Os Estudos de Gêneros e de Sexualidades no combate ao racismo e a intolerância
Estado: Pernambuco (PE)
Etapa de Ensino: Ensino Médio
Modalidade: Educação Regular
Disciplina: Sociologia
Formato: Remoto
Hilson Olegario é Babá Assogbá do Terreiro Axé Talabí em Paulista-PE; Mestre em Ensino de filosofia e bacharel licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco. Autor do livro: Desterritorialização do ensino de filosofia: uma experiência rizomática no primeiro ano do Ensino Médio. Atualmente está como professor de filosofia na Escola Referência em Ensino Médio Professor Agamenon Magalhães em São Lourenço-PE, onde é o Coordenador do Núcleo de Cultura de Paz; Mestre da Cultura Popular e Co-fundador do Coletivo Artístico Ecopedagógico Boi da Mata, na cidade de Recife-PE. Criador do Grupo de Estudos de Gêneros e Sexualidades da Escola Professor Nelson Chaves em Camaragibe-PE.
RELATO DA EXPERIÊNCIA
Para combater a LGBTQIA+fobia e a intolerância religiosa na comunidade local, estabelecemos um Grupo de Estudos de Gêneros e Sexualidades na Escola Professor Nelson Chaves. Esse grupo organizou encontros com parlamentares, líderes religiosos, representantes de povos indígenas e de povos de terreiro para discutir a importância política dos estudos de gêneros e sexualidades nas escolas. Além disso, desenvolvemos um projeto que aborda o uso de plantas com base na cosmovisão das culturas afro-indígenas e na sabedoria popular, com destaque para a Semana do Meio Ambiente.
Essas iniciativas surgiram durante o retorno às aulas presenciais em 2021, após uma parlamentar do Estado de Pernambuco e sua equipe visitarem a escola sem o uso de máscaras, causando tumulto e acusando a comunidade escolar de promover a ideologia de gênero. Também recebemos denúncias anônimas que alegavam a presença de ‘macumbas’ nas plantas do pátio da escola, entre outras acusações, no mesmo período.
A ação envolveu professores, coordenadores, estudantes, pessoal da portaria, da cozinha e dos serviços gerais integrantes da comunidade escolar, além de uma co-deputada, um pastor evangélico, e representantes de povos indígenas e de povos de terreiro.
Em março de 2021, iniciei meu contrato como professor no Estado de Pernambuco, durante a pandemia da COVID-19. Com o retorno das aulas presenciais, a gestão da Escola Professor Nelson Chaves decidiu colocar uma placa na entrada do pátio com a mensagem “bem-vindes”, visando acolher a comunidade estudantil.
Essa iniciativa gerou reflexões significativas e desafios. Trabalhei incansavelmente para alinhar os conteúdos, habilidades e objetivos curriculares com a realidade local dos estudantes, priorizando a formação cidadã e a defesa dos Direitos Humanos, indo além das notas.
No entanto, enfrentamos uma situação controversa quando uma Deputada Estadual evangélica fundamentalista, sem respeitar os protocolos de segurança da época, visitou a escola com sua equipe e fez vídeos para o Instagram. Ela acusou a escola de promover a ideologia de gênero, o que causou confusão interna e expôs os estudantes da comunidade LGBTQIA+. Essa situação gerou repercussões nas redes sociais.
Além disso, a escola atende a uma comunidade majoritariamente evangélica neopentecostal, o que trouxe desafios relacionados à intolerância em relação às práticas culturais ou religiosas de origem nas matrizes afro-indígenas dentro do espaço escolar. Nesse período, também recebemos denúncias anônimas, alegando que a gestão da escola estava realizando “macumbas” nos vasos de plantas do pátio, entre outras acusações infundadas. Todas essas denúncias não tiveram fundamento e geraram apenas custos e desgastes dos recursos públicos, sejam eles pessoais ou financeiros.
Diante desses acontecimentos, utilizamos as disciplinas para promover a reflexão crítica sobre a realidade local, baseada em leis como a LDB/1996, BNCC/2018 e na Lei 10.639/2003. Procuramos desenvolver estratégias formativas para abordar essas questões de maneira esclarecedora e afirmativa, promovendo o respeito às diferenças e o reconhecimento dos Direitos Humanos.
