VideoClipe: nossa história na rede

Estado: São Paulo (SP)

Etapa de Ensino: Ensino Fundamental II, Ensino Médio

Modalidade: Educação Regular

Disciplina: Artes

Formato: Híbrido, Presencial, Remoto

Pessoa trans e professor de artes da rede municipal de São Paulo. A partir de 2012 faço parte do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) onde pesquiso aproximações com gênero e sexualidade nas aulas de teatro na Escola de Aplicação (EAFEUSP), em 2016 concluo minha licenciatura em artes cênicas pela USP. Em 2015 publico “Drag, ou as delícias de ser mulher” pelo Núcleo do Dramaturgia do Sesi. Em 2018 trabalho como educador de teatro e dramaturgia pelo Coletivo Usina dos Atos, no Céu Inácio Monteiro (Cidade Tiradentes). Nesse mesmo ano também ingresso na rede municipal e em 2019 começo a compor formações e rodas de conversa sobre metodologias interseccionais em escolas e espaços culturais. Em 2020, em contexto da pandemia, nasce o Territórios das Diversidades, coletivo de que faço parte, composto de pessoas educadoras LGBTQIA+ e apoiadoras que se reúnem para refletir e propor ações nas escolas sobre gênero, classe, raça, sexualidade, e outras opressões que nos atravessam. Atualmente estudante de especialização em Educação em Direitos Humanos (UFABC) e estudante de libras.

Objetivos

Objetivos gerais:

  • Fomentar a criação autoral das crianças e adolescentes a partir de sua leitura de mundo e de referências culturais regionais que trabalhem o conceito de identidade e empoderamento, ampliando olhares dentro e fora da escola para importância e potência de produções artísticas fora das grande mídias: produções de pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, periféricas, etc.


Objetivos específicos:

  • Incentivar o exercício de leitura de mundo a partir da análise de videoclipes e letras musicais que tratem sobre questões sociais;

  • Aproximar as crianças e adolescentes da produção audiovisual de forma acessível, através de celulares e/ou tablets;

  • Ampliar o repertório das, dos e des estudantes sobre as produções musicais e audiovisuais regionais e nacionais;

  • Fomentar a pesquisa, o trabalho colaborativo e o protagonismo estudantil em processos criativos autorais;

  • Criação de material audiovisual ou musical que reflita a identidade das crianças e adolescentes;

  • Compartilhamento do material produzindo com a comunidade.

Conteúdo

Essa sequência didática tem como principal conteúdo a proposta de re-olhar para as relações sociais a partir de identidades vistas como dissidentes da hegemonia. Em contato com a produção musical e audiovisual de mulheres negras, pessoas trans, corpos periféricos e outras marcações impostas pelo olhar colonizador, as crianças e adolescentes podem perceber que todes somos sujeitos da nossa história e sociedade, e que temos direito a voz e expressão.

A partir de reflexões antirracistas e antiLGBTQIA+fóbicas, que repensem nossa cultura patriarcal e de consumo, as, os e es estudantes entrarão em contato com diversos conteúdos do componente curricular Arte, podendo também incluir conteúdos de outros componentes conforme a demanda e disponibilidade de cada território.

Com o objetivo de, a partir da apreciação, análise e reflexão de produções de artistas brasileiros, incentivar as crianças e adolescentes à própria produção musical, algumas possibilidades de conteúdos específicos a serem desdobrados são:

  • Leitura de obra de arte;

  • Noção de ritmo, andamento, volume e altura musicais;

  • Experimentações de som a partir de percussão corporal e objetos não convencionais;

  • Consciência vocal e corporal;

  • Confecção de instrumentos a partir de material reciclável;

  • Pesquisa e investigação de apps e programas que componham motivos musicais;

  • Noção de enquadramento para filmagem;

  • Confecção de roteiros dramatúrgicos para os videoclipes;

  • Noções teatrais para escolha de espaço e figurino para filmagem.


A abordagem e escolha dos conteúdos específicos vai depender dos educadores e educadoras envolvidas, assim como o perfil de cada turma, e os recursos disponíveis.

