Cendhec apresenta recomendações para promoção de igualdade de gênero nas escolas

Adolescentes matriculadas nas redes de ensino do Recife, Igarassu e Camaragibe também participaram da entrega do documento para representantes das Secretarias do Recife, Igarassu e Camaragibe

Cendhec apresenta pesquisa sobre desigualdades de gênero na Educação

Ao lado de estudantes de escolas da rede pública de ensino municipal, integrantes do Centro Dom Helder Camara entregaram um Documento de Recomendações para representantes das Secretarias de Educação do Recife, Igarassu e Camaragibe. Construído após pesquisa desenvolvida pelo Cendhec com apoio do Fundo Malala, o documento foi baseado na escuta de adolescentes dos três municípios sobre os impactos das desigualdades de gênero no cotidiano escolar. As recomendações foram apresentadas durante o seminário “Meninas por uma Educação com Igualdade”, que aconteceu na Unicap, na manhã desta quarta-feira (16).

O Documento de Recomendações, que foi chancelado por 22 entidades e ativistas que atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, oferece uma série de sugestões sobre estratégias e ações que podem ser implementadas pelas gestões escolares para ajudar a diminuir desigualdades no dia a dia escolar. Os pontos foram elencados a partir da experiência do projeto Na Trilha da educação. Gênero e Políticas Públicas para Meninas, em especial a realização de uma pesquisa que ouviu as estudantes do ensino fundamental II de oito escolas públicas. Ao todo, 438 meninas responderam a questionários que foram aplicados entre os meses de março a setembro de 2022. 

Medidas de enfrentamento ao Racismo, LGBTransfobia, Machismo, Gravidez na adolescência, evasão escolar estão entre as recomendações elaboradas com base no que dispõem o Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal, Conselhos de Educação e outros órgãos da rede de defesa. Para Katia Pintor, coordenadora do DCA do Cendhec, o documento é um importante instrumento em defesa de uma educação com equidade. “O documento de recomendação que o Cendhec apresenta tem a importância de trazer à luz informações e orientações para que as gestões de cada município possam implementar projetos e políticas públicas a partir do que o Cendhec identifica e aponta como necessidade de criação e reestruturação de ações voltadas à garantia da igualdade de gênero nas escolas”. 

A mesa de abertura do evento contou com as presenças do advogado, professor coordenador da Cátedra Unesco/Unicap e presidente do conselho diretor do Cendhec, Manoel Moraes; da coordenadora do Programa de Direito da Criança e do Adolescente (DCA) e coordenadora adjunta da instituição, a cientista social Katia Pintor; e Manuella Donato, consultora de projetos do Fundo Malala no Brasil. 

Pedagoga do Cendhec e integrante da Rede de ativistas do Fundo Malala, Paula Ferreira, atuou na mobilização das escolas durante a pesquisa e ressaltou que “a educação precisa ser um espaço de acolhimento, um espaço protetivo, e para isso é necessário estar em constante diálogo com outros atores da rede de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Tivemos um desafio com a implementação da pesquisa num contexto de pandemia, mas entendemos que esse elemento também precisava estar inserido neste estudo, porque vai nos mostrar o quanto a educação de meninas foi ainda mais impactada nesse período”, pontuou a pedagoga. 

Paula Ferreira, pedagoga; e Alcione Ferreira, coordenadora do projeto

Alcione Ferreira, jornalista e coordenadora de projeto do Cendhec, apresentou os primeiros dados da pesquisa que merecem atenção das gestões municipais, uma vez que geram efeitos diretos no desenvolvimento das estudantes, e que também foram apontados no documento de recomendações. “Com o lançamento dos primeiros dados da pesquisa já percebemos o quanto o trabalho só começa, entra em nova fase: a de gerar junto aos atores públicos subsídios que contribuam para pensar efetivamente uma educação comprometida com a pauta de gênero. Não é possível pensar educação de qualidade sem pensar em igualdade de gênero”, afirma a coordenadora, que também participou da mobilização das gestões e secretarias durante todo o processo de aplicação da pesquisa. 

