Falta de recursos para higienização menstrual nas escolas afeta 4 milhões de estudantes no Brasil
Desinformação, estigmas, discriminação, faltas e evasão escolar são algumas das consequências
A higiene menstrual é um direito básico, mas só é possível quando se tem acesso a absorventes e coletores adequados, assim como instalações seguras e convenientes para o descarte de materiais. No entanto, este direito não é garantido para todas as pessoas que menstruam, conforme reforça a pesquisa Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos, realizada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), lançada no fim de maio de 2021.
A pobreza menstrual resulta da combinação de fatores socioculturais, políticos e econômicos como, por exemplo: a desinformação sobre a menstruação que gera dúvidas, preconceitos e vergonha; a pobreza que impede a compra de materiais necessários para a higiene pessoal; a falta de acesso à água encanada e saneamento básico; a ausência de infraestrutura nas escolas; a ausência de políticas públicas relacionadas ao tema.
O problema afeta milhares de pessoas (cis, trans e não binárias) desde a primeira menstruação (menarca),cuja autonomia e dignidade menstrual são violadas pelas históricas desigualdades de gênero, raça e classe social existentes no país, que se agravaram com a chegada da pandemia da covid-19.
Segundo a pesquisa do UNFPA e do UNICEF, cerca de 6,5 milhões de meninas vivem em casas sem ligação à rede de esgoto, 3 milhões moram em locais sem coleta de lixo e 900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios.
O estudo aponta que uma família com baixa renda e em situação de vulnerabilidade social dedica uma fração menor de seu orçamento para itens de higiene menstrual, uma vez que a prioridade dela é a alimentação. Os dados mostram que 50% das pessoas estão em lares com algum nível de insegurança alimentar, e que as meninas pretas e pardas têm 29% mais chances de serem afetadas por falta de acesso a serviços quando comparadas às meninas brancas.
De acordo com a oficial de Juventude do UNFPA, Gabriela Monteiro, “o problema é maior nas regiões onde o acesso a serviços já é comumente mais prejudicado. A chance de uma menina do Nordeste, por exemplo, não ter um banheiro com chuveiro e vaso sanitário em casa é 17% maior do que uma menina vivendo no Sudeste”.
Menstruação na escola
A menarca ocorre entre 8 e 12 anos para cerca de 42% das pessoas. Se estiverem cursando a série adequada para a idade, quase 90% delas passarão entre 3 a 7 anos da sua vida escolar menstruando. Esta informação é fundamental para que a comunidade e a gestão escolar priorizem ações que respeitem esta condição e garantam o direito básico à higiene menstrual.
Todas as escolas do ensino fundamental e médio deveriam estar equipadas com banheiros – reservados e separados por sexo -, com pias e lavatórios em condições de uso, ter produtos como papel higiênico e sabonetes disponíveis.
No entanto, a pesquisa revela que mais de 4 milhões de brasileiras não têm acesso a condições mínimas para gerenciarem a própria menstruação nas escolas. Para a oficial de Juventude do UNFPA, Gabriela Monteiro, isso “significa que elas não têm acesso a banheiros nas escolas e sabonetes, por exemplo. A falta de recursos pode ser fator de discriminação, levando muitas vezes à evasão escolar.”
Além da infraestrutura inadequada que provoca evasão ou absenteísmo escolar, durante o ciclo menstrual, estudantes também podem sofrer com diferentes tipos de mal estar como cólicas intensas, dores de cabeça, enjoos etc. o que pode afetar a atenção e as condições para realização de determinadas atividades. Sem contar com o medo permanente de se exporem com o sangramento.
A entrevistada do UNFPA afirma que uma das soluções para mitigar os efeitos negativos da desinformação e dos estigmas em torno do tema é a “educação menstrual”, isto é, a promoção do debate escolar sobre o ciclo menstrual, nossa fisiologia e os cuidados necessários durante a menstruação.
Tal iniciativa poderia desconstruir preconceitos enraizados na sociedade que ainda usa do eufemismos para se referir à menstruação, pois quando falamos em “regras”, “estar de chico”, “estar naqueles dias” estamos inviabilizando algo que é fisiológico e criando mitos infundados.
O relatório aborda ainda outra questão delicada que são as situações constrangedoras banalizadas socialmente desde a menarca quando atribuímos à menstruação a condição de “se tornar mulher” ou “mocinha”. De acordo com o estudo este tipo de conduta ignora a condição infantil dessas pessoas e as expõem a crenças limitadoras, restritivas, assim tabus e sentimentos de vergonha.
Outras soluções possíveis contra a pobreza menstrual
Segundo Gabriela Monteiro, além do investimento em questões estruturais como saneamento básico, uma medida que tem sido cada vez mais comum em todo o mundo é a distribuição gratuita de absorventes em unidades de saúde e nas escolas.
Nos últimos anos, projetos de lei (PL) têm sido criados nas diferentes esferas governamentais para mitigar o problema:
- Na cidade do Rio de Janeiro, foi aprovada a lei nº 6603/2019 que prevê o fornecimento gratuito de absorventes nas escolas públicas da rede municipal de ensino
- Em 14 de setembro, foi aprovado pelo Senado Federal o PL 4968/2019 proposto pela deputada Marília Arraes (PT-PE) que prevê a distribuição gratuita de absorventes nas escolas públicas. Em outubro, o a lei foi vetada pelo presidente Bolsonaro.
O governo sancionou a criação de um Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei nº 14.214 de 06/10/2021). No entanto, o presidente vetou os artigos da lei que previam a distribuição gratuita de absorventes a estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública; mulheres em situação de vulnerabilidade social; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Cinco meses depois, O Congresso Nacional derrubou o veto, permitindo que todos os trechos vetados fossem incorporados à lei.
- O PL 428/2020 de Tabata Amaral (PDT-SP) que, além das escolas, propunha a distribuição em outros espaços públicos, como já acontece com os preservativos masculinos, segue arquivado na Câmara Federal.
De acordo com a pesquisa sobre pobreza menstrual, entre as famílias brasileiras mais pobres, com pelo menos uma menina entre 10 e 19 anos, o gasto médio mensal com o consumo de absorvente é de R$ 3,75. Nas famílias mais abastadas, o gasto sobe para R$ 28,44. Esta disparidade pode ser mitigada também com a redução dos impostos sobre este produto de higiene. Este debate tem ganhado cada vez mais força no Brasil. Em 2020, jovens ativistas pela igualdade de gênero do Girl Up Brasil lideraram a campanha #LivreParaMenstruar e conseguiram a aprovação do PL 2.004/2020 que reduziu a tributação estadual sobre os absorventes.