Conhecendo minha identidade africana

Estado: São Paulo (SP)

Etapa de Ensino: Educação Infantil - Pré-Escola

Modalidade: Educação Regular

Disciplina:

Formato: Presencial

Sou Helen Fernandes, tenho 33 anos, mulher preta e periférica, nascida em São Paulo. Educadora da infância há mais de dez anos e mãe do Benjamin, 3 anos. Desde 2015 trabalho em uma escola pública do município de São Paulo, localizada no Capão Redondo, lugar onde também resido. Portanto, atuar na educação é semear sonhos em crianças, que através da educação poderão romper com as barreiras econômicas e sociais que as impedem de sonhar. " Sempre fui sonhador, é isso que me mantém vivo! " Mano Brow.

A experiência

O Projeto foi desenvolvido com uma turma de 4 e 5 anos, a proposta pedagógica surgiu a partir de uma situação-problema no grupo e da minha observação de que as crianças, apesar de tão pequenas, demonstraram já ter assimilado os ideais racistas perpetuados em nossa sociedade. Então, decidi apresentar a elas outra perspectiva do povo africano e afro-brasileiro e toda sua contribuição para a formação da nossa identidade enquanto povo brasileiro. Trouxe para elas referencias positivas do negro, mostrando a elas que a história vai muito além do passado de escravidão e dor, nos deixaram um legado de luta, resistência e uma cultura riquíssima. Mergulhei em pesquisas para contar às crianças outra narrativa que contribuísse na construção positiva das crianças negras, além da oportunidade de aprenderem a respeitar e valorizar a diversidade.

Pessoas envolvidas

O projeto foi desenvolvido em várias etapas e contou com o apoio e participação de toda a comunidade escolar, entre elas: as crianças, equipe gestora, famílias, equipe docente, quadro de apoio, parceria com as outras turmas e convidados da comunidade.

Relato da experiência

O projeto” Conhecendo a minha identidade africana” foi desenvolvido no ano de 2015, com uma turma de crianças de 4 e 5 anos na Rede Municipal de São Paulo, numa escola na região do Capão Redondo. Na ocasião, eu era uma professora recém-chegada na rede e, seguindo as orientações pedagógicas, comecei a desenvolver algumas ações sobre diversidade com as crianças, pois este era o tema de estudo da Unidade Escolar naquele ano letivo. E foi durante uma dessas experiências que surgiu a necessidade do Projeto. A minha ideia era compor um cartaz com imagens de pessoas diversas, sendo assim, selecionei previamente algumas revistas, dividi as crianças em pequenos grupos e pedi para que recortassem e colassem no papel. No decorrer da proposta, observei que nenhuma delas havia coletado imagens de pessoas negras, apenas as figuras que representavam o padrão de beleza eurocêntrico que nos é imposto socialmente, referente a imagem de pessoas brancas. Então, decidi recortar uma mulher negra com cabelo Black Power e colei no cartaz, a maioria das crianças começou a dizer que a mulher era feia e neste momento ouvi quando duas crianças mais afastadas do grupo disseram: “Que cabelo feio” “Igual do Pedro, esse neguinho feio!”
Ao ouvir as falas das crianças e relacionar com as devolutivas da proposta, percebi que a questão necessitava mais do que uma conversa, elas estavam revelando os seus pensamentos e o quanto elas já haviam assimilado as ideologias racistas que atravessam o nosso cotidiano. Naquele instante, percebi a necessidade de mostrar para as crianças referências positivas sobre a população negra, destacando as contribuições do povo africano para a construção da identidade do povo brasileiro, com a intencionalidade de que elas desconstruíssem os estereótipos que absorveram na dinâmica das relações sociais e descobrissem a potência da história e cultura do povo africano e afro-brasileiro. Além disso, a proposta era que as crianças negras tivessem a oportunidade de se verem representadas de forma positiva, orgulhando-se do seu pertencimento racial e as crianças brancas aprendessem a respeitar e valorizar a diversidade.
Após esta reflexão, tive que me debruçar em estudos e pesquisas sobre a temática racial e criar metodologias que atendessem as especificidades da infância.
Para atingir os objetivos mencionados, foram necessárias algumas etapas diluídas no período de 3 meses – de abril a junho -, sendo abordadas com as crianças de 2 a 3 vezes por semana. Entre as etapas, estava: a visita da boneca Abayomi, apresentação de obras da literatura infantil que abordassem o tema, culinária, roda de capoeira, pesquisas sobre o continente africano, exposição sobre o processo e a culminância com um desfile afro e apresentação musical.
Dentre todas as etapas, a culminância com o ato da apresentação e do desfile afro fecharam o projeto com chave de ouro, pois tivemos a intensa participação da família, prestigiando os eventos, mas principalmente sendo parte do processo. As crianças, baseadas nas imagens que havíamos pesquisado sobre os trajes africanos, escolheram as suas roupas e um grupo de mães se reuniu para comprar tecidos e confeccionou as roupas para as festividades, demonstrando aqui o envolvimento das crianças e suas famílias com a proposta que atingiu o objetivo de celebrar a valorização da diversidade, o orgulho negro e tudo o que aprendemos neste processo.

