Mas só tem curso de menino? Promovendo reflexões de gênero em aulas de inglês
Estado: Santa Catarina (SC)
Etapa de Ensino: Ensino Médio
Modalidade: Educação Profissional Tecnológica
Disciplina: Inglês
Formato: Presencial
Leonardo é professor da área de Inglês no Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atuou por sete anos como professor de inglês no ensino básico, técnico e tecnológico junto ao Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Como pesquisador e docente, é interessado por perspectivas críticas de ensino de línguas adicionais. Busca desenvolver e pesquisar práticas pedagógicas que tenham como foco a promoção da justiça social.
Sobre a experiência
Foi realizada uma pesquisa-ação no contexto da disciplina de Língua Inglesa em um curso técnico de Mecânica integrado ao Ensino Médio. A partir do levantamento das necessidades dos alunos, foram desenvolvidas atividades voltadas ao ensino da língua inglesa, com o objetivo de promover a reflexão (e a ação) sobre questões de gênero, tanto no mundo do trabalho—especialmente na área da mecânica—quanto no contexto escolar de uma instituição de ensino básico, técnico e tecnológico.
Os alunos analisaram estereótipos de gênero no ambiente profissional e na mídia e conduziram uma pesquisa para levantar dados sobre gênero no contexto em que estão inseridos. Divididos em grupos, buscaram identificar aspectos como diferenças salariais entre homens e mulheres que atuam na área, além do número de alunos e alunas matriculados no curso técnico integrado em Mecânica.
As atividades, todas concebidas em língua inglesa, possibilitaram tanto o desenvolvimento linguístico e do pensamento crítico dos estudantes.
Pessoas envolvidas
A proposta envolveu estudantes do curso técnico em Mecânica integrado ao Ensino Médio e o professor-pesquisador, autor desta proposta.
Relato da experiência
Partindo do princípio de que o ensino e a aprendizagem de uma língua adicional devem promover o desenvolvimento de cidadãos capazes não apenas de compreender o contexto em que estão inseridos, mas também de agir sobre ele, realizou-se uma pesquisa-ação no âmbito das disciplinas de Língua Inglesa em um curso técnico de Mecânica integrado ao Ensino Médio.
Com base em um levantamento das necessidades dos alunos, foram desenvolvidas atividades voltadas ao ensino da língua inglesa, com o objetivo de estimular a reflexão (e a ação) sobre questões de gênero, tanto no mundo do trabalho—especialmente na área da mecânica—quanto no contexto escolar de uma instituição de ensino básico, técnico e tecnológico. Os alunos analisaram estereótipos de gênero no ambiente profissional e na mídia, além de conduzirem uma pesquisa para levantar dados sobre gênero no contexto em que estão inseridos.
Depois de compreender e produzir diferentes gêneros textuais abordando a temática de gênero (por exemplo, notícias, vídeos institucionais, entrevistas, capas de revista, etc), os alunos puderam também refletir sobre os seus hábitos midiáticos e sobre como diferentes profissões são comumente representadas.
Com base no princípio freireano do diálogo crítico, os estudantes puderam perceber como determinadas representações são reproduzidas no dia a dia e refletir sobre seus impactos reais no mercado de trabalho. Ao ouvir diferentes colegas e partir de suas próprias realidades, os alunos notaram que a área da mecânica é frequentemente associada ao masculino. Muitas alunas relataram, por exemplo, que são constantemente questionadas sobre o motivo de cursarem o Ensino Médio integrado à Mecânica, já que, no senso comum, esse não seria um curso para meninas. Além disso, também problematizaram a falta de representatividade de pessoas negras na área.
Paralelamente a essas reflexões, os alunos desenvolveram suas habilidades linguísticas em língua inglesa, uma vez que precisaram compreender diferentes textos—praticando, assim, as habilidades de leitura e escuta—e utilizar os conteúdos trabalhados para produzir materiais, como entrevistas em inglês com colegas para identificar seus hábitos midiáticos.
Ao fim do ciclo de atividades, os alunos foram incentivados a conduzir uma pesquisa para analisar questões de gênero tanto na profissão de técnico em Mecânica quanto na instituição de ensino. Divididos em grupos, eles investigaram temas como diferenças salariais entre homens e mulheres na área, número de alunos e alunas matriculados no curso técnico integrado em Mecânica e a proporção de professores e professoras atuando na área técnica, entre outros. Todos os temas—relacionados à questão de gênero—foram definidos pelos próprios alunos.
Depois que os dados foram coletados, os alunos produziram infográficos e discutiram as causas e implicações de tais números. Para compartilhar as reflexões acerca da temática com a comunidade escolar, as produções foram expostas por toda a escola. Em termos linguísticos, os estudantes estudaram não somente as características e funções do gênero textual infográfico, como também praticaram o uso do comparativo em língua inglesa.
