África em nós: práticas de alfabetização e letramento racial
Estado: Paraná (PR)
Etapa de Ensino: Ensino Fundamental I
Modalidade: Educação Regular
Disciplina: Geografia
Formato: Presencial
Mestranda em Educação pela UFPR, sou apaixonada pela educação atuando a mais de 17 anos para o estudo das infâncias. Minha prática pedagógica está baseada na escuta das crianças, natureza e protagonismo infantil. A paixão pelos livros fez que me tornasse uma alto-falante das histórias, transportando sua voz e corpo para arte da narração oral de histórias. Em parceira com o UNICEF Brasil gravei 10 episódios no podcast "Deixa que eu Conto", com histórias afro-brasileiras voltadas para infância.
A experiência
Este resumo relata a experiência realizada com crianças do 1º ano do Ensino Fundamental que estão se apropriando do sistema de escrita alfabética e, ao mesmo tempo, vivenciando um processo de letramento racial a partir de elementos da cultura afro-brasileira e africana.
As práticas ocorreram na Escola Municipal CEI Eva da Silva, no município de Curitiba-PR, em 2022. A proposta surge a partir do Projeto Pesquisa-Ação na Escola (PAE) apresentado pela Secretaria de Educação de Curitiba, que tem por objetivo o desenvolvimento profissional e científico dos/as professores/as da rede, em articulação com Instituições de Ensino Superior. Nessa articulação, a pesquisa foi orientada pela professora Lucimar Rosa Dias da Universidade Federal do Paraná.
Pessoas envolvidas
Crianças da faixa etária de 6/ 7 anos que construíram junto da professora regente um processo de alfabetização e letramento racial de forma coletiva, e a Universidade Federal do Paraná, com o apoio da orientação de Lucimar Rosa Dias, fundamentando a prática pedagógica.
Relato da experiência
A experiência foi realizada com crianças do 1º ano do ensino fundamental que estão se apropriando do sistema de escrita alfabética e, ao mesmo tempo, vivenciando um processo de letramento racial a partir de elementos da cultura afro-brasileira e africana. A metodologia utilizada na pesquisa foi de tipo etnográfica e observação participante, pois a atitude de pesquisadora assumida nessa ação não se separou da de professora da turma. O tempo todo o processo estava sendo acompanhado sob essas duas perspectivas, que inclusive fazem parte do nosso fazer docente.
Paulo Freire diz que ” Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender, o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador” (FREIRE, 1996, p.15).
A alfabetização deve acontecer com articulações de saberes do mundo da criança, não se limitando a práticas fragmentadas. Por exemplo, trabalhar letras isoladas, palavras sem significados ou distantes do interesse das crianças e focadas na memorização de famílias silábicas.
Segundo Magda Soares (2020, p.51) “[…] aprendizagem proporcionada de forma sistemática e explícita no contexto escolar que a criança vai progressivamente compreendendo a escrita alfabética como um sistema de representação de sons da língua (os fonemas)”. Outro conceito importante que alinhava essa experiência é o letramento racial. Sonia Rosa afirma que “o termo letramento tem origem nos estudos sobre alfabetização. A professora Magda Soares (2009, p. 39), conceituada pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos explica que letramento é “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita. O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”.
No entanto, o conceito se ampliou e hoje podemos analisar o termo letramento racial como análogo ao conceito referido ao indivíduo que aprende a ler e a escrever, como explicado pela especialista Magda Soares (2009). Sendo assim, proponho aqui, respeitosamente, a substituição dos termos “ler e escrever” e “escrita” por “saberes”.
No caso específico do letramento racial, os saberes ligados aos conceitos e conhecimentos de fatos históricos e episódios do cotidiano serão relacionados à temática negra e afro-brasileira. A justificativa para a ampliação do sentido da palavra letramento é o fato de toda palavra carregar, intrinsecamente, um poder de transformação ao longo do tempo.