Metodologia

A proposta metodológica será descrita em etapas, pensando que cada educador e educadora pode adaptar as propostas da forma e no tempo que achar necessário de acordo com as contingências de cada território e com as especificidades de cada grupo de estudantes.

A sequência a seguir foi planejada para turmas de 4ºs e 5ºs anos do Ensino Fundamental, mas pode ser aplicada no Fundamental II e Médio se forem feitas as devidas adaptações.

1ª etapa – Apresentando Videoclipes


Pode ser feita de modo virtual ou presencial

Esta etapa consiste em conversar com a turma sobre a linguagem “Videoclipe”. Em roda de conversa (ou reunião virtual) são propostas perguntas sobre o assunto, no intuito de descobrir quem conhece e gosta dessa linguagem, se as crianças já sabem ou não do que se trata, e investigar com quais artistas elas têm contato. Ao final cabe uma explicação, se necessário, de que videoclipe é uma forma de expressão bastante atual que mistura elementos do cinema e da música.

Após a introdução, são apresentados videoclipes que reflitam a produção diversa do nosso país, e que deem ênfase nas questões de identidade sobretudo com temas sobre machismo, LGBTQIA+fobia e racismo.

Sugestões de obras:
Dona de Mim – Iza
Minha Rapunzel tem Dread – Mc Sofia
Calmô – Liniker e os Caramelows
Tô na Luta – Karol Conka

Para cada clipe exibido, são feitas algumas perguntas disparadoras, para que com reflexão e conversa, a turma possa desenvolver uma leitura sobre os temas a partir dos materiais. Algumas sugestões que servem para iniciar a conversa:
- Que história ou histórias são contadas nesse clipe?
- Quem conta essa história?
- O que a letra da música nos conta?
- O que as imagens nos contam?

É a partir das respostas que é possível diagnosticar os temas pulsantes em cada contexto. É bastante importante deixar que as crianças falem livremente suas leituras e impressões, e mediar o debate para que se estenda através da perspectiva dos Direitos Humanos e do respeito à diversidade. Ao trabalhar com artistas trans, por exemplo, é fundamental que a pessoa mediadora saiba as nomenclaturas e pronomes corretos ao se referir a pessoa, não apenas por uma questão de respeito à identidade, mas para afirmar a sua relação de naturalidade com a diversidade de gênero perante as crianças.

2ª Etapa – Compartilhando Videoclipes


Pode ser feita de modo virtual ou presencial.

Essa etapa consiste em escutar e compartilhar os gostos, afetos e referência das crianças na linguagem trabalhada. A proposta é que elas proponham uma música ou videoclipe que conhecem com o seguinte enunciado:
- Qual videoclipe ou música você gosta porque diz algo sobre você?
Ou
- Qual videoclipe ou música você gostaria de dividir com a turma porque acha que fala sobre coisas importantes?
E a partir das respostas é feita outra sessão de exibição de clipes, agora escolhidos pelas e pelos estudantes. Após cada clipe é importante fazer uma mediação cuidadosa de seus conteúdos, assim como proposto na primeira etapa, é nesse momento que as crianças exercitam suas leituras de mundo a partir de materiais que elas próprias escolheram.

3ª Etapa – Escolhendo grupos, temas e pesquisas


Pode ser feito de modo virtual ou presencial.

Essa etapa consiste em explicar para a turma o projeto prático a seguir: cada grupo produzirá sua própria música ou videoclipe.
A turma pode ser dividida a critério des educadores, conforme necessidade de organização. A sugestão é de agrupamento mínimo de 4 pessoas.
Cada grupo escolherá um tema sob o enunciado: Qual questão vocês acham urgente e importante dividir com a nossa sociedade?
Essa provocação pode vir acompanhada de uma conversa resgatando a importância dos temas sociais apresentados nos clipes já vistos. Se a pessoa mediadora achar necessário, ela mesma pode definir o recorte de cada grupo (exemplo: grupo 1 trabalha o machismo, o grupo 2 o racismo, etc).
Depois de escolhidos os temas, cada grupo pode compartilhar com o resto da turma.
Após o compartilhamento, um tempo é estipulado para que os, as e es estudantes façam uma pesquisa sobre o tema, procurando dados e informações para se aprofundarem mais sobre a questão. Essa etapa pode ser feita em parceria com professores/as de sala de leituras e bibliotecas, com professores/as de informática, ou mesmo ser passado como tarefa remota.

