Como o ultraconservadorismo afeta a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira?

Mesmo 20 anos depois de sua promulgação, Lei 10.639/03 tem problemas de implementação, que se intensificaram pelo avanço de políticas ultraconservadoras como a militarização e racismo religioso

Quando a lei 10.639/03 entrou em vigor, logo no início de 2003, fruto de décadas de atuação dos movimentos negros, a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira tornou-se obrigatória no currículo escolar. Na época da promulgação, a expectativa era que a nova lei começasse a desmontar um currículo historicamente racista, guiado por um viés branco e eurocêntrico. Vinte anos depois, quando toda uma geração já poderia ter sido impactada pela lei, ela permanece tendo alcance e sucesso limitado. Entre outros motivos, pelo avanço do ultraconservadorismo no Brasil, cuja ideologia – traduzida em leis e políticas – vai na direção contrária do que prevê a 10.639/03. 

A lei 

A 10.639/03 foi promulgada no dia 9 de janeiro de 2003 e alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regulamenta a organização e o funcionamento da educação no Brasil. A lei incluiu o artigo 26-A, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura africana e afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Para Ednéia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva da Ação Educativa, a mudança na LDB trazida pela lei 10.639/03 foi “sobretudo um movimento de afirmarmos, enquanto nação, a existência do racismo – e de reconhecer que ele é um problema do presente e não só do passado, e que portanto precisamos enfrentá-lo para que as desigualdades que dele decorrem não se perpetuem ainda mais”. 

O objetivo geral da 10.639/03 é resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. Não através da criação de uma disciplina específica, mas sim demandando que o conteúdo esteja presente em todas as disciplinas do currículo escolar. Cinco anos depois, em 2008, a lei 11.645 também incluiu no currículo escolar o ensino da história e cultura dos povos indígenas.

O caminho até a promulgação da Lei 10.639/03 foi longo, sendo precedida por vários outros marcos importantes. O vídeo abaixo, iniciativa do Projeto Seta – Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista, ilustra este processo em menos de 2 minutos:

20 anos de desafios

Mesmo vinte anos depois de sua promulgação, apenas 29% das secretarias municipais de ensino intencionalmente desenvolvem ações para aplicar a 10.639, segundo a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana. O levantamento mostra ainda que as ações e iniciativas estão concentradas em datas comemorativas, e não de forma perene ao longo do ano letivo. Ou nem isso, já que 18% dos municípios declararam não realizar nenhum tipo de ação para assegurar a aplicação da lei.

“Isso é muito sério porque a 10.639 é LDB, então isso significa que há uma porcentagem muito pequena de municípios cumprindo a legislação educacional”

Ednéia Gonçalves


Os desafios para a implementação são muitos, e incluem a formação de educadoras e educadores, desconhecimento de como aplicar a lei, a [falta de] destinação orçamentária, de apoio de gestores ou de comprometimento político – desafios que são comuns a outras políticas públicas no Brasil. Mas além dos desafios padrão, há ainda desinteresse ou mesmo resistência na aplicação desta lei em específico já que ela evidencia as estruturas racistas e desiguais da sociedade e da formação escolar. Um dos dados mais interessantes da pesquisa realizada pelo Geledés e pelo Instituto Alana é que não apenas a implementação da lei é baixa, mas os temas mais difíceis ficam de fora. Enquanto a diversidade cultural foi o tema citado por 60% dos gestores como o mais importante de ser trabalhado nas escolas, temas relacionados a construções de privilégios históricos e letramento sobre questões raciais foram citados por somente 3%. “Ou seja, ainda se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios”, conclui a pesquisa. 

Em meio a tantos desafios de implementação, o cenário político do país mudou consideravelmente, e intensificaram-se processos como os ataques à laicidade, a militarização das escolas, e a censura, perseguição ou mesmo criminalização de debates sobre gênero, raça e sexualidade no ambiente escolar. Todos estes são avanços ultraconservadores na Educação e impactam diretamente a lei 10.639/03. 

O ultraconservadorismo e seus impactos na educação

Como o nome indica, conservadorismo [e ultraconservadorismo] são visões de mundo que pretendem manter certas estruturas [ou retroceder a estruturas passadas. Na educação brasileira, o projeto ultraconservador reúne diversas agendas – como educação domiciliar, Escola sem Partido, criminalização de debates sobre gênero e sexualidade, militarização das escolas e combate à “ideologia de gênero”. Todas essas pautas ganharam força no Brasil na última década, ameaçando a laicidade da educação, a democratização e participação social, a construção de visões críticas e questionadoras e a liberdade de aprender e ensinar. Estes movimentos não são novos, e um marco importante da história recente foi a construção do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2013, quando o termo “gênero” esteve sob ataque e acabou suprimido do texto final.

É verdade que as dificuldades de implementação da lei 10.639/03 vêm de antes das recentes políticas ultraconservadoras. Isto é, que não é apenas no ultraconservadorismo que há resistências ou desafios para fazer valer essa legislação. No entanto, se não é apenas no ultraconservadorismo que a lei tem dificuldade para avançar, impor obstáculos a ela é parte fundamental deste projeto, que também é um projeto racial. “[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nas últimas décadas”, define Flavia Rios, diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Flavia explica que, enquanto as lutas dos movimentos negros partem do pressuposto que há desigualdades e racismo no Brasil e de que é preciso enfrentá-las para conquistar a igualdade efetiva, o discurso ultraconservador “acredita em um mito de democracia racial, defendendo a ideia de um povo único e homogêneo. Nega a escravidão, o preconceito racial, as desigualdades; deslegitima movimentos sociais e, por consequência, suas conquistas”. Ou seja, implementar a lei 10.639/03 é ir no sentido contrário do que prega esta ideologia. 