Andreika Asseker, Secretária de Educação de Igarassu, pontuou que a atuação do Cendhec ajudou as gestões a repensar formas de contribuir com o fortalecimento do papel da mulher, das meninas e da educação como fonte promotora de direitos. “Ajudou as meninas a se olharem, terem esse pertencimento do que elas podem, do que elas conseguem. Ajudou uma mudança de mentalidade dos professores, na própria comunidade, como também nas políticas públicas do município”. A Rede de Igarassu adotou a lei do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, garantindo a distribuição de absorventes para meninas da rede de ensino.”Também fizemos algumas mudanças estruturais na política de atendimento dos alunos na rede com essa perspectiva do fortalecimento da mulher. É realmente um programa fantástico que veio como uma pesquisa de intervenção em campo mudando as nossas práticas e a gente só tem que agradecer e fortalecer essa parceria com o CENDHEC”, pontuou. 

Um dos momentos mais especiais da programação foi protagonizado pelas adolescentes Peróla Canuto, da Escola Costa Porto e Sarah Raquel, da Escola Evangelina Delgado, de Igarassu. As duas meninas representaram as estudantes da rede pública municipal e falaram sobre suas reivindicações e sonhos de futuro. “Eu acho que o projeto me ajudou muito e foi muito revolucionário. Foi gratificante participar porque eu reparei que meu olhar se abriu e algumas coisas na escola mudaram sobre mim, também sobre outras meninas. Era muito difícil incluir meu nome social nas questões da escola e hoje em dia, depois desse projeto, está sendo muito mais fácil”, declarou Pérola. 

Assista o seminário na íntegra, disponível no canal do Geledés – Instituto da Mulher Negra

Pesquisa aborda as desigualdades na escola

A pesquisa desenvolvida pelo Cendhec buscou entender os efeitos das desigualdades de gênero na vida escolar de meninas. Realizada com 438 estudantes do ensino fundamental II das redes de ensino municipal público do Recife, Camaragibe e Igarassu, o levantamento compõe uma das ações do projeto Na Trilha da Educação. Gênero e Políticas Públicas para Meninas e mostrou que  94% das estudantes ouvidas querem que o tema igualdade de gênero seja discutido nas escolas. 

Racismo, assédio, lgbtqia+fobia, trabalho doméstico e falta de incentivo para a prática de atividades esportivas são alguns dos problemas apontados pelas adolescentes. a pesquisa foi dividida em dois métodos: quantitativo – por meio da aplicação de questionários;  e qualitativo – através da formação de grupos focais. As adolescentes consultadas responderam ao questionário no método quantitativo; gestoras/es e professoras/es também foram ouvidos durante o estudo. Já no método qualitativo, um grupo de 71 meninas participou de rodas de discussão sobre desigualdade de gênero e educação, sendo 35 estudantes matriculadas no fundamental II e 36 jovens que estão fora da sala de aula, com até 21 anos. Mães de estudantes também foram entrevistadas. 

Uma educação não sexista orienta-se pelo que dispõe a Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), de 18 de dezembro de 1979, a qual se coloca a favor das “mesmas condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias”. O documento propõe também a “eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis masculino e feminino em todos os níveis”.

Rebecca Andressa, de 14 anos, estudante da rede municipal do Recife, tem a resposta na ponta da língua quando o assunto é a educação que ela quer.  “Uma escola que tenha igualdade para meninos e meninas é uma escola que apoia não só os meninos, mas também as meninas para que elas tenham sua voz ouvida. Tem muitas desigualdades na escola e precisamos de mais respeito, não só na escola como em qualquer lugar”. 

“A pesquisa é uma ferramenta muito importante para conhecer os problemas que as meninas enfrentam nas escolas. A partir desses dados e informações, o poder público pode elaborar estratégias e políticas que garantam a equidade de gênero nas escolas”, diz Maíra Martins, representante de Fundo Malala no Brasil, que atua em 10 países: Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia. No mundo, são 81 ativistas, sendo 11 no Brasil – incluindo Paula Ferreira, do Cendhec -, que integram a Rede Malala para articular ações de incidência política a partir de territórios socialmente vulneráveis. 

