Carta da sociedade civil pela desmilitarização da educação e contra a violência estudantil em São Paulo
Entidades repudiam o Programa de Escola Cívico-Militar proposto pelo governador Tarcísio e condenam a violência policial contra estudantes na Alesp no dia 21 de maio, que impediu a participação da população no debate.
As organizações que atuam na defesa dos direitos humanos e pelo direito à educação de qualidade repudiam a aprovação do Projeto de Lei Complementar n.º 9/2024, que institui o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo, e o uso da violência policial contra estudantes dentro da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), impedindo o diálogo e a participação de todos os setores no debate sobre esse projeto.
No dia 21 de maio, na Alesp, durante a 22ª Sessão Extraordinária, profissionais da educação, movimentos sociais e a sociedade civil testemunharam a truculência contra estudantes que se manifestaram contra o projeto de militarização de escolas no estado. Vale ressaltar que a violência policial tem sido a principal marca do governo de Tarcísio de Freitas, que levou a um aumento de 138% da letalidade policial no primeiro trimestre de 2024, atingindo 179 casos. Parte desse aumento se deve às operações policiais Escudo e Verão, na Baixada Santista, nas quais há diversas denúncias de tortura e execução sumária.
As mobilizações contra as iniciativas de militarização da educação não são recentes. Ainda no período de transição do governo Lula, a sociedade civil reivindicou a urgência da revogação do decreto nº 10.004, de 05 de setembro de 2019, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). A militarização foi uma das raras agendas do governo Bolsonaro para a área da educação, vendida falaciosamente como solução para os principais problemas da educação nacional. Por meio de um ofício, em julho de 2023 o Ministério da Educação (MEC) encerrou o PECIM e, em nota técnica, afirmou: “Alocar militares das Forças Armadas para atividades de apoio, assessoramento ou suporte à gestão escolar, à gestão didático-pedagógica ou à mediação das questões de indisciplina na escola é um flagrante desvio de sua finalidade enquanto estrutura de Estado.”
PLJá existe um consenso entre as entidades que atuam com pesquisas sobre políticas educacionais no Brasil sobre a militarização das escolas. Além de violar garantias constitucionais e direitos de crianças, adolescentes, jovens e de profissionais da educação, a militarização tem causado um grande impacto orçamentário pelo seu alto custo, prejudicando e desvalorizando a escola pública. No caso do projeto paulista, estão previstos pagamentos adicionais de R$ 284,62 para cada jornada de oito horas, o que significa um total de cerca de R$ 5.700 mensais em caso de jornadas semanais de 40 horas. No caso de policiais militares coordenadores ou oficiais, esse valor será majorado em até 50%. Para professores da educação básica, o salário inicial para a jornada de 40 horas é de R$ 4.505.
As organizações que atuam pelo direito à educação de qualidade repudiam a aprovação do Projeto de Lei Complementar n.º 9/2024 e a forma como o processo foi concretizado: a partir da violência policial contra estudantes dentro da Alesp, espaço que deveria acolher a manifestação e as demandas da população, e, desta forma, impedindo a participação das escolas nas discussões.
Há muitas razões para combater o projeto de militarização das escolas de São Paulo:
- Por sua natureza disciplinar voltada para a promoção da obediência à hierarquia ancorada em bases militares, a militarização fere princípios constitucionais do ensino, como a liberdade de aprender e ensinar, o pluralismo de ideias, a valorização de profissionais da educação e a gestão democrática (Constituição Federal, art. 206, incisos II, III, V e VI); fere o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 15, 16 e 18-A); e o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude (Estatuto da Juventude, art. 2º, inciso VI), entre outras normativas.
- Os programas de militarização, em todos os entes federativos, não estão amparados em nenhuma das diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação inscritas na Lei n. 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação), sendo incompatíveis com o preceito constitucional do art. 214 da Constituição, que atribui ao PNE a articulação do sistema nacional de educação.
- Policiais militares não são educadores, não estão no rol de profissionais autorizados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 61) a atuar na gestão das escolas ou em qualquer outra função típica dos trabalhadores da educação. A contratação de policiais gera disparidades significativas entre os salários de profissionais da educação, dado que oficiais em escolas recebem um salário consideravelmente maior do que professores e outros profissionais. Escolas militarizadas também violam liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos profissionais da educação, aumentando o fenômeno de autocensura e censura de professores.
- As escolas militarizadas não são mais seguras, ampliam violações de direitos e violências; há diversas denúncias de situações de assédios moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares.