“[O ultraconservadorismo] vai contra a igualdade racial, contra tudo que foi bravamente conquistado nos últimas décadas”

Flávia Rios


Ednéia Gonçalves, educadora e socióloga, destaca que, ao negar as opressões, o campo ultraconservador “nega a existência de uma narrativa da resistência” – e por isso a efetivação da lei 10.639/03 é tão fundamental. “Defendemos a necessidade de reparação, o que passa pelo reconhecimento dos nossos saberes, conhecimentos e de nossas narrativas contra as opressões. Esse movimento age contra o movimento de repensar a história do país”, diz.

É também esta a avaliação de Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB), que defende que a 10.639/03 em si é uma lei contra o conservadorismo – entendido como uma política de conservar uma cultura patriarcal, racista e classista.

“O desafio no Brasil, e isso não só em relação a esta lei, é fazer o marco legal se transformar em realidade, porque assim que ele é estabelecido os ultraconservadores desenvolvem ações e ocupam espaços para impedir os avanços necessários – seja em ações diretas de perseguição ou em ofensivas como as curriculares”

Catarina de Almeida Santos


Um exemplo de ofensiva curricular foram as intervenções nos livros didáticos que chegam aos cerca de 50 milhões de estudantes da rede básica brasileira. Em 2021, o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi alterado, com supressão dos temas de gênero, raça e sexualidade e da nomeação das violências baseadas nessas características. Pelo edital, a violação de direitos humanos também deixou de ser um critério eliminatório. Foi só em maio de 2023 que essa decisão foi revertida por meio de uma ação da sociedade civil. Mas ainda há outros fenômenos em curso que dificultam o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas, como os ataques à laicidade e a crescente militarização da educação. 

Ataques à laicidade e racismo religioso

A Constituição de 1988 determina que vivemos em um Estado laico – isto é, sem religião oficial e com a obrigação de acolher e proteger todas as crenças, inclusive a não religião. Mas este sempre foi um desafio. Por exemplo, apenas cinco anos depois da promulgação da lei 10.639/03, em 2008, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano que previa, entre outros pontos, o ensino religioso confessional “católico e de outras religiões” em escolas públicas. A assinatura deste acordo, que foi muito combatida pela sociedade civil e por movimentos comprometidos com a educação pública e laica, foi apenas uma das iniciativas dos anos seguintes que atentaram contra a laicidade da educação. 

No Brasil, o enfraquecimento da laicidade no ensino está diretamente relacionado à intolerância e discriminações contra as religiões de matrizes africanas, o que acarreta racismo religioso. E sendo a valorização da cultura africana e afro-brasileira (o que inclui a religião) um dos pontos da lei 10.639/03, aumenta a resistência em aplicá-la nas salas de aula. “Falar da África, um continente diverso, é também falar de religião – mas não só. E a lei obriga a considerar que existe uma cosmovisão que é parte desse continente”, resume Ednéia Gonçalves. “Mas a realidade é que nos deparamos com a negação da liberdade religiosa e da laicidade, e com a tentativa de imposição de só uma visão de mundo, que é cristã e que é preponderante no Brasil”, acrescenta a educadora e socióloga. A socióloga e professora da UFF Flavia Rios destaca a estratégia explícita do campo ultraconservador de penetrar no mundo educacional, enfatizando que, no Brasil, o discurso homogeneizador e ultranacionalista é focado apenas nas religiões cristãs, “o que afeta a [lei] 10.639 na medida que é uma legislação que versa sobre diversidade cultural, étnica e religiosa”. 

Edneia Gonçalves também destaca o avanço destes projetos de poder nas escolas, identificadas como espaço privilegiado também pelo campo ultraconservador. “Eles viram no ambiente escolar a possibilidade de reafirmar uma hierarquia com relação ao sagrado, o que é extremamente violento, uma das piores e mais violentas manifestações do racismo”, diz.

Um caso recente ocorrido na cidade de São Paulo evidencia a escalada dessa violência: um estudante negro foi cercado e espancado por outros sete estudantes, que proferiram ofensas racistas e homofóbicas a ele. A provocação iniciou-se justamente após a mãe do estudante ser citada em sala de aula como referência na defesa dos direitos das religiões de matriz africana. Os ataques verbais ao aluno e sua mãe duraram alguns dias e culminaram em violência física. 

Apesar de casos como esse, é possível trabalhar o assunto nas escolas. A pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, realizada em 2022 pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e coordenada pela Ação Educativa e pelo CENPEC, mostrou que, na verdade, a população brasileira apoia a discussão sobre gênero, raça e sexualidade na escola, bem como tem opiniões progressistas em relação à militarização das escolas e à educação religiosa. Não apenas a abordagem das questões raciais nas escolas tem grande apoio entre a população (mais de 90%), como a grande maioria defende que a escola deve ser um ambiente de tolerância religiosa, inclusive para adeptos de religiões de matriz africana (candomblé, umbanda etc.) e para aqueles que não professam religiões. 

Militarização 

A pesquisa também aponta que, para grande parte dos entrevistados, professores são mais confiáveis do que militares no ambiente escolar. Uma constatação importante em um Brasil com a educação cada vez mais militarizada – agenda que acelerou após a criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), de 2019 e que segue em vigor.  

Para Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e referência na temática de militarização no Brasil, a relação é direta: militarização e implementação da lei 10.639/03 são incompatíveis. Isso porque todo o esforço por trás da lei 10.639/03 é fazer com que a escola seja de todos e todas, que todas as narrativas, histórias e saberes tenham voz, ao passo que as escolas militarizadas operam por uma lógica de padronização. “O sujeito da lei 10.639/03 não cabe nessa escola: o cabelo não cabe, a cor não cabe, a condição social não cabe, nada cabe”, resume Catarina, que defende que a padronização – de cabelos, aparência, de ideias – têm como efeito a negação dos sujeitos que ali estão. 

Alguns exemplos dessa negação das identidades mostram mesmo que os alvos são os grupos já historicamente silenciados ou invisibilizados, como a população negra, as mulheres e pessoas LGBTQIA+. Em março de 2022, uma estudante baiana negra foi impedida de entrar em sua escola [militarizada] por conta do cabelo crespo, recebendo a ordem de alisá-lo. No mesmo mês, em Santa Catarina, alunas receberam advertência por levar uma bandeira LGBT para a escola. Ou seja, enquanto a lei 10.639/03 exige a valorização da contribuição e da cultura afro-brasileira e africana, as escolas militarizadas trabalham com um padrão baseado em ideais brancos e heteronormativos. 

