Oficinas de autonomia leitora e relações étnico-raciais da Pedagopreta
Estado: Rio Grande do Norte (RN)
Etapa de Ensino: Ensino Fundamental I
Modalidade: Educação Regular
Disciplina: História, Língua Portuguesa
Formato: Presencial
Potiguar nascida em Natal-RN, Mãe, mulher negra e artista. Pedagoga formada pela UFRN, tem proximidade com a cultura popular de matriz africana. Especialista em História e Cultura Afro Brasileira e mestranda em Ensino e Formação Docente (UNILAB/ IFCE), desenvolve o conceito Pedagopreta, que parte das escrevivências de mulheres-negras-educadoras para o protagonismos de elaborações pedagógicas e teórico-metodológicas centrada na valorização e respeito a ascendência africana.
A experiência
Esta escrita compartilha a experiência realizada com crianças de 5 a 12 anos da comunidade do Alto do Monte Belo, periferia da Zona Sul de Natal–RN, a partir da Oficina de Autonomia Leitora e Relações Étnico Raciais proposta pelo Projeto Cores no Beco, realizado pelo Quilombo Flor de Milho, instituição de pesquisa, produção e fomento da arte, cultura e afroempreendedorismo potiguar. A proposta da Oficina dentro do projeto foi realizada pela professora Marília Farias, que atende pelo nome artístico de Iyalê.
A Oficina de Autonomia Leitora e Relações Étnico-Raciais para crianças tem como proposta colaborar com o desenvolvimento da leitura e da escrita autônoma de crianças em processo de alfabetização e letramento, a partir de vivências e saberes presentes em nossa cultura popular, literatura infantil e referenciais afrocentrados que privilegiam o protagonismo e narrativas negras.
Pessoas envolvidas
As oficinas fizeram parte do projeto Cores no Beco, idealizado pelo Flor de Milho Quilombo de Artes, que por meio de leis de incentivo no estado do RN atingiu cerca de 40 famílias. O trabalho foi realizado de forma presencial, sob a coordenação da professora Marília Negra Flor, onde uma parte dos encontros foi realizada na sede do Quilombo Flor de Milho e outra parte se desenvolveu no Sebo Potiguar em parceria com o projeto.
Relato de experiência
A proposta da Oficina foi realizada pela professora Marília Negra Flor, a partir do conceito de “pedagopreta”, desenvolvido pela própria professora, que traz as trajetórias de mulheres-negras-educadoras, bem como os saberes, estratégias e epistemologias desenvolvidas por elas, para a centralidade das discussões sobre educação e relações étnico-raciais e elaborações teórico-metodológicas em ensino e aprendizagem.
As Oficinas de Autonomia Leitora e Relações Étnico-Raciais aconteceram de 23/03/2022 a 16/05/2022 e foram destinadas a crianças de 05 a 12 anos que estivessem em processo de alfabetização, matriculados na escola regular. O projeto acontecia no contra turno e oferecia oficinas de autonomia leitora, ao passo que desenvolvia uma educação para as relações étnico-raciais com essas crianças. As oficinas fizeram parte do projeto Cores no Beco, idealizado pelo Flor de Milho Quilombo de Artes, que por meio de leis de incentivo no estado do RN coloriu a vida de cerca de 40 famílias, com ações educativas e intervenções artísticas nas fachadas de suas residências.
Durante o período de 2 meses, os 8 encontros tinham duas horas de duração e iam das 15h às 17h, tendo um intervalo de 15 minutos para o lanche das crianças.
A iniciativa teve como proposta colaborar com o desenvolvimento da leitura e da escrita autônoma de crianças em processo de alfabetização e letramento, a partir de vivências e saberes presentes em nossa cultura popular, literatura infantil e referenciais afrocentrados que privilegiam o protagonismo e narrativas negras. A partir dessa experiência pretendemos colaborar com a construção de um repertório literário vasto e diversificado, contribuindo com o processo de construção e afirmação da identidade negra e intermediando as relações étnico-raciais que se estabelecem na infância.
A proposta visa combater o racismo e a intolerância religiosa, a partir de uma perspectiva afrocentrada e de referenciais positivos de negritude, utilizando os saberes ancestrais e valores culturais africanos como ferramentas emancipatórias e descolonizadoras, favorecendo a construção de uma infância livre, que respeita a diversidade e é parceira na mudança social, bem como a implementação da Lei 10.639/2003.