45,9% das entrevistadas têm 12 anos, 78% das entrevistadas são negras e pardas, 41% são evangélicas e 19,9% são católicas (60% cristãs).

Principais dados

  • Perfil das estudantes ouvidas: 45,9% das entrevistadas têm 12 anos, 78% das entrevistadas são negras e pardas, 41% são evangélicas e 19,9% são católicas (60% cristãs).
  • Desigualdade de gênero: Das meninas entrevistadas em Igarassu, Recife e Camaragibe, 59,1% responderam não saber o que é desigualdade de gênero, ao mesmo tempo, 66% acham que meninas e meninos não têm os mesmos direitos na escola. Sete em cada dez afirmam que seus professores não discutem o tema, porém 94,1% apontam que debater direitos de meninas e meninos é necessário.
  • Falta de incentivo afasta meninas das atividades esportivas: Aproximadamente 60% das estudantes acreditam que existe preconceito em relação às meninas praticarem esportes. Segundo elas, este preconceito é demonstrado pelos meninos, que foram citados em 91,5% das respostas. Um percentual de 26,5% das estudantes afirmaram se sentirem desconfortáveis com comentários sobre suas roupas
  • Assédio na escola: A pesquisa apresenta que 31,5% (sendo 7,1% muitas vezes + 24,4% algumas vezes) já se sentiu incomodada com atitudes/comentários de meninos. Dessas, 54,4% (sendo 11,9% muitas vezes +  42,5% algumas vezes) sentiu que havia maldade, segundas intenções. 53,8% não contou pra ninguém sobre essas atitudes. 
  • Racismo: Uma a cada 4 meninas sofre preconceito em ambiente escolar. De acordo com o levantamento, 26,9% das meninas entrevistadas dizem terem sido afetadas por algum tipo de prejulgamento/repúdio em suas instituições de ensino. Das vítimas, 38,1% atribui a ação ao racismo: 27,1% por ter cabelo crespo/enrolado; 11,0% por ser negra; 
  • Saúde mental, educação e pandemia: Quase metade das meninas em idade escolar se queixam de ansiedade. A pesquisa apresenta que a maioria (48,9%) das meninas entrevistadas se diz, na maior parte do tempo, ansiosa.

Ao todo, 68,3% das consultadas sentiram que a pandemia afetou sua saúde emocional, 65,9% disseram que a tristeza as abalou no período, outras 27,8% conviviam com o medo de perder alguém.

Sem aulas presenciais, o desenvolvimento delas também sofreu um duro golpe. Os números mostram que 55,5% das meninas relataram ter dificuldades para participar de aulas remotas, 43,2% destas atribuíram à dificuldade de acesso à internet. Ainda segundo o levantamento, 48,2% afirmam ter percebido prejuízos importantes em sua aprendizagem durante a crise sanitária.

Informações para a imprensa

Mariana Moraes (81)  9418-6421 – comunicacao@cendhec.org.br
Lenne Ferreira (81) 99818.9238
Fotos: Marlon Diego

Centro das Mulheres do Cabo, com apoio do Fundo Malala, lança pesquisa evasão escolar de meninas e jovens mulheres

O diagnóstico conduzido e protagonizado por meninas e adolescentes traça o perfil das alunas que estão fora da escola no município de Cabo de Santo Agostinho (PE) e identifica o impacto da evasão escolar na vida das estudantes.

Imagem de "Centro das Mulheres do Cabo, com apoio do Fundo Malala, lança pesquisa evasão escolar de meninas e jovens mulheres", matéria no site Gênero e Educação. Duas garotas aparecem estudando

Nesta terça-feira, 29 de março, às 14h, será realizado, no Centro Administrativo Municipal (Cam1), na Torrinha, o lançamento do Diagnóstico Participativo sobre a Evasão Escolar das Meninas e Jovens Mulheres do Cabo de Santo Agostinho (PE), que traça o perfil das adolescentes e jovens mulheres fora da escola, mostrando as causas e os impactos da evasão escolar.

