Beleza, gênero e criança quilombola: infância sem preconceito no Quilombo Catucá – Bacabal/MA

Estado: Maranhão (MA)

Etapa de Ensino: Educação Infantil - Pré-Escola

Modalidade: Educação Escolar Quilombola

Disciplina:

Formato: Presencial

Mulher preta quilombola, pedagoga, graduanda do curso de Educação do Campo na UFMA, gestora escolar quilombola, militante da UNEGRO, conselheira do CACS Fundeb represento as escolas quilombolas.

Como foi a experiência

O ensaio fotográfico com as crianças da educação infantil, da U.E.F. Catucá, marcou a culminância da nossa proposta de trabalho, que visava, através de atividades lúdicas desenvolvidas na escola, promover experiências de aprendizagem significativa para elas, sobre as questões que envolvem as relações de gênero, raça e sexualidade. E assim, mostrar através das fotos, que a beleza existente em cada um(a) transcende o gênero, a sexualidade, a cor, a raça, a religião, classe social, etc. Cada um(a) é único(a) e tem sua beleza própria.

O ensaio fotográfico das crianças do quilombo Catucá (*Catucalenses) está em seu segundo ano de execução. O mesmo aconteceu nos espaços dentro do quilombo, valorizando o lugar de pertencimento das mesmas, os objetos utilizados por seus ancestrais e familiares. A experiência se deu em uma manhã, em que as crianças foram convidadas, com antecedência, para participarem do ensaio, logo após consentimento dos pais ou responsáveis, autorizando a participação e assinando o formulário de autorização do uso de imagem.

 

*Catucalenses: Neologismo utilizado na comunidade para demostrar o sentimento de pertença que os quilombolas têm pelo quilombo Catucá.

Atores envolvidos

Buscando dar total suporte na produção e organização das crianças, os atores envolvidos foram a gestão escolar, os professores(as), como também as crianças da Pré-Escola e a comunidade como um todo.

Relato da experiência

É muito comum, principalmente no contexto das brincadeiras infantis, nos depararmos com situações envolvendo questões preconceituosas, relacionadas ao gênero das crianças, sendo reproduzidas pelas próprias crianças, tais como: “meninos brincam com meninos e meninas brincam com meninas“; “menino não brinca de roda nem de boneca”; “menina não joga bola”; “homem que chora é mariquinha”; “ele(a) anda igual menina(o)”; etc. Isso expressa o aprendizado da cultura onde as crianças estão inseridas, ou seja, as normatizações de gênero e sexualidade, dos comportamentos que a família e/ou o meio social consideram adequados a meninos e meninas.

Assim sendo, interagindo e reagindo aos estímulos das pessoas e do contexto em que crescem, as crianças acabam reproduzindo alguns discursos e atitudes que configuram sua maneira de ser e estar no mundo. Aprendem, então, as regras culturalmente construídas sobre gênero e sexualidade, baseadas apenas na cishetoronormatividade ou cissexismo. O que acaba contribuindo para a formação de um sujeito preconceituoso e intolerante.

Observar tudo isso no contexto do quilombo Catucá, nos revelou o quanto a escola, principalmente aquelas que atendem crianças, especialmente da educação infantil, como é o caso da U.E.F. Catucá, precisa ressignificar sua função social e o trabalho pedagógico que desenvolve em relação às questões de gênero e sexualidade das crianças. Daí, então, surge a ideia do ensaio fotográfico com as crianças protagonizando todo o processo. O ensaio fotográfico, juntamente com a exposição de fotos, foi o carro-chefe que marcou a culminância do nosso projeto. Através deste ensaio e da exposição de fotos possibilitamos a todos ver, refletir e agir sobre a beleza que cada um(a) possui, independentemente de cor/raça, sexo, sexualidade, gênero. E que o conceito de beleza transcende às convenções sociais ditadas por um grupo em detrimento a outros grupos.

Essa experiência integra as ações anuais da Prática Educativa Identidade e Educação Escolar Quilombola da UEF.Catucá de autoria da gestora Vanderlucia Cutrim de Sousa. O ensaio fotográfico infantil ocorreu no mês de novembro, no Quilombo Catucá, onde os discentes posaram para serem fotografados nos espaços em que estão acostumados a frequentar, seja para brincar, rezar, correr e até mesmo ajudar a família a cuidar das plantações. A experiência, justifica-se pela contribuição no processo de elevação da autoestima e da autoconfiança das crianças quilombolas (meninos e meninas catucalenses), contribuindo para a valorização do espaço ao qual pertencem e para a efetivação da Lei 10.639/03, no trabalho de combate ao racismo e outras formas de preconceito no ambiente escolar, como orienta a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