- O modelo militarizado não contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes, seu preparo para o exercício da cidadania e para a promoção de sua autonomia e emancipação. Ao contrário, a hierarquia rígida e a disciplina inflexível que permeiam esse modelo promovem o silenciamento, a submissão e a obediência acrítica às regras impostas e à autoridade. A padronização dos comportamentos e das aparências também atua num processo de supressão da individualidade em favor de uma homogeneização.
- Os programas de militarização ampliam as desigualdades educacionais, introduzindo desigualdades no financiamento internas às redes de educação e mecanismos de exclusão de estudantes em maior vulnerabilidade socioeconômica (inclusive pela cobrança de taxas em algumas das unidades militarizadas e exigências de uniformes próprios das forças militares), com deficiência, com distorção idade-série, dificuldades de aprendizagem e de se adequarem às normas e padrões, além de adolescentes e jovens trabalhadores. Nesse sentido, não é possível afirmar que escolas militarizadas melhorem o desempenho dos estudantes.
- Escolas militarizadas reforçam os estereótipos em relação aos papéis masculinos e femininos na sociedade, que limitam a liberdade dos indivíduos, coíbem a expressão da diversidade de gênero e sexualidade e a demonstração de afetos, principalmente de jovens LGBTQIA+. Elas também reproduzem o racismo estrutural e institucional, impõem padrões estéticos baseados na branquitude e violam a liberdade de crença.
Com a certeza de que a desmilitarização da educação é etapa fundamental para aprimorar o processo democrático brasileiro, reafirmamos a necessidade urgente de revogar o Projeto de Lei Complementar n.º 9/2024 do estado de São Paulo e seu arcabouço legal, bem como o desenvolvimento da agenda proposta.
Assinam esta carta:
AÇÃO EDUCATIVA | |
ACTIONAID | |
AMANKAY INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS | |
ANDI COMUNICAÇÃO E DIREITOS | ANDI |
ASHOKA BRASIL | |
ASSOCIAÇÃO “BRIGADA DA EDUCAÇÃO, CULTURA, ASSISTÊNCIA SOCIAL, MORADIA POPULAR, DIREITOS HUMANOS E SAÚDE PELA VIDA” | Brigada pela Vida |
ASSOCIAÇÃO ALTERNATIVA TERRAZUL | |
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS | Abong |
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS AUTORES DE LIVROS EDUCATIVOS | ABRALE |
ASSOCIAÇÃO CASA DOS MENINOS | |
ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ | |
ASSOCIAÇÃO CIVIL SOCIEDADE ALTERNATIVA | ACSA |
ASSOCIAÇÃO DE LEITURA DO BRASIL | ALB |
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES JARDIM CASA BRANCA E ADJACÊNCIAS | AMJCBA |
ASSOCIAÇÃO ESPAÇO CULTURAL CACHOEIRAS | |
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO | ANDIPE |
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS PELOS DIREITOS HUMANOS DE LGBTI | ANAJUDH LGBTI |
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO | FINEDUCA |
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO | ANPEd |
ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DOS SOCIÓLOGOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO | APSERJ |
CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO | |
CENTRO DA MULHER IMIGRANTE E REFUGIADA | CEMIR |
CENTRO DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO CEARÁ | CEDECA Ceará |
CENTRO DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ERMÍNIA CIRCOSTA | CEDECA ERMINIA CIRCOSTA |
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DA BAIXADA SANTISTA IRMÃ MARIA DOLORES | CDHBS IMD |
CENTRO DE INOVAÇÃO PARA A EXCELÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | CIEPP |
CENTRO DOM HELDER CÂMARA DE ESTUDOS E AÇÃO SOCIAL | CENDHEC |
CENTRO ECUMÊNICO DE CULTURA NEGRA | CECUNE |
COALIZÃO T – COMUNICAÇÃO AMPLIADA | COALIZÃO T |
COLETIVO CARTOGRAFIA NEGRA | |
COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANTIRRACISTA MARIA VAI COM AS OUTRAS | |
COLETIVO IRMÃ HELENA BRIOCHI | Coletivo |
COLETIVO LESTE NEGRA | |
COLETIVO PAULO FREIRE | CPF RN |
COLETIVO REDE DE MÃES DA ESCOLA PÚBLICA POR DIREITOS | Coletivo REMA |
COMUNIDADE REINVENTANDO A EDUCAÇÃO | CORE |
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO | CNTE |
CONFERÊNCIA NACIONAL DE ALTERNATIVAS PARA UMA OUTRA EDUCAÇÃO | CONANE |