O estudo apresenta ainda recomendações para prevenir a evasão escolar e orientar a busca ativa para o retorno dessas meninas e jovens mulheres à sala de aula, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, considerando, o contexto da pandemia de Covid-19.

Segundo a pesquisa, um dos principais motivos do abandono escolar foi o impacto direto da Covid-19, 37,5% das entrevistadas deixaram de estudar devido à falta de celular com internet, o que as impediu de acompanhar as aulas virtualmente.

A gravidez precoce, também aparece entre as principais causas de abandono escolar. Das meninas entrevistadas, 14,6% tiveram que trabalhar para gerar renda para a própria subsistência e de suas famílias. A interrupção das aulas presenciais foi avaliada como muita negativa pelas meninas: 95,2% delas desejam voltar às aulas presenciais. Para 40% das entrevistadas, as escolas não ofereceram a estrutura necessária para garantir segurança sanitária no contexto de pandemia.

“As meninas e jovens mulheres sofreram mais do que os meninos e rapazes jovens na pandemia, porque o trabalho doméstico, de cuidar da casa e das pessoas idosas, com deficiência ou doentes, recai sobretudo sobre as mulheres que estavam em casa. Ou seja, a pressão em cima dessas meninas e jovens mulheres foi muito maior, impactando negativamente o seu desempenho escolar e levando muitas delas a abandonarem a escola”, explica a integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, Cássia Jane, que coordenou a pesquisa aplicada nos diversos bairros do município de Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana de Recife.

O diagnóstico, protagonizado e conduzido por meninas e jovens mulheres cabenses, é parte do projeto “Meninas em Movimento pela Educação”, realizado pelo Centro das Mulheres do Cabo com o apoio do Fundo Malala e a cooperação técnica da Prefeitura do Cabo. O projeto dá suporte a cerca de 90 meninas para atuarem como ativistas por melhores condições nas escolas públicas em que estudam e a se engajarem na promoção da igualdade de gênero no ambiente escolar. Entre os objetivos do projeto estão identificar as causas e combater a evasão escolar, além de implementar um plano para aprimorar as políticas públicas relacionadas à promoção do direito à educação de meninas e jovens mulheres do município, com foco em igualdade de gênero e raça.

Pesquisas globais do Fundo Malalala mostram que o aumento das taxas de pobreza, responsabilidades domésticas, trabalho infantil e gravidez na adolescência afetaram desproporcionalmente a capacidade das meninas de aprender durante a pandemia, impedindo o retorno delas à escola.


Saiba mais: Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais


Depoimento de menina

Das 96 meninas e jovens entrevistadas, 72,9% residem em oito bairros e comunidades de Cabo de Santo Agostinho: Vila Claudete, Bairro São Francisco, Nova Tatuoca, Gaibu, Engenho Mercês, Enseadas do Corais, Alto da Bela Vista e Cidade Garapu. A pesquisa também foi realizada com os/as gestores/as das escolas públicas, profissionais de saúde e conselheiros/as tutelares.

Sobre a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala

Inspirado pelas raízes de Malala e Ziauddin Yousafzai como ativistas locais no Paquistão, o Fundo Malala estabeleceu em 2017 a Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) para investir, apoiar o desenvolvimento profissional e dar visibilidade ao trabalho de mais de 80 educadores de oito países que trabalham a nível local, nacional e global em defesa de mais recursos e mudanças políticas necessárias para garantir educação secundária a todas as meninas. O Fundo Malala apoia educadores no Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia. No Brasil, a Rede é formada por 11 educadoras e educadores dedicados a construir esforços coletivos pela educação escolar de qualidade nas regiões do país onde a maioria das meninas não frequenta o ensino secundário, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas.

