CART(a)GRAFIAS INTERGERACIONAIS: sexismo e racismo nas escolas

Estado: Bahia (BA)

Etapa de Ensino: Ensino Médio

Modalidade: Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional Tecnológica

Disciplina: História, Sociologia

Formato: Remoto

Deysiene Cruz é socialmente conhecida como Deyse Cruz, mulher preta de 37 anos, filha do Recôncavo da Bahia, é professora, é formada em Serviço Social pela UCSAL e Pedagogia pela FAEC-Ba, é especialista em Educação e Pobreza pela UFBA e em Família na Contemporaneidade pela UCSAL,é mestra em Educação de Jovens e Adultos pela UNEB, doutoranda em Difusão do Conhecimento pela UFBA, se interessa em pesquisar: mulheres negras, envelhecimento étnico-racial, educação de jovens, adultos e idosos, violências domésticas, políticas de proteção as meninas, mulheres e velhas/idosas, intergeracionalidade, cartografia, escrevivências e práticas antirracistas. É aprendiz feminista negra e apaixonada por livros.

EXPLIQUE BREVEMENTE A EXPERIÊNCIA

Foi uma experiência de crescimento social, territorial e educacional extremamente significativa para todas as pessoas envolvidas. Inicialmente, foram selecionadas as turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do Fundamental II e do Ensino Profissionalizante que mais se destacavam em trocas de preconceitos e demandas relacionadas às questões raciais e de gênero. Essas questões eram expostas e explicitadas por meio de cartas entregues a profissionais de diversas áreas que atuavam com atenção a esses temas.

 

Dessa forma, após as trocas, as cartas eram respondidas com outras cartas contendo estratégias de enfrentamento, educação em direitos humanos e propostas de novos comportamentos, trocas e possibilidades de mudança em relação às situações abordadas nas cartas. É importante ressaltar que a questão intergeracional é garantida como um elemento fundamental no projeto, uma vez que envolve temáticas com perspectivas diferentes e assertivas.

QUAIS OS ATORES ENVOLVIDOS

Assistentes sociais, psicólogos(as), nutricionistas, professores das diversas áreas, pessoas ativistas dos Movimentos Sociais e estudantes de coletivos da EJA e de Ensino Profissionalizante de duas escolas do Recôncavo da Bahia.

RELATO DA EXPERIÊNCIA

A experiência teve origem em uma das propostas de pesquisa-ação da autora, intitulada ‘CART(a)GRAFIAS INTERGERACIONAIS: sexismo e racismo nas escolas’, envolvendo coletivos da educação de jovens, adultos e idosos, bem como algumas turmas de cursos profissionalizantes, como a turma de curso técnico em logística e a de auxiliar de nutricionistas. As cartas expressavam as dororidades, um conceito abordado por Vilma Piedade (2017), que destaca como o racismo opera em nossas vidas causando ausências, silenciamentos e apagamentos. Isso se tornou mais evidente em tempos de pandemia, quando as questões de gênero e raciais se tornaram foco de demandas e evidências de que a pandemia não foi apenas uma crise sanitária devido ao vírus COVID-19, mas também uma pandemia de violência de gênero e racial.

As dores compartilhadas nas cartas eram selecionadas e direcionadas às profissionais que atuavam em áreas específicas, desencadeando respostas por meio de outras cartas. Esse processo promovia trocas terapêuticas, de enfrentamento, educação em direitos humanos, gênero e racial, além de indicar leituras de mulheres negras, escritoras e ativistas que elucidavam os enfrentamentos usando tecnologias de gênero e letramentos raciais. É importante destacar que o projeto de troca de cartas evidenciava a influência intergeracional na troca de saberes diversos e geracionais para atender às demandas.

Além das dimensões sociológicas e antropológicas das questões apresentadas, as cartas enfatizavam a importância e estímulo à escrita, conforme defendido por Evaristo (2017). Esse projeto valorizava tanto falar de si quanto estimular a escrita manual, algo que tem sido reduzido no contexto atual, onde a tecnologia híbrida e virtual têm ganhado mais espaço.

É fundamental enfatizar outro aspecto de grande importância: este é um projeto tanto acadêmico quanto social, desenvolvido através da metodologia de pesquisa-ação e alinhado com as recomendações da Agenda 2030 das Nações Unidas, com destaque para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3, 4, 5, 10 e 16. Isso promove uma Educação Antirracista e de Desenvolvimento Sustentável, ressaltando a necessidade contemporânea de se referenciar como ecologias de saberes e amefricanidades. Tais conceitos foram enfatizados por Lélia Gonzalez (2020) e Werneck (2010), que sempre afirmaram que “nossos passos vêm de longe e devem ir ainda mais longe”.