Fortalecer a resistência

A realidade mostra os muitos desafios para que o ensino da história africana e afro-brasileira se concretize em todas as escolas do país, ainda que mais de duas décadas após a aprovação da lei correspondente. Mas também não faltam exemplos de resistência e de pessoas trabalhando para que isso aconteça. Para Ednéia Gonçalves, socióloga e educadora, valorizar e fortalecer estes casos é o caminho para começar a mudar o cenário de baixa implementação da 10.639/03. “O estrago nos últimos anos só não foi maior porque dentro das escolas estudantes, professoras e professores e profissionais da gestão escolar resistiram. Isso também é parte do aprendizado da luta antirracista”, diz. 

Na mesma linha, a professora da UnB Catarina de Almeida Santos enfatiza que “não há nenhuma outra forma de fazer com que [a lei] se concretize a não ser continuar lutando, debatendo com a comunidade, com a juventude, ocupar o debate nas ações cotidianas”. Leis como a 10.639/03 e a 11.645/08 fortalecidas e consolidadas na sociedade, talvez sejam algumas das melhores ferramentas para evitar que uma nova onda conservadora possa ganhar tanto espaço na educação e no país, ameaçando legislações duramente conquistadas ao longo de décadas. 

Acesse e baixe gratuitamente o material “Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola” para auxiliar na avaliação da implementação da lei 10.639/03 em sua escola.

Educação antirracista e o papel da escola: entrevista com Luana Tolentino

Em seu novo livro, Luana Tolentino convida escolas a refletirem sobre as violências de raça e gênero e se comprometerem por uma educação antirracista

Educação antirracista e o papel da escola: entrevista com Luana Tolentino

Ter uma educação ativamente antirracista e antissexista é fundamental para garantir o direito à cidadania plena para crianças, adolescentes e jovens. É disso que trata o novo livro da educadora e escritora Luana Tolentino. Sobrevivendo ao racismo: Memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil (editora Papirus 7 Mares) reúne textos publicados na revista Carta Capital que abordam vivências da própria Luana e notícias recentes, buscando sensibilizar quem lê para se engajar na transformação da realidade. 

Com uma longa trajetória na educação, Luana Tolentino atualmente tem se dedicado à formação inicial e continuada de professores. Ela compõe o novo comitê de seleção do Edital Igualdade de Gênero na Educação Básica 2023, promovido pelo projeto Gênero e Educação, da Ação Educativa. Em sua terceira edição, o Edital celebra os 20 anos da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação pela Lei n. 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. Dessa forma, o edital irá valorizar propostas que articulem as dimensões de gênero e raça.

Conversamos com Luana sobre seu novo livro e o lançamento em São Paulo, que será realizado no dia 20 de junho, às 19h, na Livraria da Travessa (Rua dos Pinheiros, 513). 

Você pode contar um pouco sobre seu novo livro, Sobrevivendo ao racismo? Como foi o processo de organizar memórias e situações mais recentes sobre o impacto do racismo para a experiência de estudantes negras/os?

Os textos que compõem o livro foram escritos entre 2017 e 2022 e foram publicados na coluna que eu mantenho na Carta Capital. Eu queria lançar um livro novo e, garimpando que livro seria esse, me veio que eu tinha muitos textos falando sobre a questão racial e os impactos do racismo na educação. São textos, especialmente, em que eu aparecia muito – trazendo a questão da memória, trazendo a Luana menina, para pensar a questão do racismo. E a partir dessas memórias, é fazer com que as pessoas possam refletir a respeito dos impactos do racismo na trajetória de crianças e adolescentes negras, principalmente no contexto escolar, no espaço educacional.

Estamos num momento muito singular da luta racial, pela promoção da educação antirracista. Nós percebemos, sobretudo por parte dos educadores que estão no chão da escola, todo um trabalho de implementação da Lei n.10.639, que tornou obrigatório em 2003 o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em instituições públicas e privadas. E esse engajamento e compromisso vem acompanhado também de muitas denúncias de racismo no contexto escolar, de violências, negligências, equívocos, de questões racistas na promoção de práticas pedagógicas.

Trazendo para o livro, eu trato de transformar em crônica esses episódios que têm circulado muito na mídia e nas redes sociais, de modo a fazer com que as pessoas reflitam sobre isso, sobre de que maneira nós vamos enfrentar e de trabalhar para que fatos como os que eu cito não se repitam. Tem as minhas histórias, que se cruzam com esses fatos, e reflexões sobre esses fatos. É uma escrita muito ocupada, muito pensada para sensibilizar os leitores – sejam educadores ou de outras esferas profissionais –, com o sentimento e o desejo de que as pessoas assumam um compromisso com o combate ao racismo.

Como você vê a articulação entre as dimensões de gênero e raça no cotidiano escolar?

Tem duas autoras, que inclusive eu cito no livro: a escritora afro-americana Toni Morrison e a Viola Davis, por quem eu sou perdidamente apaixonada. Toni Morrison diz que a menina negra é a mais vulnerável das criaturas. Já a Viola Davis diz que a soma de pobreza e racismo é brutal para essas meninas. Então não é possível pensar a questão de gênero sem fazer um recorte, um atravessamento de raça, quando se trata do contexto educacional, já que as meninas fazem parte do grupo mais vulnerável no espaço escolar.

Se sobre os meninos negros incide a violência física, sobre as meninas pesa a violência física, a violência simbólica e a invisibilidade. Ao se pensar o enfrentamento do racismo e as políticas públicas de promoção da equidade racial no contexto educacional, é preciso fazer essa interseccionalidade de gênero e raça, já que esse grupo tem ficado para trás no contexto educacional e nas políticas públicas. 

