em nossas casas e como as formas que entendemos e exercemos o ato de cuidar reverberam e interferem no mundo em que vivemos.

A educação diferente para meninos e meninas ensina, desde a infância, que há uma diferença entre os sexos. Quando meninos ganham bola, caminhões e são incentivados a lutar e a brincarem com armas, é mostrado que a força física é algo eminente no masculino. Diferente das meninas, que ganham bonecas, brincam de casinha e panelinhas, colocando-as num papel de “cuidadoras” do lar e mães, onde a força física e a coragem não são incentivadas. As crianças são estimuladas a desenvolverem papéis que posteriormente serão ocupados na sociedade. As mulheres são criadas para ocupar a esfera privada, por ser um espaço mais reservado e introspectivo. Já os homens, a esfera pública, pois é um espaço para se mostrarem e serem referência para a sociedade.

Metodologia

ETAPA 1:
CUIDAR DE QUEM EU SOU, DO QUE EU GOSTO, DO QUE EU QUERO


OBJETIVO: que as crianças possam refletir e identificar seus gostos e desejos e que caminhem um pouco mais no percurso de construção de sua própria identidade.

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. Apresentação de diferentes autorretratos e artistas para pontapé inicial da atividade; é interessante trazer obras em diferentes suportes para que o aluno possa se identificar com o que mais lhe agrada.Dê um tempo para que apreciem cada uma das obras. A maneira de expô-las será definida de acordo com os recursos possíveis: impressas, em livros diversos, lousa digital, projeção etc. Faça uma leitura de imagem, perguntando o que eles estão observando, o que chama mais atenção na obra, como o artista se representou, material utilizado, se a obra representa a realidade exatamente como ela é e o que é possível identificar da personalidade e gostos de cada um, a partir do que estão vendo.Sugestões de artistas: Arthur Timótheo da Costa, Frida Kahlo, Francesca Woodman, William Kentridge, Saul Steimberg, Andy Warol, Tarsila do Amaral

  2. Crianças se olham no espelho fazem seu autorretrato, na linguagem que preferirem e com o que tiverem disponível para trabalhar: pintura, desenho, escultura, fotografia etc., podendo utilizar diversos formatos e tamanhos de suportes.

  3. Ainda explorando o olhar no espelho, conduzidos pelo educador, respondem algumas perguntas pessoais sobre coisas que gostam. "O que você mais gosta de fazer na escola?"; "O que você mais gosta de fazer em casa?"; "Qual sua cor preferida?"; "Qual seu filme favorito?"

  4. Roda de conversa para socialização dos autorretratos, gostos e desejos.

  5.  Ao fim, tudo o que foi produzido pelas crianças será armazenado em uma caixinha especial, como se fosse um "tesouro" que precisa ser bem cuidado. A ideia é que eles comecem a reconhecer a importância de respeitar a individualidade de cada um. A caixa pode ser confeccionada em conjunto, pela própria turma, para que todos sintam de fato que estão guardando seus “tesouros” em um lugar que lhes pertence. Ela deve ficar visível na sala, pois será utilizada em outros momentos da sequência.


ETAPA 2:
SERÁ QUE DEIXAMOS DE FAZER ALGUMA COISA, POR NÃO CUIDAR DO QUE A GENTE GOSTA?


OBJETIVO: refletir e compreender que não existem atividades/coisas "para meninos" e "para meninas", a partir da observação de si mesmo e do que estamos acostumados à ouvir e fazer.

SUGESTÃO DE LEITURA: Cachorros não dançam balé
Depois da leitura, faça uma roda de conversa com os alunos sobre o livro. Questione sobre o que acharam de mais relevante na história; se dançar balé não é realmente uma coisa de cachorro; se é possível substituir o cachorro por outra coisa e o que mais achar pertinente. Depois, para criar o gancho com a atividade, questione se na nossa sociedade também há uma divisão de coisas para cada gênero.

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. Em um primeiro momento, a professora convida os alunos a construírem coletivamente em pequenos grupos, duas grandes listas: "O que escutam e veem que são coisas de meninos x que são coisas de meninas".

  2. Trazer as produções para o grande grupo e montar uma lista consolidando tudo.

  3. Exibição de vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=XoZrZ7qPqio

  4. Discussão sobre o vídeo com a pergunta norteadora em mente: "será que existem atividades/coisas de meninos e de meninas?"
    Educador, caso a resposta seja positiva e os alunos argumentem a favor dessa divisão por gênero, busque tentar entender de onde vem esse discurso e onde ele é fundamentado. Busque apoio no grupo, tentando encontrar um argumento contrário para criar um diálogo construtivo diante disso.

  5. As crianças entrarão em contato novamente com o que produziram e guardaram como "tesouros"; e em roda de conversa, irão refletir se alguém já deixou de fazer algo que gosta, por vergonha ou por achar que alguém não ia gostar, por já ter ficado triste com algo ou por ter sido alvo de gozação?
    Educador, aqui tente trazer dos alunos relatos de algo que eles deixaram de fazer porque foram alvo de gozação ou comentários de amigos, família ou até mesmo desconhecidos. Questione sobre como se sentiram e o que pensaram na hora, o que fizeram ou se deixaram de fazer o que estavam fazendo.

