Cendhec apresenta recomendações para promoção de igualdade de gênero nas escolas
Adolescentes matriculadas nas redes de ensino do Recife, Igarassu e Camaragibe também participaram da entrega do documento para representantes das Secretarias do Recife, Igarassu e Camaragibe
Ao lado de estudantes de escolas da rede pública de ensino municipal, integrantes do Centro Dom Helder Camara entregaram um Documento de Recomendações para representantes das Secretarias de Educação do Recife, Igarassu e Camaragibe. Construído após pesquisa desenvolvida pelo Cendhec com apoio do Fundo Malala, o documento foi baseado na escuta de adolescentes dos três municípios sobre os impactos das desigualdades de gênero no cotidiano escolar. As recomendações foram apresentadas durante o seminário “Meninas por uma Educação com Igualdade”, que aconteceu na Unicap, na manhã desta quarta-feira (16).
O Documento de Recomendações, que foi chancelado por 22 entidades e ativistas que atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, oferece uma série de sugestões sobre estratégias e ações que podem ser implementadas pelas gestões escolares para ajudar a diminuir desigualdades no dia a dia escolar. Os pontos foram elencados a partir da experiência do projeto Na Trilha da educação. Gênero e Políticas Públicas para Meninas, em especial a realização de uma pesquisa que ouviu as estudantes do ensino fundamental II de oito escolas públicas. Ao todo, 438 meninas responderam a questionários que foram aplicados entre os meses de março a setembro de 2022.
Medidas de enfrentamento ao Racismo, LGBTransfobia, Machismo, Gravidez na adolescência, evasão escolar estão entre as recomendações elaboradas com base no que dispõem o Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal, Conselhos de Educação e outros órgãos da rede de defesa. Para Katia Pintor, coordenadora do DCA do Cendhec, o documento é um importante instrumento em defesa de uma educação com equidade. “O documento de recomendação que o Cendhec apresenta tem a importância de trazer à luz informações e orientações para que as gestões de cada município possam implementar projetos e políticas públicas a partir do que o Cendhec identifica e aponta como necessidade de criação e reestruturação de ações voltadas à garantia da igualdade de gênero nas escolas”.
A mesa de abertura do evento contou com as presenças do advogado, professor coordenador da Cátedra Unesco/Unicap e presidente do conselho diretor do Cendhec, Manoel Moraes; da coordenadora do Programa de Direito da Criança e do Adolescente (DCA) e coordenadora adjunta da instituição, a cientista social Katia Pintor; e Manuella Donato, consultora de projetos do Fundo Malala no Brasil.
Pedagoga do Cendhec e integrante da Rede de ativistas do Fundo Malala, Paula Ferreira, atuou na mobilização das escolas durante a pesquisa e ressaltou que “a educação precisa ser um espaço de acolhimento, um espaço protetivo, e para isso é necessário estar em constante diálogo com outros atores da rede de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Tivemos um desafio com a implementação da pesquisa num contexto de pandemia, mas entendemos que esse elemento também precisava estar inserido neste estudo, porque vai nos mostrar o quanto a educação de meninas foi ainda mais impactada nesse período”, pontuou a pedagoga.
Alcione Ferreira, jornalista e coordenadora de projeto do Cendhec, apresentou os primeiros dados da pesquisa que merecem atenção das gestões municipais, uma vez que geram efeitos diretos no desenvolvimento das estudantes, e que também foram apontados no documento de recomendações. “Com o lançamento dos primeiros dados da pesquisa já percebemos o quanto o trabalho só começa, entra em nova fase: a de gerar junto aos atores públicos subsídios que contribuam para pensar efetivamente uma educação comprometida com a pauta de gênero. Não é possível pensar educação de qualidade sem pensar em igualdade de gênero”, afirma a coordenadora, que também participou da mobilização das gestões e secretarias durante todo o processo de aplicação da pesquisa.
Andreika Asseker, Secretária de Educação de Igarassu, pontuou que a atuação do Cendhec ajudou as gestões a repensar formas de contribuir com o fortalecimento do papel da mulher, das meninas e da educação como fonte promotora de direitos. “Ajudou as meninas a se olharem, terem esse pertencimento do que elas podem, do que elas conseguem. Ajudou uma mudança de mentalidade dos professores, na própria comunidade, como também nas políticas públicas do município”. A Rede de Igarassu adotou a lei do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, garantindo a distribuição de absorventes para meninas da rede de ensino.”Também fizemos algumas mudanças estruturais na política de atendimento dos alunos na rede com essa perspectiva do fortalecimento da mulher. É realmente um programa fantástico que veio como uma pesquisa de intervenção em campo mudando as nossas práticas e a gente só tem que agradecer e fortalecer essa parceria com o CENDHEC”, pontuou.
Um dos momentos mais especiais da programação foi protagonizado pelas adolescentes Peróla Canuto, da Escola Costa Porto e Sarah Raquel, da Escola Evangelina Delgado, de Igarassu. As duas meninas representaram as estudantes da rede pública municipal e falaram sobre suas reivindicações e sonhos de futuro. “Eu acho que o projeto me ajudou muito e foi muito revolucionário. Foi gratificante participar porque eu reparei que meu olhar se abriu e algumas coisas na escola mudaram sobre mim, também sobre outras meninas. Era muito difícil incluir meu nome social nas questões da escola e hoje em dia, depois desse projeto, está sendo muito mais fácil”, declarou Pérola.
