#MeninasDecidem: campanha incentiva meninas quilombolas, indígenas e periféricas a tirar o título de eleitora
Iniciativa segue presente nas redes sociais, incentivando jovens de 16 a 17 anos a tirarem o título de eleitora para as eleições de 2022.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 1,1 milhão de jovens tiraram o título de eleitor nos primeiros três meses de 2022. Até o dia 4 de maio, esse número pode aumentar ainda mais, graças a iniciativas de campanhas nas redes sociais, como a #MeninasDecidem, iniciativa promovida pela Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, que reúne ONGs, coletivo e educadores, para mobilizar e incentivar meninas de 16 e 17 anos a tirar o título de eleitora, para exercer o direito ao voto, participar de discussões sobre políticas públicas e diversificar o debate sobre questões de gênero.
Para entender como essas iniciativas chegam para a juventude, conversamos com Jéssica Almeida, 16, moradora do bairro Jardim Carolina, bairro localizado no Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo. Ela é estudante do segundo ano do ensino médio em tempo integral de uma escola pública e mora com os pais.
Incentivada por um grupo de educadores que valorizam a participação da juventude no exercício da cidadania, a jovem tirou o título de eleitora recentemente na escola em que estuda. Fruto da iniciativa dos professores, Jéssica está empolgada com o primeiro voto e relata que alguns colegas de classe também decidiram fazer o registro do título, para votar nas eleições de outubro.
“Eu acredito que o meu voto é importante, eu sempre tive essa vontade de votar. E agora me sinto incluída, não tanto quanto eu gostaria, mas eu tenho que lutar pelos meus direitos, e a política vai me ajudar”, afirma a estudante de 16 anos.
A jovem enfatiza que a decisão de tirar o título de eleitora é importante não só pela ação do voto em si, mas para ela se entender como mulher na sociedade e as formas como ela poderá contribuir daqui em diante.
“Acredito que o maior impacto que senti foi o peso de ser mulher preta, mas de forma positiva né, porque a mulher preta não tem tanta visibilidade na sociedade, mas a mulher preta é necessária”, aponta Jéssica.
Com o apoio da Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI), organização social que integra a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, a campanha #MeninasDecidem atravessou barreiras sociais e geográficas e chegou a lugares importantes na luta por direitos sociais no Brasil, como no município de Pau Brasil, localizado no sul da Bahia, onde reside a jovem indígena Clarisse Alves, 18, da comunidade da Aldeia Caramuru do povo Pataxó Hãhãhãe.
Ela atuou como ativista e mobilizadora na campanha #MeninasDecidem, incentivando outras meninas de 16 e 17 anos a tirar o título de eleitora e exercer o direito ao voto.
Clarisse ressalta a importância da participação política dos povos indígenas e da presença de meninas nesse cenário. “A minha relação com a política se dá através da cobrança dos políticos da minha região, para que realizem as promessas das campanhas, e também através do meu ativismo. Desde os 16 anos, eu faço várias ações em defesa da educação de meninas indígenas”, relata a jovem.
Ela complementa, afirmando que somente unidas as meninas poderão promover alguma mudança no cenário político. “Juntas somos mais fortes e lutar por uma educação melhor na base da política é fundamental para garantir nossos direitos.”
Clarisse tirou o título de eleitora em 2020, quando tinha 17 anos. Portanto, as eleições de 2022 ficarão marcadas na sua trajetória de ativismo, por ser a primeira vez que ela irá votar em eleições nacionais. Consciente do seu papel como eleitora, ela espera que as suas ações sirvam para que outras meninas e adultos lembrem da educação, saúde, questões de gênero, das melhorias para os territórios indígenas e para o mundo antes de decidirem o seu candidato.
Além da comunidade indígena no sul da Bahia, a campanha também atingiu o estado de Pernambuco, onde Bianca Maria, 20, jovem moradora do Quilombo Feijão e Posse, reside junto com seus familiares no município de Mirandiba, território onde promovem a ancestralidade afro-brasileira, a partir da preservação do modo de vida quilombola.
Atualmente, Bianca mora com seus pais e está cursando o segundo módulo da licenciatura em Geografia. Como parte da sua contribuição para as meninas que vivem no Quilombo Feijão e Posse, a estudante gosta de participar de reuniões e palestras sobre direitos humanos na universidade onde estuda, para se apropriar cada vez mais da importância da mulher na política.
“As meninas não têm oportunidade de fazerem o que querem, só pelo fato de serem meninas, então é importante que elas participem da política, porque nós vamos se sentir mais livres para poder falar”, acredita.
Com o título de eleitora em mãos, Bianca afirma que vai votar esse ano, pois acredita ser parte de muitas mudanças que podem e precisam acontecer. “Nessa eleição estou bastante animada, e minha expectativa é que tenha muitos jovens, porque pra mim é eles que vão fazer a diferença, e espero que seja para melhor”, afirma.
A jovem relata que está participando do projeto EduQuilombo, processo formativo que discute as melhorias na educação escolar quilombola de Mirandiba e de todo o entorno.
“A gente fala da falta de transporte, da falta de professores capacitados nas escolas, da falta de merenda de qualidade para os alunos. Então essa é a oportunidade de falar dos nossos direitos que não estão sendo atendidos”, finaliza Bianca.
Educação para mudar a política
Engajada na luta dos povos indígenas pelo direito à educação, a historiadora Ana Paula Ferreira de Lima, acompanha de perto o cotidiano de meninas adolescentes que participam do projeto Cunhataí Ikhã, iniciativa de promoção da educação escolar indígena, direitos humanos e igualdade de gênero, onde ela atua na coordenação pela ANAI, que tem apoio do Fundo Malala.
Para Ana Paula, os projetos, formações e campanhas que estimulam o contato de meninas com a política desde cedo, podem gerar a oportunidade para elas entenderem processos, importância e o impacto da política na vida delas de maneira mais qualificada.
“O objetivo é fazer elas perceberem que política não é distante e que as escolhas impactam diretamente na vida delas. Existe uma construção forte que política é só corrupção e está longe das nossas vidas e do nosso entendimento. Então é importante mostrar que quanto mais pessoas parecidas com elas estiverem ocupando os cargos políticos, mais chance tem de a realidade delas mudar”, avalia a historiadora.
Ela também ressalta que essas iniciativas despertam o interesse das meninas pela política institucional e isso faz muita diferença no cenário político em que vivemos. “Na medida que elas perceberem que representatividade importa em todos os espaços que elas circulam, elas se tornam multiplicadoras em suas comunidades e incentivam outras meninas a se interessarem pelo tema”, finaliza.