Serviço:

O quê: Lançamento do Diagnóstico Participativo sobre a Evasão Escolar das Meninas e Jovens Mulheres do Cabo de Santo Agostinho

Local: Centro Administrativo Municipal CAM 1, Torrinha Centro do Cabo

Quando: 29 de março, às 14h

Mais informações:

Cássia Jane – Integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil
(81) 98883.3584

Assessor de Comunicação do Centro das Mulheres do Cabo
(81) 99511.1987

Ativismo e meio ambiente: a juventude na COP26

Que temas têm mobilizado jovens que lutam pelo meio ambiente no mundo? Em entrevista, Samela Sateré-Mawé e Alicia Lobato destacam a incidência da juventude na COP

Imagem de destaque da matéria "Ativismo e meio ambiente: a juventude na COP 26", do portal Gênero e Educação. Na imagem está Samela Sateré-Mawé, Alicia Lobato e Txai Suruí (fotos: Reprodução/Divulgação)

Queremos a decolonização do sistema, por isso teve muita participação da sociedade civil, da juventude, da população preta e periférica, dos povos indígenas porque nós queremos discutir ações eficazes para a preservação do meio ambiente, para o bem do planeta, porque nós somos os mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas”. 

Esta é Samela Sateré-Mawé. O povo Sataré-Mawé é da Terra Indígena Andirá-Marau, no Baixo Rio Amazonas. Ela tem 25 anos, estuda Biologia na Universidade do Estado do Amazonas, escreve para o blog Jovens Cidadãos da Amazônia e integra a Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas (MAKIRA E’TA) e a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB). Ela atua e mora na Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism), localizada na periferia da cidade de Manaus (AM). Ela é uma das jovens mulheres indígenas que foram à Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, a COP26.  

Em entrevista à Gênero e Educação, Samela Sateré-Mawé destacou que a juventude tem sido fundamental na luta pela justiça climática e ambiental, pois as e os jovens, segundo ela, teriam um grande poder de mobilização, pois desejam realizar coisas, transformar suas vidas, seus futuros e o futuro das próximas gerações. Samela acrescenta que, devido à sua origem indígena, seu envolvimento com o meio ambiente seria ancestral. 

Quando nós nascemos indígenas, nós não temos um período em que decidimos lutar pela causa ambiental. A gente já nasce na luta. Comigo não foi diferente, eu nasci na Amism, onde sempre teve a luta pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas, muito presente desde a minha infância. A causa indígena e a causa ambiental sempre estão juntas porque nós os indígenas somos os principais defensores do meio ambiente, somos os principais guardiões do território, desde a invasão”, diz Samela.

A ‘invasão’ a que Samela se refere foi a chegada dos europeus por aqui, explorando nossos territórios, fauna e flora e escravizando os povos originários para alimentar sua riqueza. Passados mais 500 anos da colonização do continente latino-americano, as lideranças européias atuais, assim como outras lideranças mundiais, têm expressado alguma preocupação com as questões ambientais nos últimos anos. Ainda que esta preocupação seja mais motivada pelos impactos econômicos da destruição da natureza do que propriamente uma conscientização sobre o antropoceno¹, é importante reconhecer que encontros como a COP têm sido importantes uma vez que provocam debates e resoluções para a sobrevivência da humanidade. 

Neste ano, segundo a jornalista Alicia Lobato, um dos principais temas debatidos no encontro foi o Brasil: “Em linhas gerais, teve muita pauta sobre o Brasil, o desmatamento da Amazônia, o tratamento dado aos indígenas, o Marco Temporal, a omissão do atual governo em relação às questões ambientas. Além disso, a juventude – de diversos países – demonstrou interesse particular na justiça climática”.

Alicia Lobato, tem 23 anos, é paraense e ingressou no ativismo pelo clima em 2018. Ela decidiu fazer jornalismo, pois acreditava que como ativista não era ouvida e entendia que o trabalho com comunicação possibilitaria disseminar informações sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas para mais pessoas. Seu trabalho tem sido tão importante que foi convidada para ir à Glasgow, representando a Amazônia Real, um dos principais canais de notícias sobre a região. 