Considero que a experiência no projeto foi riquíssima para fortalecer a autonomia leitora e o desenrolar da escrita dos participantes, além disso, foi notório perceber o quanto avançamos nas discussões e reflexões a respeito da história e cultura africana e nas relações que se estabelecem entre os alunos, a comunidade e as pessoas que fazem parte do Quilombo. Foram momentos riquíssimos de muito aprendizado tanto por parte dos alunos, como pela equipe pedagógica que acompanhou os encontros.
Cumprimos com a nossa função nesses dois meses de oficina; conseguimos dar bons avanços na construção identitária das crianças, no combate ao racismo e, em especial, na quebra de paradigmas civilizatórios e de preconceitos; estimulamos o desenvolvimento da escrita, valorizando a produção e a oralidade, despertamos o desejo pela leitura a partir das vivências com a literatura infantil e proporcionamos o diálogo com linguagens artísticas e saberes afrocentrados. Foi uma riquíssima experiência que marcou a minha trajetória como educadora. Poder colocar em prática uma educação afrocentrada renovou o meu esperançar pedagógico e fortaleceu o meu propósito ancestral.
Estratégias adotadas
A experiência foi pensada de forma de valorizar a cultura e saberes africanos e afro brasileiros, trazendo o protagonismo negro e referenciais positivos acerca do continente e ancestralidade africana, valorizando a afetividade, a empatia, e as subjetividades envolvidas. Foi interessante perceber o quanto as crianças estavam desejosas de brincar, falar, compartilhar experiências e se expressar corporalmente. Então, percebendo isso, investi na musicalidade, ludicidade e oralidade para despertar o interesse pela escrita e leitura. Dentro do meu trabalho como pedagopreta, utilizo o pandeiro como mediador didático e metodológico. “Zé de Panda”, como o chamo e apresento, foi um elemento chave para receber as crianças e deixá-las à vontade para os encontros. Fazia o Coco de Roda com a música “Quem é que veio hoje?” onde cada um dizia seu nome em roda, que era repetido pelos demais. Além de instrumento de musicalização, o pandeiro era também um instrumento que promoveu a socialização e descontração, quebrando com aquela visão inicial de “aula de reforço” que eles tinham do que seriam os encontros. O interesse das crianças pelo instrumento demonstrava o quanto elas se sentiam contempladas e felizes com a brincadeira que possibilitou seu protagonismo.
Dificuldades encontradas
Pude perceber a fragilidade do letramento das crianças, identificando o quanto os dois anos de pandemia tinham dificultado o desenvolvimento leitor delas. A maioria das crianças, mesmo aquelas mais velhas, não apresentava segurança nem uma boa autoestima leitora. Além disso, foi possível identificar o quanto o assunto sobre ancestralidade africana não fazia parte do cotidiano delas e, durante os encontros, muitas reflexões foram feitas a respeito de temas importantes como: africanidades, racismo, escola, identidade racial, memórias ancestrais, etc. Então, fomos criando um sistema de cooperação, no qual as crianças iam ajudando umas às outras de acordo com seus níveis de aprendizagem, favorecendo a aprendizagem no coletivo e honrando com os princípios e cosmovisão africana de construção comunitária. Além disso, utilizamos da oralidade como ferramenta fundamental para a aquisição da leitura e da escrita por meio de brincadeiras e jogos de improviso. Algumas crianças que inicialmente estavam tímidas logo se encorajaram a participar ao perceber que, ali, mais velhos e mais novos estavam se relacionando sem uma concepção de hierarquia comportamental, o que favoreceu o fluir das atividades.
Principais aprendizagens
Compreendo que a proposta inicial da oficina foi atingida, pois conseguimos fazer um diagnóstico de como as crianças daquela comunidade estão em relação ao desenvolvimento da leitura e da escrita. Observamos que muitas crianças estavam prejudicadas nesse processo, em especial em decorrência da pandemia que fragilizou o acompanhamento da escola e o desenvolvimento dos alunos nos últimos anos. Além disso, boa parte das crianças não estava estudando, pois as escolas municipais em Natal estavam em greve. Para um melhor aproveitamento da proposta, tenho certeza de que ela alcançaria melhores resultados se tivesse continuidade, para um trabalho mais próximo e que acompanhasse essas crianças, possibilitando uma intervenção mais expressiva nesse processo de alfabetização.
Foi possível contribuir no processo de construção e afirmação identitária das crianças e no combate ao racismo e em especial na quebra de paradigmas civilizatórios e de preconceitos, bem como foi possível constatar a possibilidade de construir outros espaços educativos, além da escola, que possam contribuir para a implementação da Lei 10.639/2003, bem como formar cidadão conscientes das contribuições de povos africanos e indígenas na construção da nossa sociedade.
Referências bibliográficas
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