4ª etapa – Construindo o ritmo e a letra


Pode ser feita presencialmente apenas.

As especificidades dessa etapa dependem da criatividade e das escolhas des educadores, além das contingências específicas de cada território. A proposta a seguir é baseada na experimentação de percussão corporal, mas outras possibilidades já mencionadas são igualmente interessantes: pesquisa de apps e programas que produzam motivos musicais, confecção de instrumentos com materiais recicláveis, ensino técnico de instrumentos tradicionais, etc.
Essa etapa consiste em apresentar o conceito de percussão corporal (produzir sons com o próprio corpo) como possibilidade para construção da música própria.
Aqui cabem referências de artistas que trabalham com esse tipo de música, como o Barbatuques.
A partir do entendimento do conceito, são propostos jogos corporais de produção de som. Podem ser sugeridas sequências coletivas para a turma toda (ex: bater palma, bater no peito e estralar os dedos em sequência e coletivamente), ou jogos de improvisação que alguém propõem um som e outra pessoa propõe outro som que combine, etc.
Depois dos experimentos corporais, o trabalho retorna nos pequenos grupos, em que as crianças e adolescentes vão elaborar um ritmo e uma letra a partir do tema pesquisado anteriormente.

Obs: para facilitar essa etapa, principalmente com as crianças menores, pode ser sugerido o conceito de “paródia”, em que o grupo escolhe uma música que já existe, imita o ritmo através de percussão corporal, e cria uma nova letra na composição. Se for o caso, é possível fazer um trabalho de consciência de estrutura musical a partir da divisão de versos e estrofes.

5ª etapa – Ensaio e Gravação


Pode ser feita presencialmente apenas.

Essa etapa consiste em fazer o acompanhamento dos pequenos grupos em suas produções musicais, dando suporte material e criativo necessário para que as crianças consigam desenvolver seus projetos.
Quando todos os grupos terminarem suas músicas, as mesmas podem ser gravadas em algum ambiente propício da escola, com um aparelho celular e/ou gravador.

6ª etapa – Roteiro do Clipe


Pode ser feita de forma presencial ou virtual.

Essa etapa consiste em levantar ideias visuais para a composição do videoclipe de cada grupo. Pode ser proposto um roteiro de perguntas a serem respondidas pelas crianças para a elaboração dessas ideias. Seguem algumas sugestões de perguntas:
- A música que vocês fizeram conta qual história?
- Como vocês podem ajudar a contar essa história com imagens?
- Que pessoas vão aparecer nesse clipe?
- O que elas vão fazer? Algo vai acontecer?
- Que lugares vocês imaginam essa história acontecendo?

A partir da resposta de cada grupo, a pessoa mediadora vai orientando os, as e es estudantes para que consigam planejar concretamente os personagens do clipe, a ação que se passa, o lugar, etc.

OBS: para evitar trabalho de edição, que requer acessos digitais nem sempre de fácil alcance, é preferível sugerir que os grupos planejem uma filmagem em plano sequência, ou seja, sem cortes.

7ª etapa – Gravação dos clipes.


Pode ser feita presencialmente apenas

Essa etapa consiste em organizar a turma para a execução dos roteiros planejados anteriormente. Os agrupamentos podem ensaiar seus roteiros conforme a necessidade. A proposta é organizar uma ordem de gravação por grupos, em que toda a turma se concentre e se mobilize para a gravação daquele grupo específico. Deste modo todes podem participar e colaborar com a construção de todes, e o único equipamento necessário é um aparelho celular ou tablet com câmera.

