Militarização e cultura de ódio: pesquisadoras refletem sobre o aumento da violência nas escolas
Casos de violência nas escolas exigem análises profundas sobre o fenômeno ultraconservador na educação. Medidas de perseguição e militarização da educação são caminhos perigosos e impulsionam violações de direitos e crimes de ódio.
Ao longo dos últimos anos, temos vivenciado o avanço do ultraconservadorismo no país, e, consequentemente, ataques diversos nas instituições democráticas e nos princípios que regem a Constituição do Brasil. No campo da educação, não tem sido diferente: perseguições, censura e assédio nas escolas promovidos por movimentos autoritários têm gerado clima de desconfiança, medo e ameaça.
Na última semana, a tragédia na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, tomou a todos por um grande luto e pesar. E é momento de refletir sobre o ataque que não foi um caso isolado na história recente do país. Para a professora da UnB, Catarina de Almeida Santos, “os ataques contra as escolas constituem-se crime de ódio contra mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+, ou seja, ódio contra a diversidade. Assim, o racismo, o machismo, a heteronormatividade, os supremacismos e os discursos de ódio, alimentam o extremismo e consequentemente os ataques. O vigilantismo, em todas as suas formas, não será a solução, ao contrário, pois o cerceamento do diálogo resulta em mais ódio”.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação emitiu uma nota de pesar e convida a todos a uma reflexão crítica sobre a relação da intolerância e de ações extremistas com o aumento da violência contra as escolas e, consequentemente, contra a sociedade. “É importante ressaltar que o aumento de ideias e comportamentos fascistas, de extrema direita entre a população, de uma cultura de ódio, xenofobia e intolerância em suas mais variadas formas, contribuem diretamente para um cenário propício a atitudes cada vez mais violentas na sociedade, seja nas escolas, ou fora delas”.
A organização alerta que, após tragédias como a da escola Thomazia Montoro, ascendem narrativas sobre a falta de segurança e a violência nas escolas e ressalta que é preciso analisar a questão de forma mais profunda. O debate não pode se limitar a uma questão de segurança pública e deve passar “pela discussão sobre o fim da militarização das escolas, sobre o desarmamento da sociedade, sobre a ausência do Estado na promoção de uma cultura de paz, de políticas públicas da saúde mental para sua população e, fundamentalmente, é preciso uma resposta firme contra ações e discursos fascistas”. Leia a nota na íntegra aqui!
Renata Aquino, professora de história, pesquisadora da censura na educação e de humanidades digitais, acredita que “esse cenário é maior que a escola. Nós estamos perdendo direitos no campo da educação, do bem estar social, da saúde, etc., e esses ataques são sintomas mórbidos desse tecido social se desfazendo em meio a uma crise violenta. A escola é importante para tratar isso, mas ela é só uma parte”.
“A polícia na escola ou a militarização das instituições escolares e suas normas hierarquizadas, com a padronização de vestimentas, corpos e comportamentos, negam as diferenças e os sujeitos. A imposição dos princípios da área de segurança em detrimento dos da educação impedem o diálogo, os estudos e debates sobre os temas que alimentam o extremismo”, alerta a professora Catarina.
O processo de militarização das escolas viola liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos professores, e não tem qualquer amparo legal seja na Constituição Federal, seja na Lei de Diretrizes e Bases e seja no Plano Nacional de Educação. Há registros de que escolas militarizadas já são alvo de denúncias de assédio moral e sexual e de abusos, não são mais seguras e ainda promovem violações de direitos e violências.
Neste momento de retomada de um diálogo democrático na sociedade brasileira, é urgente que se estabeleça um esforço coletivo para debater tais questões, como uma responsabilidade conjunta de toda a sociedade e a via não é pela militarização. “As escolas que não podem ser responsabilizadas pelo extremismo, são parte da solução, mas para isso, precisam ser instituições educativas com condições objetivas de desenvolver a formação de sujeitos e não de soldados, que é o que objetiva a pedagogia do quartel”, finaliza Catarina.