  6. Ao final da atividade, o grupo poderá refazer a lista construída no início, consolidando tudo em uma única coluna.


ETAPA 3
O QUE EU FAÇO PARA CUIDAR DO QUE O MEU/MINHA AMIGO(A) GOSTA?

OBJETIVO: Compreender que nossas ações, movimentos e formas de estar no mundo, emitem mensagens e podem refletir de forma negativa no outro; e assim pensar em maneiras de acolher e cuidar das escolhas individuais, para que as relações interpessoais sejam cada vez mais respeitosas.

LEITURA: Viva as unhas coloridas

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. Peça para as crianças refletirem se alguma vez já julgaram ou tiraram sarro de algum amigo/a por algo que ele fez/usou/gosta apenas por não corresponder a expectativa da sociedade, diante da categorização de gênero.

  2. Leitura do livro "Viva as unhas coloridas" e discussão sobre o cuidado e respeito com o que a gente gosta e com o que o outro gosta.
    Educadora, pergunte aos alunos o que acharam quando o menino deixou de pintar as unhas, como ele possivelmente se sentiu; o que acharam da atitude dos colegas, quando todos pintaram as unhas? Novamente, questione o sentimento do menino e qual a sensação que sentiu ao ser acolhido pela turma.

  3. As crianças são convidadas a inserir "novos" gostos e desejos em seus tesouros caso sintam falta de alguma coisa;

  4. Construir um quadro coletivo de “Como Cuidar de mim, do outro e do que gostamos.”
    Educadora, para a produção do quadro, você pode sugerir que os alunos criem bilhetes e recados para as pessoas que os criticaram; façam cartazes de conscientização falando que não existe coisa de menino e de menina; sugiram atitudes gentis com os amigos; frases e falas de incentivo ao colega; maneiras de como naturalizar o diferente; etc.


ETAPA 4:

COMO OCUPAMOS OS ESPAÇOS DA ESCOLA?

OBJETIVO: Identificar diferenças no uso do espaço da escola por meninos e meninos e propor mudanças caso sejam necessárias.

SUGESTÃO DE LEITURA: “Coisa de Menina”

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. Os alunos deverão observar suas rotinas nos intervalos, entradas e saídas e marcar em um mapa da escola quais são os locais que eles mais ocupam em um dia.

  2. A educadora fará uma sobreposição da observação dos alunos, para criar coletivamente um mapa de uso do espaço da escola, identificando de forma diferente os meninos e as meninas. Por que será que ocupamos assim o nosso espaço?

  3. Assistir ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=fB4vYuw9KUo e dialogar sobre as seguintes questões: "Qual foi a problemática identificada na escola?", "Por que isso acontecia?", "O que foi feito para resolução do conflito?".

  4. Por fim, a educadora juntamente com as crianças irá refletir se esse é um cenário que se repete também em sua própria escola. Se sim, eles gostariam que algo mudasse? Está bom como está? O que poderia ser feito? Como querem fazer?


ETAPA 5:

COMO CUIDAMOS DA NOSSA CASA?

OBJETIVO: Identificar e refletir sobre as diferentes formas de cuidar da nossa casa, como acontece e se existe uma divisão de tarefas na casa e de que forma estes papéis são ocupados pelas meninas e pelos meninos.

SUGESTÃO DE LEITURA: “Coisa de Menino”

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. Em pequenos grupos, produzir uma lista de coisas a fazer em casa: “O que precisamos fazer para cuidar da nossa casa?” - Ao final guardar a lista na “Caixa dos Tesouros”.

  2. As crianças deverão observar as rotinas da casa em que vivem e trazer para a roda de conversa, o que observaram sobre “Como a minha casa é cuidada?”.

  3. Em roda, irão socializar as observações, com a mediação das professoras com as seguintes questões: “Quem realizou esses cuidados na casa de vocês?”, “O que utilizaram para cuidar da casa?”, “Como foi feito este cuidado?”.

  4. As crianças deverão revisitar a lista e a partir das novas reflexões, decidirem quais contextos serão montados para o jogo simbólico: “Uma dia para cuidar da casa, na escola”, pensar em materiais que possam ser utilizados neste dia, para brincarem juntos de cuidar da casa (toalhas, panelas, colheres, varais, bacias, pregadores, bonecas, materiais de escritório etc).
    Educador, será necessário criar os ambientes da casa escolhidos pelos alunos. Façam isso em conjunto e chame-os para participar das decisões da montagem. Depois, deixe o brincar livre e observe, tentando não interferir, mas mantendo uma escuta atenta. Nesta etapa é fundamental a sua observação crítica, para registrar o que surgiu e como se deu a brincadeira. É preciso buscar compreender os estereótipos representados nas funções que foram executadas e o jeito de fazer cada uma delas. Por exemplo: ao lavar a louça, um menino “imita” os trejeitos de uma mulher. Isso reforça que, possivelmente, para ele, essa função é feminina e ao fazê-la, ele precisa “incorporar” o outro gênero.
    Algumas questões norteadoras para a observação e posterior reflexão:
    - Quais papéis surgiram?
    - Quem ocupou os papéis?
    - Como foram representados?
    - Por que foram ocupados?