A jornalista afirma que a juventude teve uma grande incidência política na COP: “Pode não parece pra gente aqui, mas fiquei impressionada, especialmente nos dias de protestos. São adolescentes e jovens com interesse real, formação, discurso, que se articulavam e tentavam dialogar com os políticos. Lembro muito das falas dos jovens da Coalização Negra por Direitos, por exemplo. Vi os jovens brasileiros subindo nos plenários, palanques dos atos, mostrando que o Brasil está ativo no debate. Mas eu ainda sinto falta de um debate sobre a população e as questões do norte do Brasil”, diz Alicia.

O termo justiça climática, que segundo as entrevistadas Alicia e Samela foi muito debatido entre os jovens presentes no encontro, sugere que se deve ir além das mudanças na condução, criação e adoção de políticas ambientais, mas que os países devem considerar os fatores que provocam e reforçam as desigualdades socioeconômicas que afetam mais drasticamente as populações pobres, periféricas, negras, indígenas e de mulheres. Trata-se, segundo Alicia, de ouvir estas populações que devem ter poder decisão em espaços como a COP.

Todo mundo está sentindo os efeitos das mudanças climáticas, mas tem grupos que sentem mais que os outros. Então, ter jovens, mulheres, indígenas e negros lá na COP é muito importante. Vi poucos debates oficiais entre a questão climática e de gênero. Sinceramente, acho que só quem consegue fazer essa conexão são as mulheres que estão sentindo. Eu sempre uso como exemplo o caso das cheias na Amazônia. O nível dos rios está aumentando cada vez mais, batendo recorde atrás de recorde, e quem está nas casas passando necessidades pra cuidar de seus filhos são as mulheres. Elas que não podem sair de casa porque ficam com medo de seus filhos caírem nas águas. Só quem tá vivendo isso ali, é quem deveria falar num evento desse, sabe? É essa pessoa que consegue expor porque que o gênero está ligado com as questões climáticas e ambientais”, conclui a Alicia Lobato.

Em complemento à perspectiva da jornalista, Samela Sateré-Mawé afirma o seguinte “nós não queremos mais só homens brancos e pessoas que estão no poder, que tem um cargo político tomando decisões por nós. Nós queremos também estar nos espaços de tomadas de decisão. Fomos pra COP26 com a temática da demarcação das terras indígenas, porque nós sabemos que os 13% de terras indígenas no Brasil também são as áreas mais preservadas, que mais têm a preservação da fauna, da flora e da biodiversidade, então queremos a demarcação do nosso território pra poder lutar pelo meio ambiente”.

Para Samela, as principais reivindicações dos grupos indígenas e dos jovens tanto na COP26 quanto aqui no Brasil estão relacionadas ao direito às suas terras. “Nossas principais reivindicações são o direito à terra. Por muito tempo não houve demarcação de terras indígenas, entra presidente, sai presidente, e não há o processo de demarcação. A gente vê vários projetos de lei dentro do Congresso Nacional que visam levar em consideração o Marco Temporal, que é um marco genocida, e que diz que as terras dos povos indígenas são nossas só a partir da Constituição de 88. Mas nós somos povos originários, nós estávamos aqui desde sempre, antes de Estado, de Leis, de Constituição e de fronteiras”, reclama.

Por falar em Congresso, vale lembrar que enquanto essas jovens ativistas lutam por justiça climática, a bancada ruralista, juntamente com o Palácio do Planalto e os mineradores se empenham para aprovar projetos que mudam as normas ambientais no país. Além disso, ministros autorizam atividades de mineração em áreas protegidas no Amazonas, o desmatamento da Amazônia Legal aumenta em 22%, batendo o recorde dos últimos 15 anos, garimpeiros tomam livremente o rio Madeira, entre outras notícias estarrecedoras que nos fazem concordar com o pensamento de Samela e de tantos outros ativistas presentes na COP26: “O principal entrave do Brasil para a preservação do meio ambiente é o próprio governo. A gente vê a desestruturação de órgãos que deveriam cuidar dos povos indígenas e do meio ambiente como o IBAMA, o ICMBio. Diariamente, a gente vê afrouxamento das leis de crimes ambientais. A gente vê regulamentação de mineração em terras indígenas, facilitação de processos de grilagem. Então, há uma política genocida e ecocida dentro do Brasil”.