CONSELHO.NACIONAL DO LAICATO DO BRASIL | CNLB |
COOPERATIVA HABITACIONAL CENTRAL DO BRASIL | COOHABRAS |
CRIOLA | CRIOLA |
DIREITOS JÁ | |
ESCOLA DA CIDADANIA JOSÉ DE SOUZA CÂNDIDO | ECJSC |
ESCOLA DE FÉ E POLÍTICA WALDEMAR ROSSI | EFPWR |
FÓRUM DAS PASTORAIS SOCIAIS DA REGIÃO EPISCOPAL 1 DA DIOCESE DE CAMPO LIMPO | |
FÓRUM DE EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA UMA CIDADE EDUCADORA | FEICE |
FÓRUM DE SAÚDE DE CAMPO LIMPO | |
FÓRUM IGREJAS E SOCIEDADE EM AÇÃO- ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA | |
FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO | FONAPER |
FRENTE AMBIENTALISTA DA BAIXADA SANTISTA | FABS |
GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA | GELEDÉS |
GIRL UP BRASIL | |
GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO | GADvS |
GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO | GEPEC FACED UFBA |
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA EM DIDÁTICA E SUAS MULTIDIMENSÕES | GEPDiM/UFSC |
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO MORAL | GEPEM |
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM PEDAGOGIA, TRABALHO EDUCATIVO E SOCIEDADE (UFPB) | GEPPTES-UFPB |
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM POLÍTICA EDUCACIONAL | GREPPE |
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL | HISTEDBR |
GRUPO DE PESQUISA AVALIAÇÃO E RELAÇÕES ESCOLARES | Ares |
GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE (GPEPS-BTV/IFSP) | GPEPS |
GRUPO DE PESQUISA ORGANIZAÇÕES E DEMOCRACIA DA UNESP | GPOD-UNESP |
INICIATIVA DE OLHO NOS PLANOS | |
INSTITUTO ALANA | |
INSTITUTO ASTROJILDO PEREIRA | IAP |
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL – DEPARTAMENTO SÃO PAULO | IAB SP |
INSTITUTO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS | ICDH |
INSTITUTO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DAS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL | IDDHVI |
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E VALORIZAÇÃO HUMANA | IDVH |
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS PAULO FREIRE | |
INSTITUTO PADRE TICÃO | IPeT |
INSTITUTO PAUL SINGER | IPS |
INSTITUTO SONHO DE ICARO | ISI |
INSTITUTO VALE DO SOL | ITV |
INSTITUTO VERA CRUZ | IVC |
IYÁLORIṢÀ FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA | FONSANPOTMA |
LABORATÓRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ENSINO E DIFERENÇA – | LEPED – UNICAMP |
LABORATÓRIO DE TECNOIOGIA E TRANSFORMAÇOES SOCIAIS | LABTTS |
LUTA POPULAR | |
MOVIMENTO EVANGÉLICO PROGRESSISTA | MEP |
MUDE! COLETIVO DE PROFESSORES DO ESTADO DE SÃO PAULO | MUDE! |
NÚCLEO DE BASE CAMINHADA DEMOCRÁTICA PT PERUÍBE | CDPT |
NÚCLEO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA LGBT DA UFMG | Nuh/UFMG |
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM DIVERSIDADE SEXUAL | NUDISEX |
NÚCLEO DE PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO SÓCIO MORAL | NPDSM |
OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA POLICIAL E DIREITOS HUMANOS | OVP-DH |
OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO BÁSICA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA | ObsEB/FE/UnB |
OBSERVATÓRIO NACIONAL DA VIOLÊNCIA CONTRA EDUCADORAS/ES | ONVE-UFF |
PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO CARMO EM ITAQUERA | |
PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL | |
PASTORAL DA EDUCAÇÃO – PARÓQUIA SÃO JOSÉ DE ANCHIETA – BARUERI | |
PASTORAL DA SAÚDE ARQUIDIOCESANA | |
PASTORAL DO POVO DA RUA | PPR |
PASTORAL FÉ E POLÍTICA DA DIOCESE DE CAMPO LIMPO | |
PASTORAL FÉ E POLÍTICA DA REGIÃO EPISCOPAL BELÉM | PFP REB |
PASTORAL FÉ E POLÍTICA DO REGIONAL SUL 1 DA CNBB | PFP RS1 |
POÉTICA LINGUAGEM & DESENVOLVIMENTO | PLD |
PROFESSORES CONTRA O ESCOLA SEM PARTIDO | PCESP |
REDE DE ESCOLAS DE CIDADANIA DE SÃO PAULO | REC/SP |
REDE DE PESQUISAS: PSICANÁLISE E CONTEMPORANEIDADE FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS- UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS | REPSIC /FCM /UNICAMP |
REDE FALE | |
REDE LIBERDADE | |
REDE NACIONAL DE PESQUISA EM PEDAGOGIA | RePPED |
RODA EDUCATIVA | |
SINDICATO DOS TRABALHADORES DA UNICAMP | STU |
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA | UEFS |