ESTRATÉGIAS ADOTADAS

Inicialmente, foi priorizada a viabilidade ética, seguida da viabilidade científica, social e transformacional. Dessa forma, foram desenvolvidas tecnologias por meio da pesquisa-ação, iniciando com três encontros virtuais/híbridos com os professores das turmas selecionadas nas cidades do Recôncavo da Bahia. É relevante ressaltar que as escolas já possuíam vínculos com a autora devido aos seus estudos e pesquisas realizados no mestrado, assim como com os Grupos de Pesquisa.

Os encontros com os professores foram de extrema importância para identificar os estudantes que se destacavam em demandas individuais e familiares. Posteriormente, ocorreram três encontros online por meio de plataformas como Google Meet e WhatsApp. Durante esses encontros, foram abordadas as demandas expressas nas cartas, além das motivações e dos cuidados psicossociais, especialmente em relação a questões de violência sexual, bem como temas raciais e de gênero.

Após a coleta das cartas, estas foram digitalizadas e encaminhadas aos profissionais. O monitoramento das respostas ocorreu por intermédio dos professores envolvidos. O vínculo estabelecido superou as expectativas, tornando-se especialmente significativo durante a pandemia. Os profissionais tinham um prazo máximo de 15 dias para devolver as cartas com orientações e acolhimento em relação às dores apresentadas

DIFICULDADES ENCONTRADAS

Os desafios mais destacados podem ser considerados, sendo o monitoramento para o retorno das cartas um dos mais significativos. As estudantes se envolveram de maneira intensa, compartilhando suas dores, que abrangiam questões de violências de gênero, institucionais e racismo. Elas buscavam prontamente orientações, direcionamentos, ideias e respostas para enfrentar essas situações. Muitas das dores manifestadas diziam respeito a mães solo, as quais as estudantes assumiam como suas próprias, sendo esta a primeira vez que se sentiam encorajadas a abordar esse tema.

Durante os 15 dias de espera por retornos, foram enviadas mensagens, poesias, textos e vídeos relacionados ao empoderamento feminino, enegrecimento e aquilombamento, como uma forma de lidar com a expectativa dos estudantes. Após a recepção das cartas, houve expressiva alegria e gratidão, resultantes das expectativas atendidas, do acolhimento oferecido e dos afetos compartilhados. Algumas alunas e alunos que não haviam participado, devido a limitações quantitativas e factíveis, demonstraram interesse em se envolver posteriormente.

Por esse motivo, a intenção é relatar essas experiências bem-sucedidas, a fim de que outras escolas possam contribuir com suas alunas, alunos e até professores.

PRINCIPAIS APRENDIZAGENS

As pessoas aprenderam que as violências de gênero, domésticas, familiares e questões de racismo podem e devem ser enfrentadas coletivamente, assim como as estratégias de aquilombamento ensinadas por nossos ancestrais. Elas também conheceram as redes de enfrentamento estatal, coletivo e social. As pessoas participantes foram incentivados a compartilhar suas experiências, destacando como uma ideia simples e viável poderia ser eficaz no enfrentamento educativo do racismo, sexismo, violências, entre outros. Se tivéssemos considerado um número diferente, teríamos aumentado de 45 para 80 o total de cartas trocadas, já que muitos profissionais demonstraram interesse e se ofereceram para participar após conhecer o projeto.

Os professores e professoras, e gestores das escolas/turmas selecionadas continuam repercutindo essas trocas até os dias atuais, principalmente entre os próprios alunos e alunas, especialmente nas turmas da EJA, que valorizam a intergeracionalidade. Isso se tornou um importante referencial, uma experiência que serve de exemplo. Talvez uma abordagem diferente que pudesse ter sido feita seria a divulgação do projeto como referência e modelo, mas, na época, a prioridade era a questão ética e a preocupação com os envolvidos.

Mesmo que a proposta de relato de experiência não seja selecionada, acredito que já ter sido lida pelos avaliadores é um caminho próspero. Hoje, como autora (eu), desejo compartilhar essa experiência que sei ter feito e continua fazendo diferença na vida de muitas pessoas. Isso é especialmente relevante porque aborda o enfrentamento ao sexismo, misoginia e racismo. Essa proposta de educação antirracista pode ser considerada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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