Militarização da educação e a violência da PM de São Paulo

O aumento da letalidade policial desde o início do novo governo não é um acidente, é o efeito esperado de uma estratégia eleitoral em torno do nome de Tarcísio de Freitas.

Casos de violência e arbitrariedade policial em São Paulo vieram para o centro das conversas nos últimos dias. A indignação popular frente à brutalidade da ação da Polícia Militar levou o governo a recuar em seus posicionamentos – vale lembrar que diante das denúncias de abuso cometidos em operação policial na baixada santista, o governador Tarcísio de Freitas havia dito que “o pessoal pode ir à ONU, pode ir à Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”. Mais recentemente, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, classificou como “vitimismo barato” as lágrimas dos familiares do menino Ryan da Silva, de apenas quatro anos, morto durante uma ação policial, que foram intimidados durante seu velório.

A atenção aos “casos isolados”, que se acumulam dia após dia, é importante neste momento em que o Supremo Tribunal Federal pode confirmar a liberação da militarização das escolas no estado de São Paulo. A medida estava suspensa por uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi revogada pelo ministro Gilmar Mendes. Agora, a decisão está sendo submetida ao conjunto do STF. Isso permitirá que o governo estadual retome a implementação do programa de escolas cívico-militares, colocando policiais militares da reserva como ‘monitores’ nas unidades de ensino.

Mesmo sem a implementação do programa, a violência policial já chegou às salas de aula. Em setembro, a Força Tática reprimiu uma manifestação pacífica de estudantes da Escola Estadual Dr. Décio Ferraz Alvim, na zona leste de São Paulo, que protestavam contra o fechamento de salas da Educação de Jovens e Adultos. No mês passado, a PM usou spray de pimenta contra alunos da Escola Estadual Antônio Ablas Filho Dr., em Santos, que faziam uma ocupação contra o Novo Ensino Médio e por melhorias na escola.

Ou seja, o programa prevê levar para dentro do ambiente educacional uma corporação que acumula denúncias de violação de direitos, particularmente contra crianças e jovens negros, para que atue junto a essas mesmas crianças e jovens. Segundo a lei aprovada na Assembleia Legislativa (vale destacar, numa votação também marcada pela truculência policial), caberá à Secretaria de Segurança Pública ‘zelar para que os deveres dos monitores sejam cumpridos’ e ‘realizar apuração de responsabilidade em caso de eventual descumprimento dos deveres dos monitores’. Dado o histórico não apenas de leniência com a violência policial, mas também de assédio aos denunciantes, não é difícil imaginar que, na prática, os agentes terão carta branca para agir como quiserem.

Isso tudo já é extremamente grave e preocupante, mas são apenas as partes mais visíveis do problema. Mais do que uma coincidência entre violência policial e policiais nas escolas, o que estamos presenciando é o avanço de um projeto político que abocanha pedaços cada vez maiores de poder – e de orçamento público – para as forças de segurança, um projeto que visa ampliar a tutela da sociedade civil pelos militares, sejam das Forças Armadas, sejam das polícias estaduais. O aumento da letalidade policial desde o início do novo governo não é um acidente; é o efeito esperado de uma estratégia eleitoral em torno dos nomes de Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite, mas também um projeto de longo prazo de ampliação dos tentáculos das forças de segurança na política institucional. Um projeto, ressalte-se, autoritário e excludente, pautado no racismo e no machismo.

A militarização das escolas é mais um ‘agrado’ para os agentes, que, em São Paulo, poderão receber um adicional de R$ 6 mil mensais (acima do piso do magistério e pagos com recursos da Educação), além de suas aposentadorias, para atuarem nas escolas. Dessa forma, busca-se consolidar a lealdade militar às ambições políticas dos que estão no governo estadual. Poderia ser uma questão meramente corporativa, de favorecimento a uma categoria profissional em detrimento de outras, se não estivéssemos falando de uma categoria que anda armada. A militarização também mina as bases do aprendizado para a democracia e para a cidadania, disseminando a hierarquia e a submissão em lugar do pensamento crítico e do questionamento das injustiças.

O Brasil vive um momento sem precedentes, já que pela primeira vez vemos militares enfrentando a Justiça civil devido a seus atentados contra a democracia e contra os direitos humanos da população. O momento histórico exige conter e fazer retroceder a ofensiva da militarização sobre os territórios, sobre a política, sobre a vida e a educação é um terreno crucial nessa disputa. É necessário que o STF julgue o quanto antes as ações que apontam a inconstitucionalidade dos programas de escolas militarizadas, colocando mais um limite ao autoritarismo. A educação precisa ser protegida da violência militar, para que crianças, jovens e adultos possam vivê-la como um espaço radicalmente democrático.


Bárbara Lopes é coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa e integrante da coordenação da Articulação contra o Ultraconservadorismo