O Quilombo Catucá antes era uma grande fazenda a qual servia de ponto de descanso para os tropeiros os quais por lá passavam. Os quilombolas não sabem porque deixou de ser denominado de Retiro e passou a chamar-se Catucá. O quilombo Catucá é um espaço de riquezas históricas, culturais, artísticas e religiosas. A diversidade presente no fenótipo das crianças foi o motor para realizar o ensaio fotográfico, pois são frutos da mistura da diversidade existente no país, no qual resultou em diversos tons de pele, cabelos, formatos de rostos, expressões, estilos e estéticas diferenciados, um mais belo que o outro. É de suma importância que as crianças pretas se vejam de forma enaltecida, principalmente quando se trata da beleza estética, do gênero e da sexualidade de cada um. Portanto, a visualização, a contemplação se deu através de uma exposição fotográfica, produzida em um espaço do quilombo, ao ar livre, onde foram convidados todos os(a) moradores(as) para se fazerem presentes.

Estratégias adotadas

Sempre que a escola pretende desenvolver um projeto, primeiramente convoca os pais e as lideranças da comunidade para apresentar a proposta que será trabalhada e qual será a participação de cada um neste processo. Assim sendo, as estratégias adotadas foram:

  • Com os pais e comunidade: foi realizada uma reunião para informar aos quilombolas a data da realização da ação e a assinatura do termo autorizando a participação da criança; oficina para confecção de brinquedos, onde o pai ou a mãe confeccionou junto com o filho, e para o filho, um brinquedo de sua infância; todos apresentaram sua produção na escola e contaram a história desse brinquedo;
  • Na escola: as professoras desenvolveram atividades lúdicas integrando meninos e meninas juntos em todas elas (jogos, brincadeiras, dinâmicas, cantigas infantis e principalmente, as cantigas populares que fazem parte da cultura quilombola) para refletir com as crianças as questões relacionadas ao gênero e a sexualidade na educação infantil; realizaram rodas de conversa, atividades com espelho, autorretrato, desenhando o colega; as crianças aprenderam a confeccionar a abayomi, que tem origem iorubá, é uma boneca negra, tem como significado aquele que traz felicidade ou alegria. Abayomi quer dizer encontro
    precioso (abay=encontro e omi=precioso). O nome serve para meninos e meninas, indistintamente.
  • Realização do ensaio fotográfico. Os locais para o ensaio foram escolhidos no dia da realização das fotos. Saímos passeando pelo quilombo e fotografando, ou seja, não teve local previamente definido.
  • Por último, organizamos um lindo evento para exposição das fotos, de modo eu todos pudessem refletir sobre a beleza que cada um(a) tem, independentemente de sua cor, raça, gênero, sexualidade.

Dificuldades encontradas

A dificuldade maior foi o momento pandêmico ocasionado pela Covid 19, que ainda estamos vivemos, apesar de termos 100% dos quilombolas vacinados. O uso de máscaras se faz necessário e, como o número de crianças participando do ensaio era considerado grande, deu um pouco de trabalho para organizá-las, tendo em vista a euforia, a energia peculiar do público infantil. Para além disso, a dificuldade para falar e desenvolver algumas atividades para explorar as questões de gênero e sexualidade com as crianças e, também, a de selecionar as fotos que seriam impressas para exposição, tendo em vista a grande quantidade de fotos e a beleza das mesmas.

Principais aprendizagens

Posso contribuir enquanto profissional da educação no fortalecimento da consciência negra infantil. Meninos e meninas podem brincar juntos, vestir a roupa da cor que quiser, brincar qualquer brinquedo. Homem chora sim. As relações de gênero e sexualidade estão presentes no universo infantil e a escola precisa desenvolver atividades significativas e positivas sobre essas temáticas. A valorização da estética negra infantil influencia de modo positivo na autoaceitação. A criança preta não necessita ser intoxicada pela discriminação violenta e os espaços ao qual pertence podem contribuir para que ela seja dona de si e de sua história.

Observações

O processo de tornar-se negra/negro não precisa ser doloroso. Precisamos reconhecer que vivemos em um país racista e que esse racismo se dá de forma estrutural e que as práticas antirracistas devem ser democráticas e se dá de forma homogênea, valorizando a identidade dos/das discentes negras/os. E como disse a filósofa americana Angela Davis: Numa sociedade racista não basta não ser racista.

Referências Bibliográficas

BRASIL, Lei nº 10639 de 9 de janeiro de 2003. Ministério da Educação.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC/SECAD.2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:Promulgada em 5 de novembro de 1988. Texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 91 de 18 de fevereiro de 2016.

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação nacional.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB,2017.

MEC-Cadernos Temáticos-Educando para as relações étnicas-raciais.

Diretrizes Curriculares do Ensino de História.

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