¹  Período geológico caracterizado pelo impacto do homem na Terra.


Nós do Gênero e Educação, dedicamos esta matéria a todas e todos os jovens ativistas que lutam por justiça climática aqui no Brasil e no mundo. Gostaríamos de registrar publicamente nosso apoio e solidariedade àqueles que têm sido agredidos virtualmente e recebido ameaças como, por exemplo, a indígena Txai Suruí que fez uma fala belíssima na abertura da COP 26.

Só para meninas: 600 vagas para mergulhar no mundo científico

Projeto Astrominas da USP recebe inscrições de alunas de 14 a 17 anos para imersão on-line em atividades sobre Astronomia, Física, Oceanografia, entre outros temas.

Imagem alaranjada destacando garota com mochilas nas costas vestindo uma camisa com a seguinte frase "faça ciência como uma garota". Há meninas circulando atrás da da garota com a camiseta..

Se você tem entre 14 e 17 anos, se identifica com o gênero feminino (cis e trans) e tem acesso à internet, pode se inscrever na segunda edição do Astrominas. Ao longo de três semanas, as meninas participarão de experimentos, elaboração de murais, rodas de conversa, debates sobre universidade e ainda palestras de Astronomia, Geofísica, Ciências Atmosféricas, Oceanografia, Matemática, Física, Geociência e Química.

Tudo com a supervisão de um time de fadas-madrinhas: alunas, pesquisadoras e professoras da USP. E o melhor, sem nenhum custo. As atividades serão totalmente on-line, de segunda a sexta-feira, e com duração média de três horas por dia. 

As inscrições vão até 7 de junho por meio deste formulário on-line. A previsão é para 600 vagas que serão assim distribuídas: 20% entre estudantes de grupos PPI (pretos, pardos e indígenas), 60% para alunos de escolas públicas (PPI e não PPI) e 20% para escolas privadas (PPI e não PPI).

A seleção ocorrerá por meio de um sorteio, no dia 11 de junho, que será transmitido ao vivo e as listas de sorteadas serão disponibilizadas no site do Astrominas.

O regulamento completo está disponível aqui. As atividades começam no dia 28 de junho e terminam em 23 de julho.

Astrominas

“Empoderando meninas através da ciência.” Esse é o lema do Astrominas, um projeto que nasceu do desejo de mulheres do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, em São Paulo, de atrair mais jovens alunas para a universidade. 

Atualmente, o projeto é coordenado pela professora Elysandra Figueredo Cypriano e tem na comissão organizadora a também professora Lilian Maria Soja e as alunas de graduação: Daniele Honorato, Ivanice Avolio Morgado, Marina Izabela e Pâmela Querido. E conta com a participação de um grande time de universitárias, pesquisadoras e professoras da USP.

“Nosso objetivo é facilitar o acesso de jovens alunas à universidade, estreitando o contato dessas com mulheres cientistas – estimulando, assim, a escolha e a manutenção das carreiras de Ciência e Tecnologia- desconstruindo a ideia de que as ciências exatas não são para meninas”, descrevem no site do projeto.

Edição 2021

Quem pode participar: pessoas que se identificam com o gênero feminino (cis e trans), que tenham entre 14 e 17 anos de idade completos até 30 de julho e que estejam regularmente matriculadas em uma escola de educação básica

Inscrições: de 3 de maio a 7 de junho, por meio do formulário neste link

Vagas: previsão de 600 (o total de vagas oferecidas poderá ser ampliado até a data do sorteio). A seleção será feita por meio de um sorteio no dia 11 de junho de 2021, que será transmitido ao vivo, e as listas de sorteadas serão disponibilizadas no site do Astrominas

Período das atividades: 28 de junho a 23 de julho

Como será o Astrominas: totalmente on-line, segunda a sexta-feira, com dedicação de três horas diárias.


Fonte: Jornal USP