Como a sociedade pode se engajar para que estudantes não apenas sobrevivam ao racismo, mas tenham acesso a uma educação que de fato enfrente as desigualdades raciais?

Há uma grande diferença entre sobreviver e viver. E a nós negros têm sido negado o direito de viver em plenitude, já que ainda tem sido negado o direito à educação a nós: o direito de ingressar, permanecer e ter uma trajetória exitosa nos espaços escolares. Tem sido negado o direito à saúde, à moradia, ao trabalho. Tem sido negada ainda a nossa condição de gente, tem sido negada diariamente a nossa humanidade.

É fundamental que toda a sociedade se engaje para que a trajetória da população negra não seja apenas uma trajetória de sobrevivência, mas que seja garantido a esse grupo o direito à vida e cidadania plena. E a escola tem um papel fundamental nesse processo, ela precisa ser o espaço de reconhecimento e de valorização da diversidade étnico-racial, da comunidade negra e das contribuições da população negra para a construção desse país. Ao fazer isso, a escola estará se colocando no lugar de garantir o direito à vida a pessoas como eu, a crianças, a jovens, a adolescentes negros e negras desse país.

Inscrições para a Semana de Ação Mundial 2022 são prorrogadas até 15 de maio

Nova edição da SAM vai incentivar entrega de uma Carta Compromisso a candidaturas nas eleições em prol do direito à educação.

Inscrições para a Semana de Ação Mundial 2022 são prorrogadas até 15 de maio

As inscrições para a 19ª Semana de Ação Mundial (SAM), maior ação coletiva em prol da educação do planeta, foram prorrogadas até 15 de maio. A SAM 2022 vai acontecer entre os dias 20 e 27 de junho e tem como tema ‘Compromisso para a eleição: não corte da educação!’.

De 2003 a 2021, a Semana já mobilizou mais de 90 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo cerca de 2 milhões de pessoas apenas no Brasil.

As inscrições para realizar uma atividade da SAM 2022 e para receber os materiais impressos gratuitamente pelos correios podem ser feitas neste link. Haverá certificado de participação mediante envio de relatório das atividades realizadas. Veja mais informações abaixo.

Compromisso para a eleição: não corte da educação!

Com o tema ‘Compromisso para a eleição: não corte da educação!’, a Semana de Ação Mundial 2022 vai promover a participação democrática de todas e todos, em especial das meninas, nas eleições deste ano. 

Em conjunto com ações da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil e das entidades do Comitê Técnico da SAM 2022, as atividades da SAM terão como um dos objetivos a entrega de uma Carta Compromisso para adesão de candidaturas das Eleições 2022, se comprometendo com a educação como um direito para todas as pessoas.

“Essa é uma oportunidade para debater a prioridade da educação na agenda política brasileira em um cenário de recuperação lenta da pandemia de Covid-19. Para tal, será necessário mais e melhor financiamento, assim como um sistema educacional público, gratuito, acessível e inclusivo fortalecido”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil 

Com uma série de materiais disponíveis no site, como o Manual da SAM 2022,, a SAM propõe temas a serem trabalhados em atividades autogestionadas realizadas por professores, famílias e responsáveis, e estudantes, toda a comunidade educacional, gestores, conselheiros, tomadores de decisão e todas as pessoas preocupadas com a garantia do direito à educação. 

Além de apoiar a SAM 2022 e construir a Carta Compromisso, a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil desenvolve um Manifesto das Meninas, por uma educação antirracista e não sexista. Esse documento, que será construído por um comitê de meninas dos projetos da Rede, também será usado como uma ferramenta de incidência política das meninas nas Eleições de outubro.

Plano Nacional de Educação

Os dias de evento também incluem a data de aniversário do Plano Nacional de Educação (PNE), dia 25 de junho de 2014, quando foi sancionado. Assim, a SAM brasileira continua dedicada, desde 2015 e até 2024, ao monitoramento da implementação do PNE, que é o nosso principal caminho para que toda a população brasileira possa ter acesso a uma educação pública de qualidade, da creche à universidade.

Junto com os materiais disponibilizados no site da Semana de Ação Mundial, haverá a divulgação de uma série de cartelas do Balanço do PNE, que atualiza diversos dados educacionais e aponta patamares de cumprimento e, infeliz e especialmente, de descumprimento de cada uma das 20 metas do PNE. É também um valioso material para as atividades realizadas. Estamos na reta final do período para o cumprimento das metas (2014-2024) e ainda nenhuma delas foi integralmente cumprida!

Inscreva-se na Semana de Ação Mundial 2022

Para participar, acesse o portal da SAM 2022 e baixe os materiais digitais de divulgação virtual para já começar a mobilização para suas atividades. Basta acessar a aba “Materiais”

Assim que realizar as atividades, o participante deve postar as fotos, vídeos e relatos! Assim como divulgar nas redes sociais usando as hashtags #SAM2022, #EducaçãoNasEleições2022 e #NãoCorteDaEducação.

Certificado

Para receber um certificado de participação, a/o participante deve preencher o formulário no site semanadeacaomundial.org, indicando as atividades que pretende realizar com os materiais de apoio.

Logo após a Semana de Ação Mundial, a/o participante deve escrever um breve relatório das atividades realizadas, informando também o número de pessoas mobilizadas – anexando fotos e vídeos, autorizando ou negando sua divulgação. Para mais informações, escreva para sam@campanhaeducacao.org.br.

Realização

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Comitê Técnico da Semana de Ação Mundial 2022

Ação Educativa
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)
Centro das Mulheres do Cabo (CMC)
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
Escola de Gente – Comunicação em Inclusão
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Mais Diferenças
Projeto Mandacaru
Redes da Maré

Apoio

Campanha Global pela Educação
Fundo Malala
Plan International Brasil
Visão Mundial

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Ação Educativa
ActionAid
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Rede Escola Pública e Universidade (Repu)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)

Assessoria de imprensa

Renan Simão – assessor de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
comunicacao@campanhaeducacao.org.br
(11) 95857-0824

Centro das Mulheres do Cabo, com apoio do Fundo Malala, lança pesquisa evasão escolar de meninas e jovens mulheres

O diagnóstico conduzido e protagonizado por meninas e adolescentes traça o perfil das alunas que estão fora da escola no município de Cabo de Santo Agostinho (PE) e identifica o impacto da evasão escolar na vida das estudantes.

