Educação antirracista e o papel da escola: entrevista com Luana Tolentino
Em seu novo livro, Luana Tolentino convida escolas a refletirem sobre as violências de raça e gênero e se comprometerem por uma educação antirracista
Ter uma educação ativamente antirracista e antissexista é fundamental para garantir o direito à cidadania plena para crianças, adolescentes e jovens. É disso que trata o novo livro da educadora e escritora Luana Tolentino. Sobrevivendo ao racismo: Memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil (editora Papirus 7 Mares) reúne textos publicados na revista Carta Capital que abordam vivências da própria Luana e notícias recentes, buscando sensibilizar quem lê para se engajar na transformação da realidade.
Com uma longa trajetória na educação, Luana Tolentino atualmente tem se dedicado à formação inicial e continuada de professores. Ela compõe o novo comitê de seleção do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2023, promovido pelo projeto Gênero e Educação, da Ação Educativa. Em sua terceira edição, o Edital celebra os 20 anos da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação pela Lei n. 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. Dessa forma, o edital irá valorizar propostas que articulem as dimensões de gênero e raça.
Conversamos com Luana sobre seu novo livro e o lançamento em São Paulo, que será realizado no dia 20 de junho, às 19h, na Livraria da Travessa (Rua dos Pinheiros, 513).
Você pode contar um pouco sobre seu novo livro, Sobrevivendo ao racismo? Como foi o processo de organizar memórias e situações mais recentes sobre o impacto do racismo para a experiência de estudantes negras/os?
Os textos que compõem o livro foram escritos entre 2017 e 2022 e foram publicados na coluna que eu mantenho na Carta Capital. Eu queria lançar um livro novo e, garimpando que livro seria esse, me veio que eu tinha muitos textos falando sobre a questão racial e os impactos do racismo na educação. São textos, especialmente, em que eu aparecia muito – trazendo a questão da memória, trazendo a Luana menina, para pensar a questão do racismo. E a partir dessas memórias, é fazer com que as pessoas possam refletir a respeito dos impactos do racismo na trajetória de crianças e adolescentes negras, principalmente no contexto escolar, no espaço educacional.
Estamos num momento muito singular da luta racial, pela promoção da educação antirracista. Nós percebemos, sobretudo por parte dos educadores que estão no chão da escola, todo um trabalho de implementação da Lei n.10.639, que tornou obrigatório em 2003 o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em instituições públicas e privadas. E esse engajamento e compromisso vem acompanhado também de muitas denúncias de racismo no contexto escolar, de violências, negligências, equívocos, de questões racistas na promoção de práticas pedagógicas.
Trazendo para o livro, eu trato de transformar em crônica esses episódios que têm circulado muito na mídia e nas redes sociais, de modo a fazer com que as pessoas reflitam sobre isso, sobre de que maneira nós vamos enfrentar e de trabalhar para que fatos como os que eu cito não se repitam. Tem as minhas histórias, que se cruzam com esses fatos, e reflexões sobre esses fatos. É uma escrita muito ocupada, muito pensada para sensibilizar os leitores – sejam educadores ou de outras esferas profissionais –, com o sentimento e o desejo de que as pessoas assumam um compromisso com o combate ao racismo.
Como você vê a articulação entre as dimensões de gênero e raça no cotidiano escolar?
Tem duas autoras, que inclusive eu cito no livro: a escritora afro-americana Toni Morrison e a Viola Davis, por quem eu sou perdidamente apaixonada. Toni Morrison diz que a menina negra é a mais vulnerável das criaturas. Já a Viola Davis diz que a soma de pobreza e racismo é brutal para essas meninas. Então não é possível pensar a questão de gênero sem fazer um recorte, um atravessamento de raça, quando se trata do contexto educacional, já que as meninas fazem parte do grupo mais vulnerável no espaço escolar.
Se sobre os meninos negros incide a violência física, sobre as meninas pesa a violência física, a violência simbólica e a invisibilidade. Ao se pensar o enfrentamento do racismo e as políticas públicas de promoção da equidade racial no contexto educacional, é preciso fazer essa interseccionalidade de gênero e raça, já que esse grupo tem ficado para trás no contexto educacional e nas políticas públicas.
Como a sociedade pode se engajar para que estudantes não apenas sobrevivam ao racismo, mas tenham acesso a uma educação que de fato enfrente as desigualdades raciais?
Há uma grande diferença entre sobreviver e viver. E a nós negros têm sido negado o direito de viver em plenitude, já que ainda tem sido negado o direito à educação a nós: o direito de ingressar, permanecer e ter uma trajetória exitosa nos espaços escolares. Tem sido negado o direito à saúde, à moradia, ao trabalho. Tem sido negada ainda a nossa condição de gente, tem sido negada diariamente a nossa humanidade.
É fundamental que toda a sociedade se engaje para que a trajetória da população negra não seja apenas uma trajetória de sobrevivência, mas que seja garantido a esse grupo o direito à vida e cidadania plena. E a escola tem um papel fundamental nesse processo, ela precisa ser o espaço de reconhecimento e de valorização da diversidade étnico-racial, da comunidade negra e das contribuições da população negra para a construção desse país. Ao fazer isso, a escola estará se colocando no lugar de garantir o direito à vida a pessoas como eu, a crianças, a jovens, a adolescentes negros e negras desse país.