Governo Lula retira Brasil de aliança conservadora antigênero

"Consenso de Genebra" ia na contramão dos avanços de décadas para os direitos sexuais e reprodutivos. Em 2022, mais de cem organizações da sociedade civil se mobilizaram junto à equipe de transição pedindo que o novo governo tirasse o Brasil da aliança.

No dia 17 de janeiro, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Saúde, o Ministério das Mulheres e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania emitiram uma nota conjunta para informar o desligamento do Brasil da Declaração do “Consenso de Genebra” sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família.

Criado em 2020 por Donald Trump, o “Consenso de Genebra” tem como objetivo impedir avanços no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, além restringir e deslegitimar as várias formas de famílias. São signatários da aliança países como Polônia, Hungria, Arábia Saudita e Iraque.

De acordo com o governo, o “Consenso” tem um entendimento limitativo e que poderia impedir a plena implementação da legislação nacional a respeito desses direitos, incluindo os princípios do SUS. A nota ainda afirma que:

“O Governo reitera o firme compromisso de promover a garantia efetiva e abrangente da saúde da mulher, em linha com o que dispõem a legislação nacional e as políticas sanitárias em vigor sobre essa temática, bem como o pleno respeito às diferentes configurações familiares.”

Em 2021, diversas organizações da sociedade civil lançaram um balanço sobre as ofensivas antigênero no país de 2019 a 2021. O relatório traz um olhar especial para políticas de estado e iniciativas legislativas. A publicação serviu também como subsídio para que as organizações pressionassem a equipe de transição do novo governo em novembro de 2022.

Para Sonia Corrêa, pesquisadora associada da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política (Sexuality Policy Watch), a medida dos Ministérios é importante de diversos sentidos. É uma demonstração de que o Brasil está retomando seus compromissos com os parâmetros definidos em Conferências dos anos 90, como a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, entre eles:

Matérias referentes à saúde reprodutiva incluída a definição do aborto como grave problema de saúde pública, e a recomendação do Art. 106-k da Plataforma da Ação de Pequim sobre a Mulher que recomenda a revisão de legislações punitivas, mas também a definição do Programa de Ação da CIPD sobre o reconhecimento das várias formas de família.

A pesquisadora vê com muita satisfação os resultados desta mobilização. O movimento foi criado em um esforço para disseminar informações para a sociedade brasileira sobre a aliança que feria a garantia plena dos direitos humanos e vinha na contramão da tradição diplomática brasileira.

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