Matemática na Pandemia: do trabalho doméstico não remunerado ao uso do Whatsapp
Estado: São Paulo (SP)
Etapa de Ensino: Ensino Fundamental II
Modalidade: Educação de Jovens e Adultos
Disciplina: Matemática
Formato: Remoto
Educadora na área de Matemática. Graduada em Física pela Universidade de São Paulo, é mestre e doutora em Ciências pela mesma instituição. Licenciada em Física e Matemática, é professora na Educação de Jovens e Adultos e participa da Rede Nacional de Educação Democrática e do projeto Livro Aberto de Matemática. Tem experiência no ensino fundamental regular, tendo atuado por vários anos com jovens de 10 a 15 anos. Participa de grupos de estudo sobre etnomatemática, educação de jovens e adultos e metodologias de ensino.
Objetivos
Conteúdo
- Sistema monetário;
- Operações com números decimais;
- Pensamento proporcional (proporção e porcentagem).
Metodologia
No caso da EJA, a principal ferramenta utilizada para manutenção do contato com os estudantes durante o período no qual as escolas permaneceram fechadas (na pandemia de COVID-19) foi o aplicativo de mensagens Whatssap. Desta forma, esta é a ferramenta escolhida para o desenvolvimento das atividades.
Além disso, se possível, é interessante que o trabalho seja apoiado em um caderno impresso, com os materiais utilizados na sequência (como letra de música, reportagem e atividades). O caderno impresso não é imprescindível, mas ajuda a inclusão de estudantes com alguns problemas de visão (e que por isso se beneficiam de um tamanho de letra maior do que aquele do celular, o que é muito comum no público idoso) e de estudantes que necessitem de mais tempo para a leitura (dando conta de parte da diversidade de letramento existente em uma mesma turma).
O tema gerador escolhido foi “A desigualdade de gênero no trabalho doméstico não remunerado”. Essa foi uma das primeiras questões sociais que apareceram durante o período de isolamento social imposto pela pandemia. Com os indivíduos encerrados em suas residências, as mulheres passaram a se responsabilizar por mais cuidados com familiares e/ou pessoas de suas comunidades. Nos primeiros meses da COVID-19 no Brasil, diversos estudos, relatórios e notícias apontaram essas dificuldades. Outra razão desta escolha foi o fato do cuidado com pessoas ou afazeres domésticos fazer parte da vida de mais de 90% da população feminina do Brasil, segundo dados do IBGE (PERISSÉ, 2019).
A proposta desta sequência didática se inicia com a análise da música “Vá morar com o diabo”, de Riachão, passa por uma conversa sobre os usos sociais da matemática, pela leitura de uma reportagem da agência de notícias do IBGE e é finalizada com a produção de cartas em resposta à música analisada inicialmente.
A seguir são descritas as dinâmicas de cada um dos encontros.
1º encontro
O primeiro encontro é dedicado à análise da letra da música “Vá morar com o diabo”, de Riachão. O encontro se inicia com a postagem, no grupo de Whatsapp da sala, do link com o vídeo clip da música na interpretação de Cássia Eller, sua letra e uma foto de Riachão. Após todos ouvirem a canção, a conversa tem início com as primeiras impressões de cada um. Os estudantes são estimulados a contarem se gostaram da música e se já a conheciam ou conheciam algum dos dois artistas.
A conversa no grupo passa então para uma análise mais criteriosa da letra da música, por meio de questões orientadoras. As questões têm o objetivo de ajudar os estudantes a entenderem a situação relatada pelo cantor e refletir criticamente sobre os papéis de gênero envolvidos na história cantada. As questões orientadoras podem ser colocadas aos poucos, conforme a discussão do grupo vai se desenvolvendo. Possibilidades de questões orientadoras:
- A música fala de quantas personagens?
- O que é possível saber sobre ele? quem é ele?
- O que é possível saber sobre ela? quem é ela? O que será que ela é dele?
- Quem será que sujou a panela?
- Quem será que lavou a roupa?
- De quem será que é o lixo que está no canto?
- De quem será que é o barracão?
- Pensando em tudo isso, o que a música dela poderia falar?
Esta discussão possibilita um olhar cuidadoso para o uso social da palavra “ajuda” dentro de casa, em relação às tarefas domésticas. Ela abre a possibilidade para a busca por novas palavras ou termos, que evidenciem a divisão de responsabilidades entre todos os moradores da residência.
2º encontro
O segundo encontro se inicia com uma discussão sobre o uso social da matemática e sobre como é possível utilizá-la para compreender a sociedade e pensar em formas mais eficazes de realizar ações para modificar a realidade imediata ou a longo prazo. Após ouvirem um áudio com exemplos de uso da matemática em contexto social, como medidas de índices de inflação, acompanhamento das filas de vagas para creches e a taxa de ocupação dos hospitais, os estudantes são convidados a compartilharem outros exemplos similares.
A partir desta discussão, é feito um gancho para a leitura de uma adaptação da notícia da Agência IBGE Notícias, intitulada “Mercado de trabalho reflete desigualdade de gênero”, que apresenta dados numéricos sobre a desigualdade de gênero no trabalho doméstico não remunerado e suas consequências. A adaptação consiste na supressão da última parte da reportagem, intitulada “O papel da emoção nas questões de gênero”. Outra fonte é a matéria "Dupla jornada e salários menores: realidade que ainda afeta mulheres", da Agência Brasil, que traz dados sobre a maior sobrecarga de mulheres negras e de mulheres de menor renda.