As atividades, todas concebidas em língua inglesa, possibilitam o desenvolvimento linguístico e, ao mesmo tempo, crítico do alunado. Já algumas discussões/reflexões mais aprofundadas em sala de aula aconteceram em língua portuguesa, a partir de uma pedagogia culturalmente sensível que valoriza os conhecimentos trazidos pelos alunos bem como compreende possíveis limitações de seu nível linguístico.
Durante todo o processo, buscou-se ouvir os alunos e compreender suas visões acerca da temática e sobre a condução das aulas. Isso fez com que a turma, que se mostrou reticentes com a proposta de início, relatasse ao final terem vivenciado uma atividade diferente, em que o conhecimento foi construído de forma colaborativa com os colegas por meio da discussão, do diálogo e do pensamento crítico.
Estratégias adotadas
A sequência de atividades foi planejada e concebida a partir dos princípios da pedagogia crítica freireana, o que implicou em um levantamento das necessidades dos estudantes de início. Assim, o conhecimento acerca da realidade dos alunos (tanto o contexto micro de suas comunidades como o contexto sociopolítico macro) possibilitou a própria definição dos temas a serem abordados. Além de partir da realidade dos alunos, buscou-se selecionar diferentes gêneros textuais em inglês (vídeos, notícias, capas de revista, etc), possibilitando uma prática contextualizada e real da língua.
Cada atividade foi pensada de forma a preparar o aluno para o que viria na sequência, de forma a guiá-los no processo de aprendizagem linguística e de reflexão crítica (de forma que as atividades não fossem nem muito difíceis e nem simples demais). Durante a implementação das atividades, buscou-se construir uma comunidade de aprendizagem, de forma que os alunos pudessem se sentir seguros tanto para usar o inglês como para trazer suas opiniões.
Assim, foi importante ouvir as visões de mundo dos alunos e compreendê-las para então definir estratégias sobre como complexificá-las ou expandi-las. Isso aconteceu de forma horizontal por meio do diálogo crítico com os colegas e com o professor.
Dificuldades encontradas
A principal dificuldade encontrada durante a implementação das atividades foi relacionada à resistência acerca do trabalho com questões de gênero no ambiente escolar. Em um contexto em que projetos de lei são propostos buscando coibir ou mesmo proibir a discussão sobre desigualdade de gênero, muitos alunos demonstraram certo receio, afirmando não se tratar conteúdo para a aula de língua inglesa. No entanto, como todo o processo foi construído de forma dialógica (ouvindo os alunos, valorizando seus conhecimentos ou mesmo buscando entender que suas visões de mundo estavam relacionadas às suas experiências de vida), aos poucos eles se sentiram mais confortáveis para trazer suas opiniões.
Como professor, assumi a posição de mediador e percebi, por
exemplo, que era pouco efetivo simplesmente apontar visões errôneas dos alunos. As diferentes experiências dos alunos contribuíram para o desenvolvimento do diálogo crítico, em que argumentos foram contrastados e construídos colaborativamente, sempre objetivando a justiça social. Assim, os próprios alunos destacaram ao final do processo que se sentiram ouvidos, valorizados e que puderam refletir sobre questões sociais importantes e pertinentes à sua área de estudo.
Principais aprendizagens
Os alunos envolvidos nesta experiência puderam compreender a dinâmica de gênero no contexto escolar e na área da mecânica, aprendendo a usar a língua inglesa de forma a refletir e agir em relação à sua realidade.
A tomada de consciência acerca da desigualdade de gênero parece ter servido não somente para empoderar as alunas estudantes de mecânica, mas também para desenvolver a criticidade de todos os alunos que poderão, por sua vez, evitar a reprodução de estereótipos de gênero na escola e no trabalho. Como professor, a experiência me possibilitou aprender mais sobre como trabalhar de forma crítica, valorizando o conhecimento dos alunos e partindo de suas realidades.
Durante o processo, os alunos estabeleceram paralelos com questões de raça, classe, sexualidade, etc. Aprendi, por exemplo, que em uma perspectiva crítica de ensino é preciso compreender a realidade e as visões dos alunos para então mediar a reflexão na esperança de construir novos entendimentos e visões de mundo comprometidas com a justiça social. Isso só pode ser efetivado através de uma pedagogia culturalmente sensível, em que o aluno possa verbalizar suas visões, refletindo de forma honesta e ética juntamente com os colegas.
Referências bibliográficas
Crookes, G.V. Critical ELT in Action: Foundations, Promises, Praxis; Routledge: New York, NY, USA, 2013.
Freire, P. Pedagogy of the Oppressed; Continuum: New York, NY, USA, 1970.
Silva, L. Teaching English for Critical Language Development: Investigating the Implementation of Critical Cycle of Tasks in the Context of Basic and Technological Education. Ph.D. Dissertation, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
Brazil, 2018.