Pesquisa aborda as desigualdades na escola
A pesquisa desenvolvida pelo Cendhec buscou entender os efeitos das desigualdades de gênero na vida escolar de meninas. Realizada com 438 estudantes do ensino fundamental II das redes de ensino municipal público do Recife, Camaragibe e Igarassu, o levantamento compõe uma das ações do projeto Na Trilha da Educação. Gênero e Políticas Públicas para Meninas e mostrou que 94% das estudantes ouvidas querem que o tema igualdade de gênero seja discutido nas escolas.
Racismo, assédio, lgbtqia+fobia, trabalho doméstico e falta de incentivo para a prática de atividades esportivas são alguns dos problemas apontados pelas adolescentes. a pesquisa foi dividida em dois métodos: quantitativo – por meio da aplicação de questionários; e qualitativo – através da formação de grupos focais. As adolescentes consultadas responderam ao questionário no método quantitativo; gestoras/es e professoras/es também foram ouvidos durante o estudo. Já no método qualitativo, um grupo de 71 meninas participou de rodas de discussão sobre desigualdade de gênero e educação, sendo 35 estudantes matriculadas no fundamental II e 36 jovens que estão fora da sala de aula, com até 21 anos. Mães de estudantes também foram entrevistadas.
Uma educação não sexista orienta-se pelo que dispõe a Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), de 18 de dezembro de 1979, a qual se coloca a favor das “mesmas condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias”. O documento propõe também a “eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis masculino e feminino em todos os níveis”.
Rebecca Andressa, de 14 anos, estudante da rede municipal do Recife, tem a resposta na ponta da língua quando o assunto é a educação que ela quer. “Uma escola que tenha igualdade para meninos e meninas é uma escola que apoia não só os meninos, mas também as meninas para que elas tenham sua voz ouvida. Tem muitas desigualdades na escola e precisamos de mais respeito, não só na escola como em qualquer lugar”.
“A pesquisa é uma ferramenta muito importante para conhecer os problemas que as meninas enfrentam nas escolas. A partir desses dados e informações, o poder público pode elaborar estratégias e políticas que garantam a equidade de gênero nas escolas”, diz Maíra Martins, representante de Fundo Malala no Brasil, que atua em 10 países: Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia. No mundo, são 81 ativistas, sendo 11 no Brasil – incluindo Paula Ferreira, do Cendhec -, que integram a Rede Malala para articular ações de incidência política a partir de territórios socialmente vulneráveis.
Principais dados
- Perfil das estudantes ouvidas: 45,9% das entrevistadas têm 12 anos, 78% das entrevistadas são negras e pardas, 41% são evangélicas e 19,9% são católicas (60% cristãs).
- Desigualdade de gênero: Das meninas entrevistadas em Igarassu, Recife e Camaragibe, 59,1% responderam não saber o que é desigualdade de gênero, ao mesmo tempo, 66% acham que meninas e meninos não têm os mesmos direitos na escola. Sete em cada dez afirmam que seus professores não discutem o tema, porém 94,1% apontam que debater direitos de meninas e meninos é necessário.
- Falta de incentivo afasta meninas das atividades esportivas: Aproximadamente 60% das estudantes acreditam que existe preconceito em relação às meninas praticarem esportes. Segundo elas, este preconceito é demonstrado pelos meninos, que foram citados em 91,5% das respostas. Um percentual de 26,5% das estudantes afirmaram se sentirem desconfortáveis com comentários sobre suas roupas.
- Assédio na escola: A pesquisa apresenta que 31,5% (sendo 7,1% muitas vezes + 24,4% algumas vezes) já se sentiu incomodada com atitudes/comentários de meninos. Dessas, 54,4% (sendo 11,9% muitas vezes + 42,5% algumas vezes) sentiu que havia maldade, segundas intenções. 53,8% não contou pra ninguém sobre essas atitudes.
- Racismo: Uma a cada 4 meninas sofre preconceito em ambiente escolar. De acordo com o levantamento, 26,9% das meninas entrevistadas dizem terem sido afetadas por algum tipo de prejulgamento/repúdio em suas instituições de ensino. Das vítimas, 38,1% atribui a ação ao racismo: 27,1% por ter cabelo crespo/enrolado; 11,0% por ser negra;
- Saúde mental, educação e pandemia: Quase metade das meninas em idade escolar se queixam de ansiedade. A pesquisa apresenta que a maioria (48,9%) das meninas entrevistadas se diz, na maior parte do tempo, ansiosa.
Ao todo, 68,3% das consultadas sentiram que a pandemia afetou sua saúde emocional, 65,9% disseram que a tristeza as abalou no período, outras 27,8% conviviam com o medo de perder alguém.
Sem aulas presenciais, o desenvolvimento delas também sofreu um duro golpe. Os números mostram que 55,5% das meninas relataram ter dificuldades para participar de aulas remotas, 43,2% destas atribuíram à dificuldade de acesso à internet. Ainda segundo o levantamento, 48,2% afirmam ter percebido prejuízos importantes em sua aprendizagem durante a crise sanitária.
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Fotos: Marlon Diego