A partir da leitura é pedido que os estudantes localizem no texto informações como a quantidade de horas médias dedicadas por homens e mulheres semanalmente ao trabalho doméstico e de cuidado. Estes dados devem ser discutidos de forma a dar sentido para a informação numérica.
A discussão avança para uma conversa sobre o significado do termo “dupla jornada” e dos dados de participação feminina e masculina no mercado de trabalho em 2018.
A última parte do encontro é dedicada a um rápido levantamento sobre as dificuldades que as mulheres encontram para se inserir no mercado de trabalho e o valor de iniciativas como a de criação de espaços como o da Casa de Apoio à Mulher Trabalhadora (CAMTra), citada na reportagem.
Algumas possibilidades de perguntas orientadoras para o encontro são:
- Você conhece alguma casa na qual as tarefas domésticas e de cuidado são igualmente divididas entre homens e mulheres? Por que você acha que isso acontece?
- De acordo com a reportagem, quantas horas semanais as mulheres dedicam aos afazeres domésticos e de cuidado de pessoas? E os homens?
- O que você achou da iniciativa de Eleutéria Amora, que fundou uma associação (CAMTra) para apoiar outras mulheres trabalhadoras?
3º encontro
O terceiro encontro é dedicado à leitura e discussão da segunda parte da reportagem, que tem o subtítulo “Profissões designadas por ou para mulheres”. Após a leitura deste trecho da reportagem, os estudantes devem identificar e refletir sobre os dados e diferenças salariais apresentadas para homens e mulheres nas mesmas profissões e as diferenças salariais para trabalhadoras domésticas com e sem carteira assinada.
É necessário novamente dar significado aos valores apresentados e a partir deles levantar algumas hipóteses que possam explicar as diferenças salariais a partir das informações trazidas na primeira parte da reportagem e discutidas no encontro anterior.
Algumas possibilidades de perguntas orientadoras para o encontro são:
- Para você existem profissões que são para homens e outras que são para mulheres?
- De acordo com o texto, como a diferença de carga de trabalho impacta a diferença de salário de homens e mulheres que exercem a mesma profissão?
- Em sua opinião, que ações poderiam minimizar a diferença salarial entre homens e mulheres, decorrente do trabalho doméstico não remunerado?
4º encontro
O quarto encontro da sequência didática tem como objetivo que os estudantes utilizem o que aprenderam sobre o tema nos dois encontros anteriores. Ele tem início com um vídeo de Riachão explicando a história que deu origem à música “Vá morar com o diabo”.
Após uma discussão sobre as novas impressões que cada um tem sobre a situação retratada pela canção, os estudantes são convidados a escrever uma carta para o amigo de Riachão, na qual devem explicar o problema que a dupla jornada acarreta na vida das mulheres. Eles devem ser incentivados a utilizarem dados da reportagem para reforçarem seus argumentos e sugerir formas de lidar com a situação.
5º encontro
O último encontro deve ser utilizado para o compartilhamento das cartas e um momento de avaliação da sequência didática.
Uma estratégia para o desenvolvimento da atividade por meio de aplicativo de mensagens é o estudante compartilhar previamente a imagem de sua carta e o áudio de sua leitura.
No horário do encontro os áudios e as imagens são compartilhados ao mesmo tempo, possibilitando que a leitura da carta seja feita pelo estudante ao mesmo tempo que ele ouve o colega (autor da carta) realizando sua leitura da mesma.
A avaliação da sequência pode ser realizada por meio de uma conversa sobre os pontos que os estudante consideraram mais relevantes na sequência, como as novas informações podem ser implementadas em suas rotinas e como a matemática ajudou na compreensão da desigualdade de gênero no trabalho doméstico e de cuidado não remunerados.
Seria interessante que as questões também estivessem no material impresso, de forma que os estudantes pudessem registrar suas reflexões.
Recursos Necessários
Se possível, o caderno impresso poderia ter a letra da música “Vá morar com o diabo”, uma foto de Riachão, uma foto de Cássia Eller, a reportagem adaptada, as questões orientadoras de cada encontro (com espaço para os registros dos estudantes) e as questões avaliativas da sequência (também com espaço para registros).
Duração Prevista
Processo Avaliativo
Nestas etapas os estudantes devem mostrar que conseguem identificar corretamente as informações quantitativas na reportagem e relacioná-las com suas consequências na vida das pessoas.
O uso do caderno impresso também ajuda no processo avaliativo, visto que com ele é possível pedir para que os estudantes registrem os dados que localizam, suas opiniões e reflexões. Esse processo possibilita uma melhor avaliação daqueles que são mais tímidos ou têm outras dificuldades para participar ativamente do grupo de mensagens da turma.
Referências Bibliográficas
D’AMBROSIO U. Etnomatemática - elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
FONSECA, M.C.F.R. Educação Matemática de Jovens e Adultos: especificidades, desafios e contribuições. 3a edição, 2a reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2020.
PERISSÉ, C., Loschi, M. Mercado de trabalho reflete desigualdade de gênero. Agência IBGE Notícias, 2019. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25223-mercado-de-trabalho-reflete-desigualdades-de-genero Acesso em 23/11/2020.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 5a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra (1975).
SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA. Sem parar - o trabalho e a vida das mulheres na pandemia. Relatório, 2020. http://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf Acesso em 23/11/2020.
SKOVSMOSE, O. Um Convite à Educação Matemática Crítica. Campinas: Papirus, 2014.