  5. Roda de Conversa e Reflexão sobre o que surgiu no jogo simbólico.


Educadora, na roda você pode trazer questionamentos sobre o que foi observado no jogo, pedindo aos alunos que expliquem ou contem porque escolheram determinado papel, porque decidiram apresentá-lo de tal jeito.
Algumas questões que podem ser trazidas:
- Será que as funções da casa devem ser feitas sempre pela mesma pessoa?
- Quem fica mais tempo em casa tem mais obrigação com ela?
- Propor a produção de uma lista: O que eu já posso fazer para cuidar da minha casa?

Etapa 6:

Como posso colaborar para transformar a sociedade em um lugar mais justo, respeitoso e igualitário?

OBJETIVO: Pensar e refletir sobre formas de atuação no mundo, com propósito de transformação, desconstrução de estereótipos, não repetição e reprodução de antigas estruturas e pensamentos sociais.

SUGESTÃO DE LEITURA: As mulheres e os homens

PROPOSTA (PRÁTICA):

  1. A professora deve trazer repertório sobre a desigualdade de gênero para observar e dialogarem de forma crítica. Filmes e desenhos estereotipados, brinquedos, cores, roupas, acessórios, livros que implicitamente apresentem desigualdade de gênero. Traga situações reais, como a diferença de salário no mercado de trabalho, o patrocínio a atletas masculinos e femininos, representatividade na política etc. Apresente os dados de maneira simples, para que os alunos compreendam que há desigualdade de gênero em nossa sociedade.

  2. Propor para os alunos que observem o dia a dia e tentem identificar algo ou algum lugar que faça distinção de gênero em qualquer situação dia a dia; por exemplo: entrar em uma loja e pedir indicação de brinquedos. O que será que os colaboradores da loja indicarão? Será que irão perguntar qual a preferência ou irão direto para as sessões de “menino” ou “menina”? Ou ir a uma loja de roupas e pedir sugestão de roupas e acessórios.
    Fomente nas crianças um postura pesquisadora, para que registrem as observações e sentimentos e tragam para escola, para dialogar sobre o que observaram. Peça que se atentem também aos produtos utilizados no dia a dia, como itens de higiene, por exemplo.

  3. Apresentar o resultado da pesquisa em roda, onde cada um pode expor e contar o que foi observado.

  4. Propor que eles pensem em como podem mudar esse cenário. Propor que escrevam uma carta ou um façam um vídeo acolhedor e amoroso aos possíveis estabelecimentos que demonstraram alguma reação estereotipada e que as crianças acreditam que devam agir para mudar.

  5. Questionar os alunos sobre o que mudou para eles depois dessa sequência. O que eles acreditavam antes e conseguiram desconstruir agora? Como pensam em agir ao identificar algo que gere desigualdade de gênero?

Recursos Necessários

Acesso à internet;

Reprodução de algumas obras de arte;

Materiais diversos para expressão artística;

Itens para criação de um jogo simbólico, com os ambientes de uma casa.

Duração Prevista

6 encontros, com possibilidade de flexibilização, de acordo com a avaliação do tempo, pelo educador.

Processo Avaliativo

A avaliação acontecerá a partir da relação dialética entre educador e crianças, em todas as etapas da sequência. Considerando a 6º etapa uma finalização, onde o educador questionará as crianças sobre "O que eles acreditavam antes e conseguiram desconstruir agora, depois de todas as reflexões"; "Como pensam em agir ao identificar algo que gere desigualdade de gênero?", solicitando, também, que escrevam um texto com as respostas acima.

Observações

A Sequência acima pode ser adaptada a Educação Infantil, de 4 a 5 anos, considerando o professor como escriba e selecionando literaturas coerentes com a faixa etária.

Referências Bibliográficas

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São Paulo:
Editora Contexto, 2006.


KEMP, Anna; OGILVIE, Sara. Cachorros não dançam balé. Trad. Marília Garcia. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

PLANTEL, Equipo; GUTIÉRREZ, Luci. As mulheres e os homens. Trad. Thaisa Burani. São Paulo: Boitatá, 2016.

12 livros para desconstruir estereótipos na infância. Disponível em https://medium.com/@thatianapassi/12-livros-para-desconstruir-estere%C3%B3tipos-na-inf%C3%A2ncia-271ae303f30c


A quadra da escola é de quem quiser! - EMEI Afonso Sardinha. Disponível em https://respeitarepreciso.org.br/relatos-experiencia/a-quadra-de-futebol-e-de-quem-quiser/

ESPN BRASIL - INVIBLE PLAYERS. Disponível em Acesso em 28 de novembro de 2020..

FERRARI, Pri. Coisa de Menina. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2016.

FERRARI, Pri. Coisa de Menino. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2017

ACOSTA, Alicia; AMAVISCA, Luiz. Viva as Unhas Coloridas. São Paulo: Raposa Vermelha, 2020.

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