Para aproximar e sensibilizar os estudantes em relação ao respeito às diferenças presentes em diversas tradições, seus conhecimentos, práticas e histórias nas diversas comunidades, implementamos duas ações específicas:
A primeira foi a criação do Grupo de Estudos de Gêneros e Sexualidades da Escola Nelson Chaves. Inicialmente, realizamos encontros virtuais de escuta e mapeamento da violência com os estudantes. Posteriormente, com o retorno das aulas presenciais, promovemos reuniões semanais e dois encontros com lideranças políticas, religiosas, de povos indígenas e de povos de terreiro para dialogar sobre perspectivas mais acolhedoras em relação às questões de gênero e ao combate ao racismo. Participaram dessas mesas a co-deputada Carol Vergolino (PSOL), o pastor anglicano Martoreli Dantas e a arte-educadora indígena Joice Guarany, com mediação do professor Hilson Olegario, que ocupa o cargo de Babá Assogbá no terreiro Nagô Axé Talabí.
A segunda ação foi a execução do projeto “FAYOGBÁ EWÉ: recebemos as folhas com alegria”, com foco principal na abordagem das questões ambientais, valorizando a tradição popular como guardiã dos saberes afro-indígenas. Exploramos o conhecimento das folhas, cascas e raízes que foram parte dos cuidados com a saúde de muitas gerações, presentes nos quintais, hortas e jardins das famílias. Essas plantas foram trabalhadas como alternativas de valorização desse conhecimento, com uma relação especial de respeito e cuidado com a natureza. Abordamos três tipos de plantas: a colônia, a terramicina e o boldo do Chile, dentro do contexto dos saberes ancestrais.
ESTRATÉGIAS ADOTADAS
Na época, atuando como professor de Filosofia e Sociologia na Escola Professor Nelson Chaves e como membro do Núcleo de Cultura de Paz, fomos impulsionados a fundar o Grupo de Estudos de Gêneros e Sexualidades. Esse grupo realizou encontros com líderes políticos, religiosos e representantes de povos tradicionais, com o propósito de abordar essas questões sob diferentes perspectivas. O nosso enfoque abrangeu não apenas as questões de gênero e sexualidade, mas também a valorização dos conhecimentos e práticas das culturas afro-indígenas, reconhecendo o seu impacto na construção sócio-histórica da nossa sociedade.
Iniciamos nossas atividades de maneira remota, devido aos protocolos de segurança em vigor na época. Durante esse período, procedemos ao mapeamento das situações de violência enfrentadas pelos estudantes. Posteriormente, organizamos dois encontros presenciais que exploraram temas relacionados à política, culturas tradicionais, gênero e sexualidade, reconhecendo a importância desses tópicos no contexto escolar.
Em todos os momentos, nossa principal preocupação foi o bem-estar dos estudantes e suas famílias. Respeitamos as garantias legais e consideramos a infraestrutura disponível e os recursos humanos necessários para conduzir esse trabalho de forma eficaz.
DIFICULDADES ENCONTRADAS
Enfrentamos desafios significativos relacionados à naturalização das violências presentes na comunidade atendida pela escola. Essas violências se manifestaram em questões de gênero, sexualidade e intolerância religiosa, que, infelizmente, eram legitimadas pela prática de demonização das culturas de matrizes afro-indígenas.
Diante dessa realidade, adotamos uma postura ativa na luta contra a desinformação. Nossa abordagem incluiu o tratamento de temas relacionados à responsabilidade legal diante dos crimes de racismo e homofobia, conforme previsto na Lei nº 7.716/89. Além disso, enfatizamos a importância pedagógica, respaldada pela Lei nº 10.639/03, de desmistificar os conhecimentos presentes nas culturas afro-indígenas. Esses conhecimentos desempenharam um papel fundamental na construção da nossa sociedade e, como educadores, acreditamos que é nossa responsabilidade promover o respeito e a compreensão dessas culturas.
PRINCIPAIS APRENDIZAGENS
Os estudantes envolvidos nesse processo puderam perceber a relevância da inclusão de questões de gênero e sexualidade no ambiente escolar, assim como a importância de combater a intolerância religiosa. Através dos mapeamentos, encontros e debates, eles conseguiram identificar que alguns dos aspectos violentos que enfrentavam diariamente, seja em casa, nas ruas ou na própria escola, poderiam e deveriam ser combatidos com base no respeito às diferenças e no exercício da cidadania.
Essa experiência permitiu que os estudantes compreendessem as garantias estabelecidas na Constituição de 1988 e a importância das leis que asseguram e promovem o respeito às diferenças. Além disso, eles passaram a se reconhecer como agentes de transformação social, capazes de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Senado Federal. Linguagem Inclusiva. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/estilos/linguagem-inclusiva. Acesso em: 16 de abril de 2021.
EL PAÍS. Judith Butler: De quem são as vidas em nosso mundo público? Disponível em: https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-em-nosso-mundo-publico.html?fbcild=IwAR3BB1CJMg9ttoRQafz4sjubfl3kqAy8vrjr3HMTG94dGld9Bj15H_LqmrQ. Acesso em: 13 de agosto de 2021.