Imagem de "Centro das Mulheres do Cabo, com apoio do Fundo Malala, lança pesquisa evasão escolar de meninas e jovens mulheres", matéria no site Gênero e Educação. Duas garotas aparecem estudando

Nesta terça-feira, 29 de março, às 14h, será realizado, no Centro Administrativo Municipal (Cam1), na Torrinha, o lançamento do Diagnóstico Participativo sobre a Evasão Escolar das Meninas e Jovens Mulheres do Cabo de Santo Agostinho (PE), que traça o perfil das adolescentes e jovens mulheres fora da escola, mostrando as causas e os impactos da evasão escolar.

O estudo apresenta ainda recomendações para prevenir a evasão escolar e orientar a busca ativa para o retorno dessas meninas e jovens mulheres à sala de aula, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, considerando, o contexto da pandemia de Covid-19.

Segundo a pesquisa, um dos principais motivos do abandono escolar foi o impacto direto da Covid-19, 37,5% das entrevistadas deixaram de estudar devido à falta de celular com internet, o que as impediu de acompanhar as aulas virtualmente.

A gravidez precoce, também aparece entre as principais causas de abandono escolar. Das meninas entrevistadas, 14,6% tiveram que trabalhar para gerar renda para a própria subsistência e de suas famílias. A interrupção das aulas presenciais foi avaliada como muita negativa pelas meninas: 95,2% delas desejam voltar às aulas presenciais. Para 40% das entrevistadas, as escolas não ofereceram a estrutura necessária para garantir segurança sanitária no contexto de pandemia.

“As meninas e jovens mulheres sofreram mais do que os meninos e rapazes jovens na pandemia, porque o trabalho doméstico, de cuidar da casa e das pessoas idosas, com deficiência ou doentes, recai sobretudo sobre as mulheres que estavam em casa. Ou seja, a pressão em cima dessas meninas e jovens mulheres foi muito maior, impactando negativamente o seu desempenho escolar e levando muitas delas a abandonarem a escola”, explica a integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, Cássia Jane, que coordenou a pesquisa aplicada nos diversos bairros do município de Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana de Recife.

O diagnóstico, protagonizado e conduzido por meninas e jovens mulheres cabenses, é parte do projeto “Meninas em Movimento pela Educação”, realizado pelo Centro das Mulheres do Cabo com o apoio do Fundo Malala e a cooperação técnica da Prefeitura do Cabo. O projeto dá suporte a cerca de 90 meninas para atuarem como ativistas por melhores condições nas escolas públicas em que estudam e a se engajarem na promoção da igualdade de gênero no ambiente escolar. Entre os objetivos do projeto estão identificar as causas e combater a evasão escolar, além de implementar um plano para aprimorar as políticas públicas relacionadas à promoção do direito à educação de meninas e jovens mulheres do município, com foco em igualdade de gênero e raça.

Pesquisas globais do Fundo Malalala mostram que o aumento das taxas de pobreza, responsabilidades domésticas, trabalho infantil e gravidez na adolescência afetaram desproporcionalmente a capacidade das meninas de aprender durante a pandemia, impedindo o retorno delas à escola.


Saiba mais: Os desafios de estudantes do ensino médio na volta às aulas presenciais


Depoimento de menina

Das 96 meninas e jovens entrevistadas, 72,9% residem em oito bairros e comunidades de Cabo de Santo Agostinho: Vila Claudete, Bairro São Francisco, Nova Tatuoca, Gaibu, Engenho Mercês, Enseadas do Corais, Alto da Bela Vista e Cidade Garapu. A pesquisa também foi realizada com os/as gestores/as das escolas públicas, profissionais de saúde e conselheiros/as tutelares.

Sobre a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala

Inspirado pelas raízes de Malala e Ziauddin Yousafzai como ativistas locais no Paquistão, o Fundo Malala estabeleceu em 2017 a Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) para investir, apoiar o desenvolvimento profissional e dar visibilidade ao trabalho de mais de 80 educadores de oito países que trabalham a nível local, nacional e global em defesa de mais recursos e mudanças políticas necessárias para garantir educação secundária a todas as meninas. O Fundo Malala apoia educadores no Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia. No Brasil, a Rede é formada por 11 educadoras e educadores dedicados a construir esforços coletivos pela educação escolar de qualidade nas regiões do país onde a maioria das meninas não frequenta o ensino secundário, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas.

Serviço:

O quê: Lançamento do Diagnóstico Participativo sobre a Evasão Escolar das Meninas e Jovens Mulheres do Cabo de Santo Agostinho

Local: Centro Administrativo Municipal CAM 1, Torrinha Centro do Cabo

Quando: 29 de março, às 14h

Mais informações:

Cássia Jane – Integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil
(81) 98883.3584

Assessor de Comunicação do Centro das Mulheres do Cabo
(81) 99511.1987

Iniciativa De Olho nos Planos lança edital “Planos de Educação Vivos: vamos contar as suas histórias”

Com inscrições até 06 de agosto, o objetivo é resgatar a memória, valorizar o legado e manter vivo o principal instrumento da política pública educacional brasileira.

Imagem de @master1305 em destaque no site Gênero e Educação. Há uma menina negra alegre soltando um grito

A Iniciativa De Olho nos Planos lança nesta quinta-feira, 24/06, o edital de seleção “PLANOS DE EDUCAÇÃO VIVOS: vamos contar as suas histórias!”, com inscrições abertas até dia 06 de agosto.