Estratégias adotadas

O percurso foi marcado por algumas etapas:

A visita da Abayomi
Com a intenção de inserir um elemento lúdico que criasse conexão com as crianças e envolvesse as famílias no processo, introduzi uma boneca vinda da África, que nos contaria as histórias do seu povo e passaria 2 dias na casa das crianças, as famílias faziam relatos e registros fotográficos em um caderno.

Mapas e pesquisas sobre o continente africano
Nesta etapa, pesquisamos no atlas o lugar de onde tinha vindo a boneca e conversamos sobre o fato que parte dos povos africanos foram trazidos para o Brasil.
Para saber o que as famílias sabiam sobre a África deixei um cartaz na porta, coletamos as informações onde a maioria registrou pobreza, fome e doenças, criamos um mural com imagens e informações desmistificando esses olhares.

Histórias, músicas, capoeira
Neste processo, semanalmente lia histórias em que o cenário fosse a África ou protagonistas negros numa perspectiva positiva; sendo que as mais apreciadas pelas crianças, fazíamos recontos. As canções faziam parte das nossas rodas de músicas semanais, já a capoeira foi trabalhada em uma sequência que abordou o que é, onde surgiu, os cantos e os movimentos e contamos com a participação de um convidado.

Culinária- receita de cuscuz
Desfile Afro e apresentação da música Sansa Kroma.

Dificuldades encontradas

Durante a realização do Projeto, decidi inserir um personagem lúdico que viria da África para nos contar as histórias do seu povo. Então, imaginei que para a faixa etária das crianças uma boneca negra seria ideal. Este foi o meu primeiro desafio: encontrar bonecas negras no mercado, após muitas andanças, tive que encomendar uma boneca de pano em um ateliê. Outro episódio que considero o grande desafio, que também envolve a boneca e se relaciona com a questão de gênero, foi que entre as 32 crianças do grupo, uma delas foi proibida de levar a boneca para casa. O pai da criança, ao recebê-lo no período da saída com uma boneca nos braços, ficou muito contrariado e veio me questionar na porta da sala sobre o motivo pelo qual o filho dele, sendo um menino, estar com aquele objeto.
Diante da situação, expliquei a proposta e marcamos uma reunião com a equipe gestora, que me prestou todo o apoio, mas mesmo com todos os nossos argumentos, infelizmente a criança foi privada pela família da experiência de cuidar da boneca em sua casa.

Principais aprendizagens

No decorrer da experiência, pude ver as crianças encantadas com as descobertas sobre o povo negro, as crianças negras se vendo representadas nas imagens, nas histórias passaram a se identificar e sentir orgulho do seu pertencimento racial. As crianças brancas aprenderam sobre respeito e diferenças como algo positivo. As famílias foram construindo saberes e desconstruindo estereótipos sobre a África e a população afro-brasileira. Criei um cartaz para saber os conhecimentos prévios da comunidade sobre o continente africano, a maioria dos comentários era relacionada a doença, fome e pobreza, também acreditavam que África se tratava de um país. Organizei com as crianças um mural com imagens desmistificando essas ideias.
Mas acredito que a pessoa que mais aprendeu neste processo fui eu, pois ele representa um divisor de águas em minha vida. Foi mergulhada em pesquisas sobre as questões étnico raciais que me percebi negra, pois enquanto mulher negra com a pele clara e cabelos alisados não era lida como pessoa negra na sociedade e nem me considerava, mas ao relacionar teoria e prática, comecei um processo de autoidentificação e conclui aquele ano com um grande corte no cabelo, deixando florescer a identidade negra que estava adormecida dentro de mim.

Observação

O apoio da Equipe gestora e a parceria das famílias foram fundamentais para o desenvolvimento do projeto.

Referências bibliográficas

Livros:

BENTO, Maria Aparecida Silva. Educação Infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos e conceituais. São Paulo: CEERT, 2011.
ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Almanaque pedagógico afro-brasileiro. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar, ao silêncio escolar. São Paulo: Contexto, 2003.
Documentos Oficiais:

São Paulo (Estado). Orientações Curriculares Expectativas de aprendizagem para a educação étnico-racial na Educação infantil, ensino fundamental e médio – PMSP, 2008-SP.
Fontes Online:

MAWACA. “Tambores de Mina”. Disponível em: <https://www.letrasdemusicas.fm/mawaca/tambores-de-mina\>. Acesso em: [data de acesso].

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