Para ajudar no processo de gravação pode-se tocar a música feita pelo grupo durante o procedimento, o que permite a marcação de duração da cena, e também permite que as crianças sincronizem o momento da música com as ações visuais que acontecem.
A parte de edição da música sobre o vídeo pode ser feita pelo educador ou educadora, ou pode ser feita junto as crianças em parceria com educadores e educadoras da área de informática.

8º etapa – Apresentação e reflexão com a comunidade


Pode ser feita de forma presencial e virtual.

Essa etapa consiste em organizar a forma de compartilhar com a comunidade o trabalho realizado. A proposta é que de forma virtual, por meios da página da escola no facebook, em encontros virtuais e outras plataformas, esses trabalhos sejam divulgados e vistos pelas crianças, adolescentes e adultos do entorno.

Essa mostra de videoclipes também pode ser organizada de forma presencial na escola. Parte fundamental dessa etapa é propor rodas de conversa a partir dos clipes produzidos, refazendo a mediação proposta na 1ª e 2ª etapa, agora com as produções dos, das e des estudantes como obra a ser mediada. É importante estabelecer esse espaço em que os temas suscitados pela proposta como um todo possam ser debatidos, e que as crianças que participaram do processo possam dividir com seus colegas e familiares suas ideias, reflexões e pensamentos a partir da prática.

Recursos Necessários


  • Pelo menos um aparelho celular/tablet ou câmera para gravação de áudio e vídeo;

  • Um computador para realizar a edição;

  • Acesso virtual ou material para realização de pesquisa;

  • Se realizado de forma completamente presencial é necessária uma televisão ou projetor para exibição dos videoclipes nas etapas da sequência didática. Se feito de forma virtual, essa exibição se dá através do computador durante os próprios encontros online.

Duração Prevista

Essa é uma sequência didática que pode ser realizada dentro da estrutura regular das aulas de artes, ou de forma extracurricular em forma de projeto. A duração da sequência depende da quantidade de encontros semanais, e também do perfil de cada turma.

Em projeto extracurricular com encontros de uma hora e meia por semana, a sequência pode ser realizada em dois meses.

Em estrutura mais fixa, em encontros de 45 minutos semanais, sua realização pode se estender por um semestre.

Processo Avaliativo

A avaliação se dará de forma diagnóstica, processual e continuada em cada etapa da sequência. A educadora e educador estão presentes como apoio durante todo o processo criativo das, dos e des estudantes, dando orientações à turma, e também fazendo o acompanhamento dos pequenos grupos, identificando possíveis dificuldades e oferecendo suporte para que as crianças, em colaboração, encontrem soluções criativas para as possíveis complexidades encontradas no caminho.

Dessa forma, a avaliação dessa proposta não se dá apenas pela observação do produto final, mas está no olhar atento para as discussões e reflexões que se estabelecem em sala de aula, no auxílio das pequenas dificuldades práticas e teóricas apresentadas durante o percurso, e na percepção das leituras de mundo que as crianças e adolescentes estão desenvolvendo e compartilhando com seu entorno.

A etapa final, que prevê o compartilhamento do trabalho com a comunidade, também pode ser encarada como processo de avaliação em que as crianças conseguem se autoavaliar ao assistirem e revelarem suas produções e desejos de comunicação com o mundo, e em que a própria comunidade, que nesse momento é espectadora dessas obras, pode também colocar suas impressões e aproximações com o processo.

Observações

Essa proposta pode ser aplicada a partir do 4º ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, guardadas as devidas adaptações.

Referências Bibliográficas

ANZALDÚA, Glória. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. In Revista de Estudos Feministas CFH/UFSC Vol 8. Santa Catarina: 2000
COELHO, Teixeira. Dicionário Critico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do Teatro: Provocação e Dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
PRECIADO, Paul B. Quem defende a criança queer? In Apartamento em Urano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p.69-73.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, Representar. São Paulo: CosacNaify, 2009.
Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Artes. São Paulo: SME/COPED, 2017.

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