Por meio do edital, a Iniciativa De Olho Nos Planos, coordenada pela Ação Educativa em aliança com seu Comitê de Parceiros e com a Oxfam Brasil, convida conselhos, fóruns e secretarias de educação, universidades, movimentos estudantis, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, profissionais da educação, coletivos juvenis e/ou estudantis e ativistas a contarem histórias sobre processos participativos de construção e monitoramento dos Planos de Educação em seus municípios, estados e também a nível federal, bem como histórias sobre a importância dos planos e sua situação atual.

Resgate e valorização

O objetivo do edital é resgatar a memória, valorizar o legado e manter vivo o principal instrumento da política pública educacional brasileira, além de valorizar as iniciativas e acúmulos de comunidades escolares, profissionais, estudantes, fóruns, conselhos, secretarias de educação, organizações estudantis, grupos juvenis e coletivos culturais que participaram de processos de construção e monitoramento de Planos de Educação.

+ Acesse a coleção De Olho nos Planos, com materiais sobre os Planos de Educação,  Processos Participativos e mobilização popular

Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n 13.005) reúne metas a serem cumpridas até 2024 para que o país avance na garantia do direito à Educação. Fruto de amplo debate nas Conferências de Educação e de acirrada disputa na tramitação no Congresso Nacional, o PNE sublinha a importância do planejamento educacional, orientando o investimento e a gestão e referenciando o controle social e a participação cidadã. Após sua aprovação, municípios e estados tiveram um ano para elaborar seus Planos decenais de Educação, cujo desafio foi garantir que os mais diversos setores da sociedade participassem e contribuíssem com sua construção. No entanto, desde 2015 o PNE vem sendo esvaziado por sucessivas medidas, como a Emenda Constitucional 95, que  constitucionalizou os cortes por vinte anos e tornou inviável a implementação do PNE. 

Inscrições

Neste edital, serão consideradas as propostas de atividades que contem as histórias em diferentes linguagens (oral, escrita, ilustrada, cantada etc) e suportes (áudio, padlet, vídeo, powerpoint, álbum de fotos etc). As inscrições podem ser individuais ou coletivas. 

Todas as propostas que cumprirem as regras ganharão duas vagas em uma oficina de contação de histórias com Kiara Terra, a ser realizada em agosto, a fim de ter ainda mais insumos para manter vivo esse legado! Kiara Terra é atriz, narradora,escritora,Doutoranda em Estudos da Criança e grande contadora de histórias reconhecida nacionalmente.

Das histórias aprovadas, o Comitê selecionará as dez mais criativas. As autoras e autores receberão uma declaração de reconhecimento público em cerimônia virtual com representantes do Comitê de Parceiros da Iniciativa De Olho Nos Planos e poderão realizar, sem custos e à escolha, uma formação a distância ou presencial da programação 2021 do Centro de Formação Educação Popular e Direitos Humanos da Ação Educativa.

Prazo para inscrições: 06 de agosto de 2021
Divulgação do resultado: 27 de agosto de 2021 

ACESSE O EDITAL COMPLETO E O FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO AQUI

Carta-compromisso pelo direito à educação das meninas negras.

Pesquisa realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra revela que meninas negras são as mais atingidas pelas desigualdades educacionais.

Destaque em Notícias Gênero e Educação. Em arte de colagem, é possível ver uma foto de uma criança negra olhando acenando

É notório que o direito à educação nunca foi realidade para todas as crianças e adolescentes no Brasil. Contudo, a pandemia de COVID-19 tem agravado ainda mais um cenário já bastante comprometido, causando impactos irreversíveis à educação no Brasil, onde a maioria das escolas não conta com o suporte necessário para o oferecimento do ensino remoto ou a distância. No que diz respeito às meninas negras, a pesquisa A educação de meninas negras em tempos de pandemia: o aprofundamento das desigualdades, realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra no município de São Paulo, revela que elas são as mais atingidas pelas desigualdades educacionais.

Os impactos da pandemia na trajetória educacional das estudantes negras evidenciam que o encontro das opressões de gênero e raça determinam lugares e possibilidades distintas na vida em sociedade, limitam sua trajetória escolar e impactam negativamente suas perspectivas de futuro. Ao falarmos de crianças e adolescentes negros, estamos abordando sujeitos que enfrentam privações ainda mais densas no acesso à alimentação adequada, à moradia segura, à permanência na escola, dentre outras violações de direitos que assolam suas vidas.

Destacar a situação das meninas negras não é ignorar as violações que atingem as demais parcelas vulneráveis da sociedade brasileira, mas sim reconhecer que são elas as maiores vítimas do trabalho infantil doméstico, da exploração sexual infantil, da gravidez na adolescência, do casamento infantil, todas estas violações que se agravaram durante a pandemia.

Este cenário indica que quando todas as crianças estiverem preparadas para voltar à escola pós pandemia, as meninas negras não estarão lá, ou estarão em números ainda menores. Por isso, as entidades que subscrevem a presente “Carta-compromisso pelo direito à educação das meninas negras reconhecem a necessidade de olhar para a situação deste grupo específico a partir das suas especificidades e subjetividades, para que nenhuma menina negra fique ainda mais para trás nesta sociedade, já tão desigual onde as crianças e adolescentes negras são as últimas da fila depois de ninguém.

Mais vulnerabilidade, menos acesso

A pesquisa também revelou um efeito dominó causado pela pandemia: a ausência de um tipo de serviço na vida das pessoas ocasiona diversas outros tipos de violações, demonstrando que os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes até mesmo na ausência – não é apenas na garantia dos direitos que eles se somam, mas a ausência de um dos direitos subtrai inclusive aquilo que estiver funcionando. Neste sentido, a criança sem acesso à escola está menos visível e mais vulnerável às situações de violência, têm menos refeições por dia a depender das condições de sua família e seus direitos de aprendizagem estão sendo violados.