Se antes parecia restrito apenas à aquisição da leitura e da escrita, conforme apontado, agora se torna fundamental destacar o seu dinamismo e a sua capacidade de atualização (ROSA,2022, p.31-32). Diante dessa reflexão, as atividades desenvolvidas articularam a alfabetização, o letramento e o letramento racial, ou seja, a proposta não deixou de desenvolver atividades voltadas para a alfabetização e tão pouco esperou alguma data específica para trabalhar a temática das culturasafricanas e afro-brasileiras. Segundo, Rosa Margarida de Carvalho Rocha (2007, p.29) cumprir as normativas antirracistas “não significa abandonar as disciplinas escolares ou apenas aglutinar a elas a temática, mas sim ressignificar os conteúdos escolares, contextualizando-os, relacionando-os à realidade brasileira”
Estratégias adotadas
O trabalho surgiu pela curiosidade entre as crianças em relação à palavra CANJICA. Algumas indagaram sobre sua origem e, então, realizamos uma pesquisa virtual em sala de aula e descobrimos que era uma palavra vinda do continente africano, e isso nos levou a pensar que muito do que falamos no nosso dia a dia tem a mesma origem. Gostaram dessa busca. Começamos a escolher duas palavras por mês do nosso vocabulário que são de origem africana e a partir delas fomos explorando o sistema de escrita alfabética. A cada palavra descoberta seguia-se uma sequência de perguntas: Quantas letras possui? A primeira letra dessa palavra está próxima de quais letras no nosso alfabeto? Quantas sílabas possui? Seria possível escrever outras palavras com as mesmas letras? Foram muitas as palavras registradas, pesquisadas e escritas. Ao mesmo tempo, a atividade que esteve presente nas ações foi a leitura literária, utilizando o objeto livro como mais um recurso de percepção das palavras exploradas e promovendo o incentivo à leitura. Nossa escolha dos livros buscou apresentar referências positivas da cultura afro-brasileira e africana, que fossem de qualidade literária e ainda dialogassem com o processo de alfabetização na medida em que proporcionavam reflexões sobre o sistema de escrita alfabética
Dificuldades encontradas
A maior dificuldade está relacionada à nossa própria postura docente de compreender a flexibilidade para acompanhar os interesses das crianças. Durante o processo, novas questões foram surgindo. A aluna disse: “Será que tem outros países que falam português igual a gente?”. Com essa pergunta disparadora iniciamos uma outra pesquisa, e assim descobrimos diversos países africanos que falam o português e passamos a explorar a escrita dos nomes dos países usando o alfabeto móvel. As crianças realizaram a confecção da representação das bandeiras e depois correlacionaram os nomes dos países colocando cada bandeira na letra correspondente à inicial do país nas caixinhas que ficavam expostas na sala com as letras do alfabeto.
Principais aprendizagens
Fica evidente que as práticas desenvolvidas em sala de aula com suporte acadêmico ganham um outro significado na ação docente. O projeto foi de grande valia no percurso de aprendizagem das crianças no que se refere ao envolvimento com a cultura africana e afro-brasileira. As propostas a serem cumpridas no âmbito da alfabetização de acordo
com os documentos legais foram realizadas alcançando o objetivo proposto. Muitas crianças demonstraram mais interesse por assuntos relacionados às culturas africana e afro-brasileira e junto a isso desenvolveram a prática da escrita e da leitura. Outra conclusão é que a educação para as relações étnico-raciais pode ser desenvolvida durante todo o ano letivo, articulada com os demais componentes curriculares de modo que a educação antirracista não se dissocie dos outros conhecimentos; ao contrário, ela pode ser parte intrínseca ao processo de aprendizagem. Talvez para ganhar ainda mais significado desenvolver a mesma ideia nas outras áreas de conhecimento.
Observações
É notório que o letramento racial foi construído concomitantemente ao processo de alfabetização e letramento. Um exemplo foi quando a aluna disse: “Minha mãe não sabia, mas eu avisei que ela fala muitas palavras africanas, ela disse que meu quarto estava uma bagunça “As crianças levaram para o ambiente familiar suas aprendizagens, indica que as relações de letramento racial ultrapassam o muro da escola e produzem outros diálogos nos quais as crianças passam a ocupar o lugar de ensinantes.
Referência bibliográfica
BRASIL. Lei n.º 11.645 de 10 de março de 2008. Estabelece as Lei Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm#art1. Acesso em: 4 nov. 2022.
CAMPOS, Carmen Lucia Campos; FRAIZ, Valentina. Moleque.São Paulo: Panda Book,2022.
COSTA, Samara da Rosa; PEREIRA, Sara da Silva; DIAS, Lucimar Rosa. Literatura infantil e reflexões antirracistas no cotidiano da primeira infância. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 14, n. 39, p. 125-139, maio 2022.
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Dias, Lucimar Rosa, Silva, Valeria Pereira da, Silva, Sandra. Almeida da, Ranna E. de. (2021). Educação Antirracista uma Prática Para Todos/as:um compromisso ainda de poucos/as.Kwanissa: Revista De Estudos Africanos e Afro-Brasileiros, v.4, n.11, 2021.