As meninas negras, como grupo mais vulnerável, ao tomar medidas específicas para proteger seus direitos, em especial à educação, todas as outras crianças também serão protegidas, contudo, o contrário não garante a proteção de seus direitos. Desta forma, são urgentes as seguintes ações para a garantia e efetivação do direito à educação das meninas negras, e consequentemente de todas as crianças:

1 – Políticas de redistribuição de renda que garantam condições financeiras e segurança para que as famílias em contexto de vulnerabilidade possam cumprir o período de isolamento social;

2 – Acompanhamento e orientação das famílias para a realização das atividades escolares e garantia de outros direitos durante o período de isolamento social;

3 – Disponibilizar equipamentos e o acesso universal à Internet gratuito para estudantes da educação básica e profissionais da educação durante o período de ensino remoto;

4 – Busca ativa de estudantes que evadiram durante o período do ensino remoto, com recorte de raça e gênero, com a realização de pesquisa sobre as condições para o cumprimento das atividades escolares e elaboração de políticas públicas para a permanência desses grupos nas escolas;

5 – Criação de políticas e programas de ações afirmativas na educação voltados aos estudantes negros e às meninas negras, com metas de equalização para a redução das desigualdades educacionais;

6 – Formação de profissionais da educação em raça e gênero;

7 – Implementação de propostas pedagógicas que contemplem raça e gênero;

8 – Monitoramento das condições de vida das crianças e adolescentes nos territórios mais vulneráveis, e acompanhamento da aprendizagem.

CLIQUE AQUI PARA SUBSCREVER A CARTA-COMPROMISSO

Fonte: Portal Geledés

Violações ao direito à alimentação escolar durante a pandemia são objeto de relatório da Plataforma Dhesca

Documento aponta violações ao direito humano à alimentação e indica os casos do Estado do Rio de Janeiro e do município de Remanso (BA) como situações extremas. Relatório apresenta também recomendações.

Em arte de colagem, é possível ver uma foto preto e branco de um prato de comida. No prato há arroz, feijão, alface, carne e abobrinha. Ao fundo da colagem há textura quadriculada.

A Plataforma Dhesca Brasil disponibiliza o Relatório da Missão sobre Violações ao Direito à Alimentação Escolar na Pandemia de Covid-19: Casos do Estado do Rio de Janeiro e do Município de Remanso (Bahia).

Realizada no segundo semestre de 2020, a missão trouxe à tona violações ao Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana) no contexto da distribuição de cestas de alimentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) na pandemia, tais como o não atendimento a todos os estudantes, a má qualidade e irregularidade na distribuição das cestas, a falta de participação social e prestação de contas, além da interrupção da compra de alimentos da agricultura familiar.

Essas violações acontecem no momento em enfrentamos a maior situação de fome das últimas décadas. O recém lançado Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado em dezembro de 2020 mostrou que 19,1 milhões de brasileiros, ou 9% da população, estava em situação de insegurança alimentar grave, uma condição análoga à fome.

O auxílio emergencial foi interrompido de forma abrupta, e está sendo retomado tardiamente e com valor insuficiente, e não há solidariedade da sociedade e filantropia capaz de dar conta de tamanha fome. Por outro lado, nossos governantes têm nas mãos e vem gerindo de forma pouco comprometida o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um dos mais importante instrumentos para a promoção do direito humano à alimentação de crianças e adolescentes.

“Assegurar a alimentação das crianças e adolescentes mais vulneráveis durante a pandemia deveria ser prioridade para os nossos governantes. Mas não é. O PNAE é a mais potente ferramenta que temos para o enfrentamento da fome. Mas há um enorme descaso. Falta coordenação nacional, recursos públicos e vontade política para fazer alimento de qualidade chegar na mesa de quem precisa.” afirma Mariana Santarelli, responsável pela relatoria.

Ela avalia ainda que a situação tem se agravado com a chegada de novos/as prefeitos/as e secretários/as: “As novas equipes nem sempre estão familiarizadas com a gestão do programa. Há ainda constantes incertezas quanto a volta às aulas. Com isso, o que vemos em muitos lugares é a paralisação na distribuição das cestas, em um momento de agravamento da fome e ausência de auxílio emergencial.”

Para chegar ao diagnóstico das violações, foram realizadas entrevistas remotas com mães de alunos, representantes de grupos de agricultores e pescadores, gestores, professores, membros de conselhos e do Legislativo. A missão contou ainda com a promoção de duas audiências populares, uma das quais contou com a participação do . Relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito Humano à Alimentação, Michael Fakhri.

“Os dois casos relatados foram selecionados pelo que expressam do ponto de vista prático e simbólico. Foram escolhidos por representarem situações extremas, em que se pode afirmar a existência da violação da obrigação de promover e prover o direito humano à alimentação por parte do poder público”, afirma o relatório.

Rio de Janeiro: violação respaldada pelo Supremo Tribunal Federal

A rede estadual de educação do Rio de Janeiro atende cerca de 661.600 alunos, em um total de 1.168 escolas. Para isso, recebe anualmente do FNDE cerca de R$ 59 milhões, orçamento este que é complementado com recursos próprios do governo do estado, totalizando o insuficiente per capita de R$ 1,00 por refeição. Durante a pandemia, o governo do estado do Rio de Janeiro não distribuiu os alimentos de forma regular, com qualidade e a todos os estudantes, além de ter suspendido a compra de alimentos oriundos da agricultura familiar. As decisões foram tomadas sem diálogo com as comunidades escolares e a situação foi objeto de intensa mobilização de familiares, dando origem, inclusive, aos movimentos Mães de Itaboraí e Passeata das Mães.

“A irregularidade da distribuição, a má qualidade da alimentação sugerida e a não aquisição de alimentos frescos e saudáveis da agricultura familiar ferem o que está preconizado na Lei do PNAE”, diz o relatório.

Para além disso, no Rio de Janeiro houve um fator agravante de que o descumprimento da Lei do PNAE foi respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Após o governo estadual do Rio de Janeiro ter descumprido a lei do Programa, uma Ação Civil Pública foi ajuizada pela Defensoria Pública e acatada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), determinando que o Estado distribuísse alimentos a todos os estudantes da rede sob pena de multa. Porém, em 1 de setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão do TJ-RJ.

“Infelizmente com a decisão da mais alta Corte do país, a execução forçada do julgado restou interrompida, o que pode gerar risco à segurança alimentar e nutricional de muitas crianças não só do Estado do Rio de Janeiro, mas de todo o país, uma vez que a decisão do STF tende a ter efeito cascata sobre os processos similares”, analisa a relatoria.

Ouvido durante a missão, o relator da ONU Michael Fakhri ponderou que o modelo de alimentação escolar do Brasil já foi considerado um exemplo para o mundo, mas que, pelos relatos da pandemia, os governos, nos seus diferentes níveis, têm tratado a alimentação não mais como direito, mas como caridade. “O problema com esse modelo de caridade é que isso acaba com a dignidade das pessoas”, analisou ele durante a audiência popular.

Remanso (BA): interrupção de compra de alimentos compromete renda de agricultores e pescadores

Em Remanso (BA), a relatoria também diagnosticou a falta de atendimento universal, já que foi distribuída apenas uma cesta por família,e não por aluno, apenas duas vezes em um período de 6 meses, e com uma quantidade muito pequena de alimentos. Em muitas escolas rurais a cesta nem chegou a ser distribuída.

O agravante neste caso é que, com o fechamento das escolas, houve a interrupção das compras de alimentos via agricultura familiar e pesca artesanal, o que comprometeu a renda de agricultores e pescadores da região. Segundo a relatoria, grupos de agricultores e pescadores que, ao longo de 2019 receberam a quantia de mais de R$ 630 mil com o fornecimento de alimentos para as escolas do município, não receberam nada em 2020.

Esta realidade se reproduz pelo Semiárido. Em 2019, aproximadamente 4,5 mil produtores de alimentos, organizados em 168 grupos produtivos da região, tiveram um rendimento de aproximadamente R$ 27 milhões. Até setembro deste ano, os mesmos coletivos venderam o equivalente a apenas R$ 3,6 milhões o que, em grande medida, corresponde a vendas feitas antes das medidas de isolamento social.

“Chamamos para conversa, fomos conversar com a Secretária de Educação, alguns de nós somos parte do CAE. Fizemos reunião, e deram a desculpa da logística, com discurso de um decreto que desobrigava. E até agora nada aconteceu. O que foi falado é que esse dinheiro não ia ser mexido, porque ia ser guardado até a volta das aulas, guardado pra quando passar a pandemia”, denunciou à relatoria uma representante do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop) que atua junto aos agricultores e pescadores de Remanso.

De acordo com a relatoria, antes do fechamento das escolas, ao menos três grupos formais e 10 informais já haviam assinado contrato com a prefeitura do município para fornecimento de alimentos. “Esperava-se, portanto, que com a autorização do FNDE para a distribuição de gêneros alimentícios, em caráter excepcional, adquiridos com recursos do PNAE, esses contratos anteriormente firmados fossem cumpridos, o que até novembro ainda não havia acontecido”, afirma o documento.

“A situação que se instalou em Remanso no contexto da pandemia da Covid-19, por conta da falta de diálogo e determinação política da gestão municipal, impacta de maneira direta a alimentação das crianças e adolescentes do município, as rendas de agricultores e pescadores e a economia local. Cabe informar que ao longo do processo de escrita desta relatoria tentamos, sem sucesso, agendar entrevistas com a Secretária de Educação, vereadores e representantes do CAE [Conselho de Alimentação
Escolar]l”, diz o relatório.

Recomendações

Considerando as violações diagnosticadas em 2020, o relatório apresenta ainda uma série de recomendações ao poder público, tais como: a ampliação do orçamento do PNAE, a partir do aumento real do valor per capita e reajuste anual pela inflação; revisão da composição das cestas, com alimentos frescos e minimamente processados, a retomada imediata das compras da agricultura familiar, e a adoção de estratégias que garantam maior transparência e a participação da comunidade escolar nas decisões.

No atual contexto, em que grande parte das escolas estão adotando modelos híbridos, que combinam aulas presenciais e remotas, é preciso assegurar que a alimentação escolar seja fornecida a todos, mesmo os que não voltarão às aulas.

Além de ser divulgado nacionalmente, o Relatório será encaminhado — a fim de que medidas cabíveis sejam tomadas — ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE), ao Ministério Público Federal (MPF), à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, às comissões de educação da Câmara dos Deputados e do Senado, ao governador do estado do Rio de Janeiro, ao prefeito de Remanso, e aos respectivos secretários de educação.

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), responsável pela oferta de alimentação escolar a todos os estudantes da educação básica pública, é uma das mais relevantes políticas públicas voltadas à garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) e uma das poucas que resiste ao sistemático desmonte de direitos que está acontecendo no Brasil. O PNAE atende cerca de 41 milhões de estudantes, com repasses financeiros da ordem de R$ 4 bilhões anuais aos 27 estados e 5.570 municípios.

Para muitos desses estudantes é na escola que se faz a única ou principal refeição do dia, o que é de extrema relevância para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Além disso, o PNAE é estratégico na estruturação de redes de abastecimento da agricultura familiar: 30% dos recursos repassados para a execução do programa, aproximadamente R$ 1,2 bilhões anuais, deve ser destinado à compra direta de alimentos da agricultura familiar. Isso gera impactos positivos tais como a geração de renda, a dinamização de economias locais, a melhoria da qualidade nutricional e a valorização da cultura alimentar regional.

Sobre a Plataforma Dhesca Brasil

Criada em 2002, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos – Dhesca Brasil é uma rede formada por 45 organizações e articulações da sociedade civil, que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos, incidindo em prol da reparação de violações. A Plataforma Dhesca Brasil tem como princípio a afirmação de que todas as pessoas são sujeitas de direitos e, como tal, devem ter todos os direitos assegurados para garantir as condições de vida com dignidade.

Informações para a imprensa:

Júlia Daher – comunicacao@tiplataformadh.org.br | 11 9 9457 7006
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